quinta-feira, 9 de junho de 2011

O time, o gênio, a história



Confesso nutrir certo preconceito de exaltar o futebol europeu como sendo o bambambã, bem como de propagar a falácia de que a bola jogada por aqui, no “país do futebol”, seria decadente. Com indisfarçável coração verde-amarelo – mas não destituído de alguma razão crítica, recuso colocar o mais singelo XV de Jaú versus XV de Piracicaba abaixo de um Fulham x West Ham qualquer. Claro, faço minhas ponderações: com os grandes, a coisa é diferente. Mas, no geral, o nosso campeonato é, sim, muito mais competitivo e – heresia das heresias! – emocionante e belo, enfim, melhor, que o campeonato espanhol ou o inglês ou o português ou o alemão ou o inglês...

Só que nacionalismo – inclusive ludopédico – tem limite. Não dá para negar a qualidade gigantesca do Barcelona em jogar bola.

Detalhe: não falo “apenas” de Messi, obviamente um gênio dos gramados, mas do conjunto Barcelona, do qual o argentino é um dos onze: um escrete que joga por música. Se é possível falar de Messi como um dos melhores de todos os tempos, é mais possível ainda tratar este Barça, a equipe, sem salvadores da pátria individuais, como um dos melhores times já vistos na história do esporte bretão.

Outro detalhe: ainda que não tenha superado o melhor de todos os times que vi – a seleção canarinho de 1982 –, tenho que dar o braço a torcer e colocar este Barça ao lado dos dois “dream teams” que me encantaram desde que me entendo por gente e apaixonado por futebol, do alto de meus incompletos 39 anos: o Flamengo de 1980/83 e o São Paulo de 1992/93. Sim, Telê parece ter feito escola, e Pepe Guardiola parece ser um excelente aluno.

Derradeiro detalhe: após a longa Era Dunga, que vai da Copa de 1990 até a de 2010, quando o referido zangado mestre da nossa nanica seleção de 2010 não deixou ninguém lá muito feliz (com licença da Disney), ainda que tenha levantado o caneco em 1994, ao vociferar de palavrões, este Barça e seu “quase-espelho”, a seleção da Espanha, mostram-se como grandes vencedores de títulos. Excelente notícia, pois servirão de paradigma aos clubes e seleções mundo afora. Paradigma este que, negando o “dunguismo”, afirma que arte e resultado não são incompatíveis, que é possível – e desejável! – vencer jogando bonito.

Ou seja, não estamos falando de um simples time em seu momento de conquistas. Estamos falando de um marco na história do futebol.

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Aula de futebol: o jeito Barça

Muito se fala da postura tática do Barcelona. De fato, a equipe de Guardiola ocupa os espaços do campo da maneira ousada e extremamente ofensiva. Mais que a distribuição em campo, a postura do time é o que encanta. Não renuncia, em momento algum do jogo, de ficar com a bola nos pés. A posse da bola e a troca exaustiva de passes – sem errar! – é sua fórmula mágica. Derivada disso, vem a compactação no campo adversário, ao contrário do “comum”, de recuar os jogadores ao campo de defesa para marcar apenas quando o adversário passa o meio campo. Tem apenas um volante, Busquets, que não é brucutu! Não joga com um centroavante de referência, mas ataca com cinco ou seis, dependendo das subidas e Daniel Alves (observação: não tem a mesma qualidade do lado esquerdo, o que o torna um tanto torto). O Barça, além disso, não é dependente de um único craque, muito embora Messi seja o mais temido, posto que considerado o melhor jogador do mundo – com justiça! – atualmente. Neste time os atacantes marcam saída adversária e os zagueiros se adiantam, não jogam tão perto da área, e sabem sair jogando, distribuindo o jogo no meio. Para que tudo isso funcione, é bom que se ressalte que o preparo físico é fundamental, pois o jogo não é cadenciado, mas veloz e o ímpeto ofensivo perdura os 90 minutos. O Barça, enfim, é extremamente ofensivo, ainda que seu jogo não seja tão verticalizado, mas em espiral: troca passes exaustivamente, até que surja o momento de um passe a encontrar um jogador desmarcado, via de regra, na cara do gol adversário.

No entanto, esse jeito de jogar exige dois requisitos que não podem ser simplesmente copiados por outros times: 1) um elenco talentoso, que saiba jogar, repleto de craques, incluindo zagueiros e volantes (considero não apenas Messi, Xavi e Iniesta craques, como também Piqué); 2) um padrão de jogo desenvolvido ao longo de muito tempo, com muito entrosamento.

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Dream teams e estilo sul-americano


Da mesma forma que a seleção de 82, o São Paulo de 92 – ambos formados pelo grande Telê Santana –, ou o Flamengo de 82/83, o Barça foi evoluindo de bom elenco e ótimo escrete a time histórico. Sempre mantendo a base de craques e a filosofia de jogar bonito. A propósito, apesar de o Flamengo de Zico, Andrade e Adílio e o São Paulo de Raí, Palhinha e Cafu serem mais objetivos, usando as triangulações de modo vertical, rumo ao gol, enquanto o Barça de Messi, Iniesta e Xavi gasta mais tempo trocando passes, com paciência de jô (chega a irritar, às vezes), até que o adversário abra espaço para ser abatido, esses times têm em comum o talento, a arte, a criatividade: enfim, um quê sul-americano.

Aliás, isso é o que mais surpreende: como este time fantástico surgiu na Europa? Hipótese: enquanto nós bobamente imitávamos uma certa prosa européia, erroneamente convencidos de que as conquistas viriam assim – e a Copa de 94, vencida nos pênaltis, deu ainda mais argumentos à tese “dunguista” –, os europeus resolveram investir na poesia sul-americana. Não me refiro apenas à Espanha, última campeã mundial, mas até à Alemanha, referência de “jogo feio, mas competitivo”.

Que nos sirva de exemplo para, doravante, passarmos a imitá-los. Na verdade, estaremos a imitar a nós mesmos, retomando algo que é nosso e que havíamos abandonado.

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Sim, um dos melhores de todos os tempos


Apesar de não entender que o Barcelona se resuma a Messi, concordo que o argentino seja, disparado, o melhor jogador da atualidade. Mais do que isso, também concordo com aqueles que já o colocam na conta de um dos grandes jogadores de todos os tempos.

No que diz respeito à dependência do time catalão pelo jogador, maior prova de que o Barcelona vai além da excepcional capacidade de Messi é o fato de a Espanha – praticamente um Barcelona sem Messi – ter sido campeã da última Eurocopa e do último Mundial. Uma boa ideia do que digo veio de um comentário de Vitor Birner e Sócrates, no programa Cartão Verde, quando, em raro momento de concordância, afirmarem que o Barcelona é capaz de vencer sem Messi, mas a Argentina de 86 ou o Nápoli de 89 não teriam sido campeões sem Maradona. Aliás, considero até hoje Dieguito o melhor que vi jogar (obs: não vi Pelé).

Quanto à inescapável questão botequinesca sobre quem é o melhor argentino (faz de conta que esquecemos Di Stéfano...), Maradona é colocado acima, dentre outras coisas, porque venceu uma Copa do Mundo. Mesmo que Messi vença uma Copa, talvez continue achando Maradona melhor. Não levo em conta o fato de ganhar Copas como prova necessária de que se é um gênio dos gramados. Aliás, não foram campeões mundiais e estão no panteão ludopédico jogadores como Zico, Sócrates, Di Stefano, Puskas, Eusébio, Cruyff, Platini...

Messi ainda pode ganhar o seu mundial, mas, independentemente disso, já está entre os melhores.

JFQ

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