quinta-feira, 29 de julho de 2010

Poderia ter sido melhor. Poderia ter sido pior

Internacional 1x0 São Paulo (primeira partida das semifinais da Libertadores)


O Internacional venceu e não tomou gol em casa. Muito bom resultado. No entanto, diante das muitas oportunidades criadas, ficou com a sensação de que poderia ter sido melhor, ter saído do Beira Rio com um placar mais elástico.

Já o São Paulo, que perdeu e não fez gol, sabe que o resultado foi ruim. Aliás, Rogério Ceni, o melhor são-paulino na partida – quiçá, o melhor jogador em campo – saiu zangado com o time, achando tudo péssimo. Contudo, também há o que comemorar: considerando tantas chances do adversário, o resultado de 1x0 acabou sendo um alento, já que deixa o São Paulo vivo na disputa.

O Colorado foi soberano na partida. Só deu Inter, do começo ao fim. Com grande superioridade na posse de bola, o Inter sufocou o São Paulo, que raramente chegou ao campo adversário. No entanto, a superioridade gaúcha barrava na competente zaga tricolor. Isso, até o fim do primeiro tempo, quando Andrezinho acertou um belo chute de fora da área, defendido por Ceni. Seria a primeira de várias defesas. No segundo tempo, o Inter continuou pressionado, mas agora com sucesso nas finalizações. Rogério só não conseguiu defender o chute de Giuliano, que entrou no lugar de Andrezinho: em uma bela virada, pressionado por dois defensores, Giuliano acertou o chute, a bola bateu na trave direita e foi para o fundo do gol de Ceni.

No Inter, destaque para Guiñazu e Sandro, seguros na marcação e competentes na saída para o ataque, para Taison, que resgatou a velocidade perdida por algum tempo, e D’Alessandro, habilidoso, mas que peca às vezes por carregar muito a bola e pelo preciosismo das jogadas. No São Paulo, apenas os zagueiros Alex Silva e Miranda e, sobretudo, Rogério Ceni, merecem ser destacados. Fernandão – talvez um pouco acuado pela pressão da torcida que já foi sua maior incentivadora – e Dagoberto quase não tiveram a bola nos pés para criarem alguma coisa. O que se explica pela ótima marcação colorada, mas também pelo sumiço total de Marlos e Hernanes, o cérebro são-paulino, que parecia estar totalmente concentrado no que poderá ocorrer em Nova Jersey, no dia 10 de agosto, e não no que ocorria ontem no Beira Rio.

JFQ

A volta dos meninos. E da molecagem



Santos 2x0 Vitória (primeira partida da final da Copa do Brasil)

Se cautela e caldo de galinha é bom, digo apenas que o Santos está com uma mão na taça. Tirando a prudência de lado, digo que só um milagre tira o caneco do Peixe. Se bem que de milagres os baianos têm lá seu know-how.

O fato é que o Santos mostrou ser um time muito superior ao Vitória. Ainda que se lembre que o jogo foi na Vila Belmiro, os meninos santistas se impuseram do começo ao fim e o placar de 2x0 acabou sendo pequeno diante da superioridade vista no campo. Pequeno, mas suficiente como enorme vantagem para a segunda partida, ainda mais por não ter tomado gols.

A grande dúvida era se Neymar, Ganso, André, Robinho e companhia mostrariam o mesmo brilho do primeiro semestre, após retorno ruim do recesso da Copa do Mundo. Quer dizer, até a vitória sobre o São Paulo no último final de semana, pelo Brasileirão. No entanto, ontem pôde se ver, novamente, o bom futebol que fizeram os meninos da Vila serem convocados – até que enfim! – para a seleção brasileira. Destaque para a inteligência de Paulo Henrique, com uma visão de jogo muito além da média, e a rapidez de Neymar. O primeiro gol, inclusive, foi produto desse “mix”.

Por outro lado, Neymar também mostrou seu futebol moleque no bom e no mau sentido. O bom: dribles rápidos, partindo para cima, oferecendo perigo constante ao adversário. O mau: a displicência, a falta de seriedade na cobrança previsível de pênalti com cavadinha. Tão previsível – na impossibilidade da paradinha, antiga especialidade de Neymar, a jovem revelação do Peixe iria apelar para alguma outra “opção heterodoxa” de cobrança – que o goleiro do Vitória, Lee, ficou parado no meio do gol para realizar uma defesa “que até minha vó faria”. Que me perdoe o técnico Dorival Jr., mas esse “jeito do Neymar” não pode justificar tamanho risco em uma final de campeonato. De qualquer forma, o pênalti não tira a importância e a qualidade de Neymar, ótimo jogador, mas que precisa ganhar maturidade. Há muito tempo para isso.

Após substituir Ganso, Marquinhos, de falta, fez um belíssimo gol de falta, fechando a fatura. Como já disse, o 2x0 praticamente liquida a fatura para o Santos. Praticamente...

JFQ

terça-feira, 27 de julho de 2010

Opinião de Torcedora

Semifinal da Libertadores 2010
Internacional x São Paulo



Acho que o Inter é favorito nesse jogo. Somos fortes, temos raça e podemos sim ganhar. Afinal de contas, o Inter tem quatro vitórias seguidas nos jogos depois da Copa, e o São Paulo tem um empatezinho no mesmo período.



Helen Basegio, torcedora do Internacional





Mesmo o São Paulo não estando em boa fase no Campeonato Brasileiro, acredito na força do time em se tratando de Libertadores. Claro que estou com um friozinho na barriga, mas penso em um empate nesse primeiro jogo. E depois eles que agüentem a decisão no Morumbi lotado.



Aline Borguezan, torcedora do São Paulo

Campeonato Brasileiro, o retorno

Quatro rodadas já se passaram desde que o campeonato brasileiro retornou, após o fim da Copa do Mundo. Na ponta de cima, o Corinthians continua na liderança, depois de perdê-la momentaneamente para o Fluminense. O Ceará, principal oponente do Timão no período pré-Copa, caiu para a terceira posição. O Fluminense parece ser mesmo o concorrente mais direto do time de Parque São Jorge pela liderança. O Internacional, porém, apresenta-se como um concorrente de peso, embalado com quatro vitórias em quatro jogos no pós-Copa.

Muito embora o campeonato esteja com pouco menos de um terço do caminho total percorrido – o que pode parecer pouco, mas, pelo histórico dos pontos corridos, já é uma boa amostra de quem está realmente na disputa –, Corinthians, Fluminense e Internacional mostram-se como os postulantes com mais força para chegar ao título. Pelo menos neste instante.

O Corinthians tem o desafio de mostrar que Adilson Batista conseguirá aproveitar o legado de Mano Menezes e conduzir a equipe a resultados que a mantenham nas primeiras colocações até o fim. Não é fácil. Já o Flu, no papel e em campo, é uma equipe com jeito de campeã. Também pode haver um problema envolvendo seu técnico e a seleção, a conferir: até que ponto a recusa do clube em liberar Muricy Ramalho afetará seu trabalho no comando do tricolor das Laranjeiras. O Internacional, por fim, que entrara no recesso da Copa em baixa, com a troca do técnico uruguaio Jorge Fossati por Celso Roth, voltou com a corda toda: 100% de aproveitamento nos últimos quatro jogos e otimismo a mil com os retornos de Tinga e Rafael Sobis. Melhor: ambos poderão ser aproveitados na Libertadores. Tudo azul, ou melhor, tudo colorado no horizonte do time do Beira Rio.

Com todo respeito ao Ceará, que a mim tem pinta de fogo de palha. Nem tanto pela menor tradição da camisa, mas pela força dos demais adversários. De qualquer forma, quem esperava que o time cearense apenas cuidaria de não voltar à segundona, pode ficar surpreso com esse mesmo time brigando, quem sabe, por uma vaga na Libertadores de 2011. Ainda que não seja brilhante, o Ceará mostra-se uma equipe bem equilibrada, e Estevam Soares está conseguindo manter a solidez deixada por PC Gusmão.

Na zona intermediária, destaque para o Avaí, repetindo a surpresa de 2009... se bem que surpresa repetida deixa de ser surpresa. Cruzeiro, Flamengo, Santos, Vitória e Palmeiras oscilam muito, o que pode ser fatal em um torneio por pontos corridos. Felipão ainda não acertou o passo, mas, para quem se lembra dele em outros tempos – inclusive na seleção –, sabe que quando engrena, aí segura! Valdívia chega e pode ser a peça que faltava para o Verdão deslanchar. Aliás, o clássico contra o Corinthians no próximo domingo pode ser o momento propício para isso.

O Santos, sensação do pré-Copa, começou mal o retorno, mas ensaia nova curva ascendente: vitória no clássico contra o São Paulo e convocação de Robinho, André, Neymar e Ganso podem ser os fatores motivacionais a reativar o brilhantismo do primeiro semestre. A gota d’água para isso seria (ou será) um bom resultado amanhã contra o Vitória, na primeira partida das finais da Copa do Brasil. Só que a recíproca também é verdadeira: o time baiano, apenas um ponto abaixo do Peixe no Brasileirão, também pode se motivar caso consiga com um resultado homônimo a si, vitória, na Copa do Brasil.

Por falar nos embates da quarta, o São Paulo, rival do Inter nas semifinais da Libertadores, não vem bem das pernas: 3 derrotas e 1 empate, além da cabeça de Ricardo Gomes a prêmio, quiçá com Dunga a substituí-lo. Estaria o São Paulo, mais uma vez, ensaiando sua performance Jason? Finge estar morto – por ora, finge muito bem, diga-se de passagem – para depois retornar com tudo? O fato é que o “efeito Fernandão” parece ter arrefecido e o tricolor carece de um novo impulso. Quem sabe o ajude a volta de Ricardo Oliveira.

Nas últimas posições, as grandes decepções são o Atlético Mineiro e o Grêmio. Quem esperava – como eu – que o time de Vanderley Luxemburgo e o time de Silas brigariam pelo título, se não antevê uma sofrida batalha para não cair pela segunda vez à Série B, já não deve mais ter esperanças de vê-los em busca da taça. O que também tem sentido no caso de Botafogo e Vasco.

Agora, quem corre sério risco de não ter representantes em 2011 é o estado de Goiás. A propósito, que papelão Emerson Leão e Rafael Moura, o He Man, aprontaram na partida contra o Vitória. O último parece que quis mostrar da pior maneira possível que "tinha a força". Lamentável. Haverá punição? Qual?

JFQ

A convocação de Mano Menezes



Mano Menezes anunciou sua primeira convocação para a seleção brasileira. Abaixo, os 24 jogadores chamados para o amistoso contra os Estados Unidos, em Nova Jersey, no próximo dia 10 de agosto. Hernanes, do São Paulo, ou Sandro, do Internacional, será liberado da partida, dependendo do time que se classifique para as finais da Libertadores.

GOLEIROS:
Victor (Grêmio)
Jefferson (Botafogo)
Renan (Avaí)

LATERAIS:
Daniel Alves (Barcelona)
Rafael (Manchester United)
Marcelo (Real Madrid)
André Santos (Fenerbahce)

ZAGUEIROS:
Thiago Silva (Milan)
Henrique (Racing Santander)
Réver (Atlético Mineiro)
David Luiz (Benfica)

MEIAS:
Hernandes (São Paulo)
Sandro (Internacional)
Lucas (Liverpool)
Ramires (Benfica)
Jucilei (Corinthians)
Carlos Eduardo (Hoffenheim)
Paulo Henrique Ganso (Santos)
Ederson (Lyon)

ATACANTES:
Robinho (Santos)
Alexandre Pato (Milan)
André (Santos)
Diego Tardelli (Atlético Mineiro)
Neymar (Santos)

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Comentários:

Há jogadores desconhecidos, especialmente para aqueles que não acompanham campeonatos europeus, mas não há nenhum Afonso no time de Mano Menezes. Ederson, por exemplo, foi titular do Lyon nas semifinais da Copa dos Campeões da Europa contra o Bayern de Munique, enquanto Michel Bastos, lateral titular na Copa do Mundo, estava na reserva.

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Como era de se esperar, há ausências sentidas. Umas mais, outras menos, dependendo da preferência do cidadão. As mais evidentes são os jogadores da Internazionale: Júlio César, Maicon e Lúcio. Talvez seja um acordo com os próprios jogadores, já que não tiveram descanso; jogaram a final da Copa dos Campeões da Europa e em seguida já estavam em preparação para o Mundial. Jogadores destacados e algumas revelações podem se fazer presentes em próximas convocações, como Léo Moura, Elias (aliás, por que Jucilei e não Elias foi convocado?), Diego, Philipe Coutinho, Bruno César, Wesley, Maxwell, Breno, Anderson, Wellington Silva, Fábio, dentre outros.

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Que me perdoem Diego Tardelli e Jefferson, mas não os vejo como jogadores de seleção brasileira.

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Mano bem que poderia, mais adiante, chamar alguns veteranos à guisa de despedida da seleção. Ou mesmo, dependendo do caso, de aposentadoria mesmo. Isso tem ainda mais sentido já que viveremos os preparativos para uma Copa do Mundo a ser realizada no Brasil, momento oportuno para louvarmos nossos grandes jogadores. Roberto Carlos, Ronaldo, Marcos, Rogério são alguns que se encaixam no perfil. O lateral do Corinthians, inclusive, pode mesmo ser considerado hoje como um dos melhores, senão o melhor, na sua posição, em que pesem os 37 anos de idade. Porém, gostaria muito de ver Alex, do Fenerbahce (ex-Palmeiras, Cruzeiro e Flamengo), novamente com a camisa da seleção. Para mim, Alex equivale a Ademir da Guia no quesito gênio que não brilhou na seleção brasileira.

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Quem será o jogador de um time de fora do Brasil que recusou a convocação de Mano? Ou melhor, segundo o próprio treinador, alegou que não era oportuna sua convocação neste momento. O que dá no mesmo.

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Felipe, quase ex-goleiro do Corinthians, deve estar arrependido até o último fio de cabelo pela confusão arranjada com a diretoria do Timão no momento em que seu técnico era alçado à sucessão de Dunga. Felipe, no mínimo, estaria entre os principais nomes para compor a lista dos goleiros. Só não deve estar mais arrependido que Bruno, ex-goleiro do Flamengo. Ou, como disse Ruy Castro, "ex-tudo".

JFQ

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Após recusa do Fluminense em liberar Muricy, CBF convida Mano Menezes


Que coisa, hein! Mesmo convidado pela CBF, Muricy Ramalho não será o técnico da seleção brasileira. Com a recusa do Fluminense em liberá-lo, a CBF convidou Mano Menezes, técnico do Corinthians. Amanhã, sábado, Mano dará uma entrevista para revelar se aceita ou não. Quanto à liberação do Corinthians, provavelmente não se repetirá o não do tricolor das Laranjeiras, já que o presidente corinthiano, Andrez Sanchez, foi chefe de delegação do Brasil na Copa da África do Sul e é aliado de Ricardo Teixeira.

JFQ

Muricy Ramalho é convidado para ser técnico da seleção brasileira


Muricy Ramalho foi convidado pela CBF para ser o novo técnico da seleção brasileira. Certamente, é um dos cinco ou seis melhores técnicos do país, comandante do atual líder do campeonato brasileiro. Aliás, Muricy foi tricampeão brasileiro com o São Paulo, vice-campeão com o Internacional, com o qual também ganhou o gauchão, além de ter sido campeão pernambucano com o Náutico e paulista com o São Caetano.

Ou seja, Muricy tem gabarito para assumir a seleção. Mas penso que há um problema de timing na sua escolha hoje. Apesar de seu time liderar o campeonato nacional, o momento em que Muricy estava mais credenciado era após os três títulos seguidos pelo São Paulo. Agora, sua escolha, apesar da comprovada competência, não deixa de ser uma surpresa. Tanto que o técnico não estava sequer entre os treinadores inicialmente cogitados, base da enquete aí ao lado. Falando nela, não houve voto para o “nenhum deles”, onde se enquadra Muricy: foram 69% para Felipão, 23% para Leonardo e 7% para Ricardo Gomes... engraçado: nenhum voto também para Mano Menezes, cotado como favorito nos últimos dias.

Além disso, para quem esperava uma espécie de anti-Dunga, nada mais semelhante ao antecessor do que o provável novo técnico da seleção. Os dois privilegiam sobremaneira o sistema defensivo, os dois podem mostrar estatisticamente que são vitoriosos, os dois detestam a imprensa e lidam pessimamente com pressão. Diga-se de passagem, para quem explodia com a pressão nos clubes em torneios estaduais, o que fará como técnico da seleção brasileira em Copa América, Copa das Confederações, Copa do Mundo! Sorte que não terá que disputar eliminatórias.

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Fluminense não libera Muricy

Após o convite, o presidente do Fluminense, Roberto Horcades, concedeu entrevista coletiva em que afirmou que o clube não vai liberar o treinador. Está formado o imbróglio. E agora? Será que Muricy forçará sua saída? Será que um outro técnico, sabendo-se segunda ou terceira opção, aceitará o cargo? Será que o Fluminense tem poder para manter o treinador? Será que Ricardo Teixeira já não tem mais o mesmo poder de antes?

A confirmação a esta última pergunta seria a evidência mais positiva a se tirar da confusão.

Começamos mal 2014?

Ou começamos muito bem?

JFQ

O futebol não é um jogo

João Pereira Coutinho

Artigo publicado na Folha de S.Paulo de 06/07/2010



Pela primeira vez na vida, vou discordar de Theodore Dalrymple. O dr. Dalrymple, pseudônimo do médico britânico Anthony Daniels, é um dos mais brilhantes ensaístas vivos. Discordar da sua sabedoria, sempre intocável, é exercício atrevido. Arrisco na mesma.

Escreveu o dr. Dalrymple, em artigo para a “New English Review“, que não consegue suprimir o seu desprezo pelo futebol. Como é possível que países alegadamente ilustrados possam dedicar a um jogo todas as energias da nação?

Como é possível que a França possa reunir “comissões parlamentares de inquérito” para analisar o que sucedeu de errado com a sua seleção? Será que as pessoas não reparam na vulgaridade e, pior, na inutilidade de transformar um mero jogo em que algo que ele não é?

Futebol é futebol, diz o dr. Dalrymple. A paixão mundial por ele é sintoma da nossa decadência presente, mental e cultural.

Com a devida vênia, discordo. Futebol não é apenas futebol. Descontando a dimensão financeira e mediática avassaladoras, que sacode o globo inteiro, o jogo tem importância política e até existencial que é impossível não ver.

Politicamente, alguém deveria enviar ao dr. Dalrymple a primeira página desta Folha de domingo: o goleiro da Argentina, de costas e de quatro. E o título, generoso e a negro: “Massacre histórico”. Olé!

Imagino o prazer que os editores do jornal tiveram ao planear essa primeira página. E imagino o prazer que os brasileiros tiveram ao lê-la. Melhor, só mesmo se tivesse sido o Brasil a fazer o serviço.

E quem diz o Brasil diz Portugal ante a Espanha. A equipe lusitana perdeu com “sus hermanos” uma semana atrás. Mas perder contra Espanha não é o mesmo que perder contra a Alemanha, contra a Argentina ou mesmo contra o Brasil.

Perder contra Espanha desperta todos os fantasmas históricos de um país que, em rigor, sempre afirmou a sua identidade por oposição a Castela. E que sempre viu em Castela uma ameaça física (no passado) ou econômica (no presente).

Hoje, Portugal e Espanha são membros da União Europeia e parceiros comerciais relevantes. Mas bastaria ler a imprensa portuguesa antes do jogo para perguntar se os jornais desportivos se tinham convertido à erudição acadêmica: as referências a batalhas importantes entre os dois países eram tantas que o leitor médio precisaria de um Ph.D. em história medieval para compreendê-las a todas.

Apenas um jogo? Para os portugueses, defrontar a Espanha era uma nova Batalha de Aljubarrota. Serem derrotados pela Espanha, uma repetição de 1580, quando o país perdeu a independência para os vizinhos. Todos os portugueses esperam agora pela desforra. Esperam por um novo jogo, uma nova Restauração, um novo 1640.

A União Europeia fez-se para harmonizar os interesses das nações do continente e, quem sabe, diluir as velhas identidades nacionais num único projeto federal.

Mas essas identidades existem e persistem quando Portugal encontra Espanha; quando a França encontra a Alemanha; quando a Irlanda encontra a Inglaterra; quando a Polônia encontra a Rússia. O futebol é a válvula de escape para que os países, formalmente unidos em Bruxelas, possam libertar medos ou ressentimentos que o tempo armazenou no subconsciente histórico.

Mas não apenas no subconsciente histórico. Disse que o futebol tem importância política e existencial. E essa última dimensão encontra-se no torcedor anônimo, que festeja e chora o destino da equipe como se fosse o seu próprio destino.

De certa forma, ele tem razão: o torcedor de futebol não deseja apenas contemplar a beleza do jogo e divertir-se em 90 minutos. O torcedor projetou na equipe exigências pessoais que não podem ser frustradas. Ele anseia por ordem, força, criatividade, disciplina, vontade ganhadora; ele exige o que seria incapaz de exigir a si próprio. Porque não pode, ou não quer.

O futebol não é apenas um jogo. No Ocidente global e pós-moderno, onde a religião e mesmo o Estado-nação foram recuando na sua força vital, o futebol preencheu esse vazio, congregando novos fiéis com um novo sentimento de pertença.

E com uma nova narrativa. Uma narrativa pulsional e tribal, feita de confrontos maniqueístas, sofrimentos coletivos e a possibilidade de uma redenção final e mundana.

A merecida vitória da Espanha e o paradigma para 2014

Para fechar a Copa de uma vez – como é difícil nos desvencilharmos desse negócio! –, algumas observações derradeiras sobre a campeã Espanha. Como previsto na enquete, em que metade previu vitória espanhola, metade, vitória holandesa, o jogo foi pau a pau. As duas seleções criaram chances claras de gol – Robben perdeu dois gols feitos, Villa teve uma –, e lutaram bastante. No entanto, ficou clara a diferença de estilo: enquanto a Holanda marca firme e depende das bolas eventualmente metidas por Sneidjer para a velocidade dos atacantes, a Espanha tem jogadores de qualidade que marcam por pressão, e tocam com rapidez. A Espanha, aliás, é mais parecida com a antiga Laranja Mecânica do que a própria Holanda atual.

Há uma tese segundo a qual o campeão da Copa impulsiona uma tendência, um paradigma, a ser copiado pelas seleções e times mundo afora. A marcação dura, muitas vezes violenta, da Holanda, se contrapôs ao jogo de toque de bola da Espanha. Em suma, como esta venceu, fica o paradigma espanhol, e não o holandês. Aliás, até mesmo Cruyff, o maior de todos os jogadores holandeses, criticou a violência com que Van Bommel, De Jong e companhia resolviam as jogadas ofensivas do adversário.

Porém, no cálculo frio do resultado, pode-se esquecer que a Holanda – e seu paradigma – esteve por um fio de sair vencedor. No caso da Espanha, o título pode aumentar qualidades que não são lá tão verdadeiras. O paradigma espanhol, em suma, distingue-se do neo-padrão brasileiro, ou melhor, do padrão dunguista: 2 volantes brucutus e só opção de contra-ataque. Também distingue-se do padrão da moda europeu, o 4-2-3-1. A Espanha marca por pressão, toca a bola intensamente, procura manter a posse de bola com objetividade, verticalizando as jogadas. Para isso, mantem jogadores habilidosos em praticamente todas as posições: tem volantes que saem para jogar (Alonso e Busquets), laterais que marcam e apóiam (Sérgio Ramos e Capdevilla), meias e atacantes de ótima qualidade (Xavi, Iniesta, Villa, Fábregas, Torres). Parece até coisa de escolinha de futebol. A Espanha explora os lados do campo e as penetrações em tabela, com velocidade; até parece coisa de manual, de escolinha de futebol. Mas, para que essas lições sejam executadas a contento, é necessário que se tenha jogadores leves, via de regra, jovens. A Espanha não cadencia o jogo como a Holanda, mas não joga na mera correria, como asiáticos.

Mas a grande novidade – apesar de tudo isso não ser lá tão novo assim – é o meio campo da Espanha. Xavi é um volante que pela qualidade se fez meia armador. É um pouco como Hernanes, do São Paulo, ou Falcão, nos anos 80, para citarmos um craque legítimo. Algo parecido ocorre com a Alemanha, embora Schweinesteiger tenha feito o caminho inverso: um meia armador que recuou e virou volante. De qualquer forma, o modelo espanhol, assim como o alemão segue o princípio de que o meio precisa de jogadores de qualidade, tenham funções de armação ou de contenção. Muito diferente do Brasil de Dunga ou da Holanda.

A Espanha, mesmo se tomarmos o zagueiro Puyol – não tão habilidoso assim –, marca em cima, mas sem apelar para jogadas ríspidas, violentas. Um dos grandes méritos dos espanhóis foi justamente jogar limpo. Gostaria muito de ver Lúcio na função de líbero, como Puyol: uma sobra de qualidade atrás.

O paradigma espanhol, a prevalecer de fato, será bom para o futebol. O Brasil pode tirar lições dele. No entanto, mesmo que haja aqui um resquício nostálgico, não vejo na Espanha de Xavi e Iniesta um time brilhante, encantador. Por mais competentes e habilidosos que sejam.

Para 2014, o Brasil poderia buscar algumas referências da campeã de 2010. Com a vantagem de ter talentos que, quiçá, só existam aqui.

JFQ

***

Sobre o paradigma espanhol, vale a pena ler o artigo de José Geraldo Couto. A seguir:


A Herança Espanhola
José Geraldo Couto

(Folha, 17/07/2010 – p.D-5)


DO PONTO DE VISTA estritamente futebolístico (esquecendo portanto a festa, os negócios, a overdose midiática), o que ficou de herança da Copa do Mundo na África do Sul foi o que podemos chamar de "efeito Espanha".

Só se fala em copiar o modelo espanhol, posse de bola, troca de passes, blá-blá-blá. Ora, para começar, nada disso é novidade. Em seus melhores momentos, os times brasileiros, bem como a seleção nacional, praticaram muito bem esse tipo de jogo.

Além disso, sinto dizer, a Espanha não está com essa bola toda. Sei que soa antipático falar isso de uma seleção que se sagrou campeã mundial com todos os méritos, batendo em campo, de modo limpo e incontestável, oponentes fortes como a Alemanha e a Holanda.

Mas o fato é que, por alguma química insondável, a equipe de Vicente del Bosque não foi na África o time que brilhou dois anos antes, na Eurocopa.

O que faltou? Os pragmáticos dirão que não faltou nada, já que a Espanha foi campeã. Mas não estamos falando de futebol de resultados, e sim de futebol, simplesmente.

Portanto, o que faltou? Diz-se que a seleção espanhola é "o Barcelona sem Messi" e talvez aí esteja uma pista para entender o ponto em que os campeões do mundo deixam em muita gente uma sensação de frustração.

O que faltou à Espanha, a meu ver, foi aquilo que o craque argentino encarna como ninguém (além da imensa destreza técnica): o tesão do gol, a gana de vencer, a ousadia de "partir para cima".

A Espanha tem um belo toque de bola e jogadores do mais alto nível, como Xavi e Iniesta. Mas essa troca constante de passes, essas inversões de jogadas, esse "futebol envolvente", em suma, precisa de momentos agudos de quando em quando para não se tornar monótono.

Em outras palavras, faltou fúria à Fúria, time que fez escassos oito gols em sete jogos. A Alemanha, por contraste, marcou oito em apenas dois, contra dois ex-campeões mundiais (Inglaterra e Argentina) tidos como favoritos na África.

Mas a Espanha venceu não apenas a Alemanha mas também a Copa do Mundo. Isso abafa, de certo modo, a minha voz dissonante. O mundo é dos vencedores.

Encerro com uma fala de Eduardo Knapp, fotógrafo da Folha. "Ah, é futebol de resultados?", pergunta ele. "Então, no dia do jogo vou ao cinema. No dia seguinte, abro o jornal e vejo se meu time ganhou (que bom!) ou se perdeu (que pena!)."

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Minha Seleção da Copa do Mundo 2010

Já fiz e refiz várias vezes minha seleção da Copa 2010. Agora, bato o martelo. Ei-la:


1 – Stekelenburg (Holanda)

2 – Sérgio Ramos (Espanha),

3 – Lúcio (Brasil)

4 – Friedrich (Alemanha)

5 – Xavi (Espanha)

6 – Fábio Coentrão (Portugal)

7 – Schweinsteiger (Alemanha)

8 – Özil (Alemanha)

9 – Davi Villa (Espanha)

10 – Sneijder (Holanda)

11 – Forlán (Uruguai)



Fiquei em dúvida quanto ao volante para jogar ao lado de Schweinesteiger. Pensei em Khedira – seu companheiro de Alemanha –, nos espanhóis Xabi Alonso e Busquets, mas nada me contentava. Lembrei-me, então, que Xavi fora volante no começo da carreira, deslocando-se depois para a armação. Aliás, fez o caminho contrário do próprio Schweinesteiger, que recuou no meio-campo. Por que não colocá-los como dupla de volantes? E que dupla!

Também quebrei a cabeça para encontrar o lateral direito. Potencialmente, nosso Maicon é o melhor do mundo, mas não fez uma grande Copa, como toda a seleção brasileira. Gostei muito de Lahn, da Alemanha, mas me descontentou sua função quase exclusivamente defensiva nos últimos jogos. Optei, então, pelo espanhol Sérgio Ramos.

Quanto ao goleiro, apesar do título, não consigo sentir segurança em Casillas. Fiquei entre Villar (Paraguai), Eduardo (Portugal), Eneyama (Nigéria) e, meu escolhido, Stekelenburg, da Holanda.

Quanto ao técnico, estava entre o alemão Joaquim Löw e o espanhol Vicente Del Bosque, ficando com o primeiro.

No mais, não tive muitas dúvidas. De qualquer forma, eis, abaixo, minha seleção reserva. Daqui a pouco, quem sabe, eu ache que esta deveria ser a titular. Porém, já bati o martelo.

Seleção reserva: 12 – Eduardo (Portugal), 13 – Maicon (Brasil), 14 – Lugano (Uruguai), 15 – Juan (Brasil), 16 – Busquets (Espanha), 17 – Salcido (México), 18 – Khedira (Alemanha), 19 – Iniesta (Espanha), 20 – Suarez (Uruguai), 21 – Messi (Argentina), 22 – Müller (Alemanha).

JFQ

domingo, 11 de julho de 2010

Espanha Campeã da Copa do Mundo 2010

Espanha: pela primeira vez, campeã mundial de futebol.

Parabéns, Fúria!

Afinal...

Afinal, chegou a vez da Holanda ou da Espanha ser campeã mundial. Esta, aliás, jamais fora a uma final de Copa, enquanto a Holanda participou – e perdeu – as finais de 1974 e 78. Assim mesmo, não tendo títulos mundiais, tanto uma quanto outra constavam da lista de favoritas à conquista da Copa 2010 da maioria dos comentaristas. Duas camisas de peso, hoje e no passado.

A propósito, preciso rever um post anterior, em que dizia ser esta a “Copa dos descamisados”. Na verdade, considerando a final, será apenas a “Copa dos sem taça”. Para um deles, inclusive, a busca histórica pelo precioso objeto ainda prosseguirá a partir de 2014.

Confronto de dois ritmos distintos: a Holanda mais cadenciada, a Espanha, mais apressada. Ambas valorizam muito a posse de bola. A Espanha marca mais em cima. Faço um necessário mea culpa: havia dito que, afora Alemanha e Espanha, nenhuma outra seleção tinha um padrão de jogo, um time propriamente, um conjunto. Isso não cabe à Holanda, que tem, sim, um conjunto. Não empolga, mas é eficiente, ou seja, ganha.

No caso da Holanda, o princípio do “quem não faz toma” é quase uma verdade absoluta. Qualquer bobeada pode ser fatal.

No entanto, a Espanha tem mais habilidade, tem mais objetividade no toque de bola e costuma ser mais incisiva nas suas investidas. Se a Holanda tem Sneijder, a Espanha tem Xavi, Iniesta e outros capazes de tocar bem a bola, inclusive reservas como Pedro e Fábregas. Se a Holanda tem a rapidez de Robben, a Espanha tem o oportunismo do matador David Villa.

Penso que a Espanha determinará o vencedor. Se ela jogar como Fúria, tal qual fez contra a Alemanha, vencerá. Porém, a Espanha é instável, ao contrário da Holanda. Esta venceu todas as partidas da Copa, ainda que não tenha encantado em nenhum. Caso a Espanha não jogue como Fúria, a Holanda dificilmente vacilará.

Eis a final inédita, de certo modo facilitada pelo chaveamento. Os grandes feitos de ambas foram as eliminações de Brasil e Alemanha. No restante, enfrentaram equipes inferiores.

Pelo potencial do futebol, aposto na Espanha. Pelo passado, pelo fato de ser a terceira final e por ter revelado o carrossel, seria bom que a Holanda saísse vitoriosa. Pelo fato de o clube dos campeões ganhar mais um integrante, seja lá qual for, será bem-vinda ao clube.

JFQ

O anúncio do futuro promissor e o resgate do passado glorioso


Uruguai 2x3 Alemanha (Disputa do terceiro colocado)

Alemanha e Uruguai fizeram um jogo de muitos gols, apesar da chuva intensa que caiu durante boa parte do jogo. Não havia como evitar um gostinho de “prêmio de consolação” nessa disputa. Para a Alemanha, que também garantira o terceiro lugar em 2006, após surpreender com uma seleção habilidosa, jovial e ofensiva, o que contava mesmo era o título. Tanto que Lahn, o capitão do time alemão, afirmou que não tinha motivação de disputar a terceira colocação, sendo substituído por Jansen. O Uruguai, por sua vez, já tinha garantido uma grande Copa com a inusitada participação nas semifinais. De qualquer forma, foi uma bela partida.

Na Alemanha, estavam presentes as jovens revelações, Özil, Khedira e Müller, além do ótimo Schweinsteiger. Ausentes, além de Lahn, Neuer, Podolsky e Klose, sem chances, portanto, de superar Ronaldo como o maior artilheiro de todas as Copas. Do lado do Uruguai, presença de quase todos, inclusive Lugano e Suárez, além do craque do time: Forlán.

A Alemanha saiu na frente, após forte chute de Schweinsteiger, rebatido por Muslera e aproveitado por Müller – guardem esse nome. O Uruguai empatou com um golaço de Forlán e virou, já no segundo tempo, com .... A Alemanha, no entanto, não se deu por vencida e “revirou”: Jansen marcou o segundo e Khedira, o terceiro. No último lance da partida, Forlán ainda meteu uma bola na trave, em cobrança de falta.

Fim de jogo: Alemanha 3x2 Uruguai. E a impressão de que essa Alemanha, repleta de jovens talentosos, tem um futuro brilhante pela frente, sendo uma grande promessa para 2014. Do lado do Uruguai, a impressão é de que o passado de glórias foi resgatado, e junto com ele o respeito pela camisa celeste, bicampeã mundial.

***

Já confessei antes que, após a eliminação do Brasil, torcia pela Alemanha. Não pelo país – em relação ao qual não tenho nada contra, mas também nenhuma ligação afetiva –, mas pelo estupendo futebol demonstrado durante essa Copa.

Disse e repito: é a melhor Alemanha que já vi (conta-se a partir de 1982), incluindo campeãs e vice-campeãs mundiais.

Não digo que a classificação da Espanha tenha sido injusta, mesmo porque na partida semifinal os espanhóis foram imensamente superiores aos alemães. A constatação que faço é que a Fúria só foi Fúria de fato neste jogo. O suficiente.

Em comparação à Holanda, fico com a impressão que Alemanha fez uma troca histórica com os holandeses. Se em 74 o time de Cruyff encantava, enquanto Beckembauer levantava a taça, em 2010 que encantou foi a equipe de Özil. Quem sabe, um sinal de que Van Bronkhorst levantará a taça logo mais.

Em 2014, cuidado com a Alemanha. Vários desses jovens estarão aqui no Brasil, ainda jovens, e com a experiência de participarem de uma Copa do Mundo. Experiência que, infelizmente, vários jovens talentos brasileiros não tiveram a oportunidade de ter na África do Sul.

JFQ

Nunca antes na história das Copas

Parafraseando o presidente Lula, a Copa 2010 faz jus ao "nunca antes na história".

Afinal, na primeira Copa do Mundo realizada na África, em que pela primeira vez a Itália foi eliminada na fase de grupos e em que a seleção do país-sede não se classificou para as oitavas, pela primeira vez a Espanha ou a Holanda sagrar-se-á campeã. Seja quem for, será o oitavo integrante do seleto grupo de campeões mundiais.

Espanha e Holanda farão a final que, pela primeira vez, não contará com um gigante: Brasil, Alemanha, Itália ou Argentina. Ainda, a final que, pela primeira vez, não contará com um sul-americano, tratando-se de Copa disputada fora da Europa.

O Brasil já não será o único a vencer uma Copa fora de seu continente (Suécia, 1958). Também não será mais o único dos campeões a não ter vencido uma Copa em casa – o que fica mais justo caso a Espanha seja campeã, já que sediou um Mundial (1982), ao contrário da Holanda. Isso vale até 2014, pelo menos, quando poderemos conquistar a Copa no Brasil. Até lá, mantemos a sina de sermos os únicos pentacampeões, os únicos a participar de todas as Copas, contando com o maior artilheiro de todas elas.

JFQ

De volta ao princípio


Alemanha 0x1 Espanha (Semifinal)

Antes de iniciada a Copa, a maioria dos comentaristas apontavam oito seleções como favoritas ao título. As campeãs, com exceção do Uruguai – há muito rebaixado do primeiro time das expectativas gerais –, e duas seleções que sempre prometem, mas nunca chegam aos finalmentes: Holanda e Espanha. Eis que estas duas seleções farão a grande final da Copa do Mundo da África do Sul.

A Alemanha não era tão acreditada, apontada como favorita quase que “por inércia”. Afinal, trata-se de um “gigante”, nos termos “galvão-buênicos”. E jamais houve uma final de Copa sem a presença de um gigante: Brasil, Alemanha, Itália ou Argentina. A Espanha, por outro lado, prometia em campo, mas não na história. A sina de sempre pipocar, de nunca ter chegado a uma final, de certa forma enfraquecia a aura de favorita da Fúria, em que pese o título da última Eurocopa e o futebol bonito e eficiente à la Barcelona.

Iniciada a Copa, as expectativas se inverteram em campo. A Alemanha, apesar do tropeço na segunda partida contra a Sérvia, mostrara um futebol leve, agressivo e bem organizado. Nada parecido com a velha Alemanha: dura, fria, previsível, muito embora eficiente e vencedora. Essa nova Alemanha dos garotos Özil, Khedira e Müller, ganhara, com méritos, o status de sensação da Copa com um estilo mais parecido com a América do Sul do que com a Europa, despachando Inglaterra e Argentina com goleada.

A Espanha, por outro lado, iniciou o Mundial com uma derrota para a Suíça e teve sua classificação para as oitavas colocada em risco, superado por vitórias magras, sempre na dependência de David Villa, sobre as fracas seleções de Honduras e Chile. Em outros jogos sofridos – em determinados momentos, também sofríveis – a Espanha fez o básico 1x0 em Portugal e no Paraguai, para desespero dos fãs de Larissa Riquelme. Detalhe: contra o Paraguai, houve pênaltis perdidos pelas duas equipes, e os nossos vizinhos estiveram muito perto de aprontar uma surpresa histórica. Em suma, a Espanha foi passando as fases, mas esteve longe de fazer valer o apelido de Fúria.

Eis o desenho para o confronto entre Alemanha e Espanha nas semifinais, repetição da final da Eurocopa, conquistada pelos espanhóis. De um lado, a Alemanha que chegara desacreditada, tornada favorita e sensação da Copa. De outro, a Espanha que chegara como a grande Fúria, mas que, nos campos sul-africanos, não amedrontava nenhum adversário. Mas as expectativas iniciais resgatadas justamente na semifinal.

Quem esperava uma Alemanha partindo para cima, sufocando o adversário, como se vira anteriormente, ficou pasmo com o renascimento espanhol. O time de Vicente Del Bosque tomou as rédeas do jogo, e comandou a partida do princípio ao fim. Sufocou a Alemanha na sua saída de bola. Mesmo assim, os alemães recusavam-se a despachar a bola, rifando a jabulani com um chutão para a frente. Só que, apesar dessa tentativa em manter o toque de bola característico, os alemães arriscavam-se em demasia: uma roubada de bola poderia ser fatal.

Dessa forma – tocando à exaustão, fazendo a bola girar de lado a lado, quando da posse da bola, e pressionando a saída alemã, quando sem ela –, a Espanha praticamente anulou os ataques da Alemanha e produziu seguidas chances de gol. Até que aos 27 minutos do segundo tempo, em uma cobrança de escanteio cobrada por Xavi, Puyol surgiu na área para cabecear forte e marcar o gol da classificação. Espanha: 1x0, mas poderia ter sido bem mais.

A Espanha foi soberana. Anulou a má impressão das partidas anteriores e voltou a merecer a alcunha de Fúria. Voltou a mostrar que tem uma equipe excelente, talvez a melhor Espanha de todos os tempos – com todo o respeito à era dos naturalizados Di Stefano e Puskas. Além disso, superou uma equipe que, mesmo não sendo campeã, quiçá também seja a melhor Alemanha dos últimos tempos – com todo o respeito a Rummenigg, Mathaus, Klisman e outros.

A Fúria jamais chegara a uma final, ao contrário de sua próxima adversária, a Holanda: finalista pela terceira vez. Mas, diferentemente da Espanha, não dá para dizer que esta Holanda é melhor que aquela de Cruyff, Resembrink e Neskeens.

JFQ

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Paul x Mick

Pergunta para a final da Copa:
E se o Mick Jagger torcer para o time que Paul, o polvo alemão, escolher: quem ganha?


Paul, um polvo do aquário de Oberhausen, na Alemanha, acertou todos os palpites até agora. Foram 6 resultados! O último contra a própria Alemanha. Entre dois recipientes contendo ração, um com a bandeira da Espanha e outro com a da Alemanha, o polvo escolheu o espanhol. Não deu outra.

A zica do Rolling Stone seria capaz de anular a força profética de Paul ? Eis o paradoxo.

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A propósito do polvo adivinho, abaixo, a ótima charge do cartunista Afonso, sobre a campanha presidencial, publicada na Gazeta do Espírito Santo. Com o perdão do trocadilho infame, neste caso, a escolha é do povo.


JFQ

terça-feira, 6 de julho de 2010

O carrossel e as voltas que o mundo dá


Uruguai 2x3 Holanda (Semifinal)

Holanda e Uruguai fizeram uma partida histórica hoje, na Cidade do Cabo. Histórica em dois sentidos. Primeiro, por ser uma semifinal de Copa do Mundo. E com a possibilidade de levar a vencedora, seja qual for, a uma final da qual há muito não participava: a Holanda, há 32 anos (Copa de 74, na Alemanha), o Uruguai, há 60 anos (Copa de 50, no Brasil). O time sul-americano, inclusive, não participava de uma semifinal desde 1970, no México, quando foi eliminado pelo Brasil. Já a Holanda, não faz tanto tempo: em 1998, coincidentemente, também eliminada pelo Brasil.

A partida de hoje também foi histórica por recolocar essas duas grandes equipes do futebol em seus devidos lugares. Para que se apreenda melhor esse sentido histórico, há que se lembrar a trajetória de ambas desde o dia 15 de junho de 1974, quando os mesmos Uruguai e Holanda se enfrentaram em Hannover, numa partida que marcaria o destino de ambas e do próprio futebol.

O Uruguai, como dito antes, havia sido semifinalista na Copa anterior. Além disso, carregava o peso das conquistas dos primórdios do futebol – medalhas de ouro nas Olimpíadas de 1924 e 28 e campeão da primeira Copa do Mundo, em 1930, assim como da Copa de 1950. Bicampeã olímpica e bicampeã mundial, portanto. A Holanda, por sua vez, já surpreendera o mundo dois anos antes, em 1972, quando seu time, também comandado pelo técnico Rinus Michels, conquistara a medalha de ouro nas Olimpíadas de Munique, também na Alemanha.

O que aconteceu naquele embate entre Holanda e Uruguai foi simplesmente revolucionário para o futebol. Para quem não viu, é imperdível dar uma olhada no vídeo abaixo, com trechos desse jogo.


Lances de Holanda 2x0 Uruguai (Copa 1974)
Foi a estreia da Holanda no mundial e o marco inicial, por assim dizer, do que ficou conhecido como “carrossel holandês”. É impressionante a surpresa com que os uruguaios se depararam com aqueles loucos de laranja. Ninguém parecia guardar posição fixa, todos se movimentavam por todo o campo, todos marcavam e todos defendiam. Uma verdadeira revolução no futebol promovida por Rinus Michels.

Quem assiste, por exemplo, aos jogos do Brasil na Copa de 1970, anterior a essa, quando nossa seleção também encantou o mundo, percebe a radicalidade da mudança promovida pela Holanda de 74. A partir de então, o futebol mudou bastante: os jogadores passaram a ser “multifuncionais”, não guardando posição fixa e ficando responsáveis por defender e por atacar. O preparo físico passou a ter mais importância, já que a movimentação em campo aumentou sobremaneira. Os toques rápidos tomaram lugar dos lances em que o jogador carrega a bola durante bom trecho do campo. É interessante, por exemplo, comparar a movimentação de Gerson e Pelé em 70 com a de Cruiff em 74. Não se trata de talento, mas de uma mudança no padrão de jogar futebol.

Claro, jamais a “laranja mecânica” teria tido o sucesso que teve não fosse repleta de jogadores fora de série. A inteligência tática revolucionária de Michels só logrou êxito porque encontrou o talento de Cruiff, Neskeens, Resenbrink e Rep, dentre outros.

Para o Uruguai, porém, aquele jogo marca o início de uma profunda derrocada. Segundo Paulo Vinícius Coelho, o PVC, a partida entre Holanda e Uruguai em 74 marca a ascensão daquela ao rol dos melhores do mundo e o rebaixamento desta ao segundo plano das seleções mundiais. De fato, o Uruguai parece ter perdido o melhor de seu futebol, passando mesmo a confundir sua tradicional garra com pura e simples violência. Foram anos como um coadjuvante de luxo – um bicampeão decaído – até que no dia de hoje nossos vizinhos tornassem a pleitear uma nova final de Copa do Mundo.

Aos poucos, todas as equipes adaptaram-se, cada uma a sua forma, ao paradigma holandês. Infelizmente, o principal antídoto para conter essa revolução foi a crescente valorização dos sistemas defensivos, das marcações cada vez mais cerradas, em muitos casos, violentas. De lá para cá, nada de profundamente novo aconteceu no futebol. Apenas variações do mesmo. O que, em alguns casos, pode até ser bom. Por exemplo, a seleção brasileira de 1982 não inovou taticamente, mas Telê promoveu um resgate da essência do futebol brasileiro, sua melhor tradição de futebol-arte, com ênfase na ofensividade, no jogar e deixar que o outro jogue, do aproveitamento total da habilidade, da capacidade de drible, enfim, do talento futebolístico que só o brasileiro tem.

O mesmo Michels foi técnico da Holanda novamente nos anos 80, comandando outra safra de grandes jogadores como Marco Van Basten, Ruud Gullit e Frank Rijkaart, campeões da Eurocopa de 1988. Também nos anos 90 outras boas seleções foram montadas pela Holanda, surgindo jogadores como Overmars, Seedorf, Davids, Berkamp, Kluivert e os irmãos De Boer. Todos, sem exceção, excelentes escretes laranjas, mas nada como o “carrossel holandês” de 74. Muito menos a seleção atual, de Robben e Sneidjer, mesmo que se torne campeã mundial no próximo domingo.

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A eficiência é laranja, a garra é celeste



No começo, a partida foi bastante estudada de lado a lado, cada qual das equipes respeitando a outra. No caso da Holanda, todavia, isso é mais que um momento: é seu próprio estilo. O Uruguai, mesmo com os desfalques importantes de Lodeiro, Lugano e Suárez, impôs sua marcação e mostrou que podia ameaçar o adversário. Quanta garra demonstrou a Celeste! A Holanda, por outro lado, com seu toque de bola, passou aos poucos a fazer o que sempre faz: envolver, ditar o ritmo, no mais das vezes cadenciado, do jogo, à espera da melhor oportunidade de ataque. Kuyt pela esquerda e Robben pela direita, eram as melhores opções de infiltração, ainda que Van Persie, como nos demais jogos da Copa, permanecesse apagado. Sneijder, até boa parte da partida, foi bem marcado e não conseguiu organizar as jogadas no meio. Na marcação, Van Bommel foi soberano, desarmando várias jogadas uruguaias. Do lado da Celeste, Cavani esboçou alguma rapidez na frente, mas muito aquém do que vinha fazendo o suspenso Suárez. No entanto, o Uruguai tem um craque: Forlán. Pena que jogue praticamente sozinho.

O jogo foi assim-assim, sem grandes oportunidades, até que Van Bronkhorst resolveu chutar do meio da rua e fez um golaço, sem chances para Muslera. Porém, quando se esperava que o Uruguai se abriria desesperadamente, dando espaço para um chocolate laranja, eis que Forlán responde na mesma moeda: um tirombaço em que a jabulani dançou no ar, escapando das mãos de Stekelenburg: 1x1.

No segundo tempo, a Holanda mostrou a mesma superioridade técnica, os mesmos momentos de sonolência e vacilo, a mesma paciência para vencer na hora certa. Mas também teve sorte e contou com a ajuda da arbitragem. No chute de Sneidjer, Van Persie, em posição irregular, ameaçou ir na bola, que passou por ele e entrou no canto esquerdo de Muslera. Holanda, 2x1. A partir daí, sim, os holandeses realmente dominaram a partida. Robben fez o terceiro, de cabeça, e só não fez o quarto porque titubeou na hora "h". Forlán e Robben foram substituídos e tudo parecia sem volta quando Maxi Pereira marcou o segundo do Uruguai num belo chute da entrada da área. A Holanda, que deixou de matar a partida antes, talvez por achar que já estivesse morta, viu-se em sérios apuros nos momentos finais. Mas não havia tempo para mais nada.

Final: Holanda 3x2. Os holandeses estão em uma final de Copa novamente, depois de 32 anos. Se esse time não tem o brilho revolucionário dos anos 70, ou mesmo a habilidade daquele dos 80 e a rapidez do time dos 90, quiçá seja a Holanda mais eficiente de todos os tempos. Jogando assim, como quem andasse em marcha lenta, com excesso de paciência, o escrete de Van Marwijk não perde há 25 partidas, tendo vencido todas as 6 que disputou nessa Copa. É certo que a Holanda não encantou jogando contra Dinamarca, Camarões, Japão, Eslováquia, Brasil e Uruguai, passado muitos sufocos às vezes. Também é verdade que se vencer a próxima, do mesmo jeitinho, seja contra a Alemanha ou contra a Espanha, terá sido a única de todas as “laranjas mecânicas” a levantar a taça de campeão do mundo.

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Craques inesperados

Quem, nesta Copa, esperava por atuações brilhantes e vitoriosas de Cristiano Ronaldo, Kaká e Messi, para ficarmos nos mais badalados, os últimos ganhadores do título de melhor do mundo, frustrou-se. Porém, quem esperava craques, sem nomes preestabelecidos, pode comemorar. Houve algumas revelações, houve a demonstração de ótimo futebol por jogadores dos quais não se esperava tanto, pelo que mostraram no passado. Müller e Schwanesteiger, ambos da Alemanha, são exemplos de revelação e destaque, respectivamente. Mas, na minha modesta opinião, pode-se dizer que alguns jogadores também revelaram-se craques, cada qual a seu modo. Cito três: Özil (Alemanha), Sneidjer (Holanda) e Forlán (Uruguai). O primeiro, menos conhecido, mostrou que tem um futuro brilhante pela frente. Os outros dois, que têm futebol além dos clubes, liderando equipes bem menos badaladas que as tais “gigantes”.

JFQ

domingo, 4 de julho de 2010

Tinha uma laranja no meio do caminho


A culpa, a culpa! Quem são os culpados? Eis o que se escuta das bocas e do íntimo de cada torcedor tão logo a seleção brasileira é eliminada de uma Copa do Mundo. Não compreendemos – apesar de já o termos aprendido e reaprendido ao infinito – que o futebol não é um esporte afeito a noções genéricas de justiça, em que vencedor é aquele que faz mais e toma menos gols. Simples assim. Ademais, nós, brasileiros, tendemos a “nos achar” no futebol mais do que argentinos para tudo na vida, o futebol incluído: no esporte bretão sempre somos os melhores, sempre somos os favoritos, ninguém pode conosco, vai encarar?! Eis a ideia plantada nos corações e mentes brasileiros em cada Mundial, mesmo que isso não seja verdade. Por isso também nunca nos perguntamos das razões da vitória quando não éramos assim tão bons. Em 82, por exemplo, a derrota foi realmente inexplicável, tamanha a beleza com que jogava o time de Telê, da mesma forma que a vitória em 94 com um time pesado, medíocre, contando com um solitário e baixinho gênio à frente. Isto é o futebol, muito prazer.

Quem não se fez por satisfeito, listemos alguns candidatos a Judas de 2010.

Há os culpados imediatos, diretamente envolvidos no jogo fatal: a jabulani – sempre ela –; as vuvuzelas que não deixaram Felipe Melo ouvir o “deixar pra mim” supostamente gritado por Júlio César no primeiro gol holandês (eis uma hipótese lançada por Galvão Bueno, que também não deve ter ouvido o “cala a boca, Galvão!” por causa das mesmas vuvuzelas); a camisa azul, qual a da França e da Itália; a maldição da Copa das Confederações (vencemo-la em 2005 e perdemos a Copa em 2006, nova conquista em 2009, nova eliminação em 2010); o pé frio do Mick Jagger, que depois de gorar os Estados Unidos e a Inglaterra, inventou de torcer pelo Brasil.

Há também motivos mais razoáveis: o despreparo psicológico dos jogadores para lidar com uma situação adversa, no caso, o empate e a virada da Holanda, após um primeiro tempo quase perfeito da nossa seleção; o despreparo psicológico de Felipe Melo, detentor de um temperamento reconhecidamente explosivo, passível de expulsões em qualquer partida, e que sequer teve a hombridade de assumir a estupidez do pisão dado em Robben, cuja imagem foi fartamente transmitida para todo o planeta; os erros dos jogadores no segundo tempo, especialmente do próprio Felipe Melo – que, tomara, jamais vestirá novamente o uniforme da seleção brasileira; a falta de ousadia de Dunga, que poderia ter deslocado Daniel Alves para a esquerda e colocado Gilberto no meio, quando este entrou no lugar de Michel Bastos, bem como não poderia ter tirado Luis Fabiano, o artilheiro do time, quando colocou Nilmar em campo. Há, ainda, o desfalque de Elano por conta da entrada criminosa de um marfinense na segunda partida. Também, a instabilidade da seleção brasileira, oscilando bons e maus jogos durante todo o mundial: uma verdadeira seleção ioiô, com altos e baixos seguidos. E, lógico, há o mérito do adversário: afinal, enfrentamos a Holanda de Sneidjer, Robben e companhia, invicta há 25 partidas, também ocupante do rol de favoritas ao título. À arbitragem, todavia, apesar de o juizão japonês Yuichi Nishimura marcar falta em tudo o que era tombo, não pode ser creditada qualquer culpa pela derrota brasileira.

Ah, há a clássica teoria da conspiração: o Brasil deixou essa Copa para outro porque já tem garantido para si o título da próxima, quando será o país-sede. Essa, aliás, já era uma aposta feita antes de começado o torneio. Não importa o momento da eliminação e contra qual adversário: está escrito – ou melhor, acordado em conluio – que o Brasil não pode vencer este Mundial. Assim como em 98, em prol de 2002... Êta mundinho mafioso! “Eu já sabia”, conclama o teórico da conspiração.

Também existem as culpas relacionadas à busca gananciosa por dinheiro a todo custo: os interesses financeiros dos empresários, responsáveis pelas convocações dos Afonsos e Hulks da vida, só para valorização e imediata venda para clubes maiores; os interesses financeiros da CBF e da imprensa, especialmente da Globo, que não se preocupa com o recato da concentração, exigindo entrevistas exclusivas ao arrepio do comandante; há os interesses financeiros dos patrocinadores, onipresentes na concentração, nos treinos, nos jogos. Enfim, há os interesses financeiros que sufocam de alguma forma o futebol.

E há a culpa de Dunga, como não. Não apenas de Dunga, mas de sua filosofia de jogo e de vida: o dunguismo. O dunguismo da coerência com um padrão de jogo limitado, que não admite opções aos contra-ataques, marcação cerrada e jogadas aéreas. O dunguismo do comprometimento com jogadores excelentes, jogadores razoáveis e jogadores medíocres, excluindo a oportunidade a jovens talentos por não “pertencerem ao grupo”. O dunguismo do espírito guerreiro, bélico, militar, que não permite entrevista, passeio, sexo ou sorvete, nada que lembre os tempos de Weggis. O dunguismo do apreço à autoajuda e do desprezo à autocrítica, quanto mais da crítica alheia. O dunguismo dos novos atletas de Cristo, reverentes ao Senhor Jesus, ao Senhor Dunga e ao Senhor Ricardo Teixeira, tão distantes da rebeldia dos bad boys e baladeiros de outrora. Enfim, o dunguismo que vê o futebol como trabalho árduo, sofrimento, obrigação e disciplina, jamais como brincadeira e prazer.


Talvez existam outras culpas e culpados a serem lembrados. Mas, por ora, basta os acima citados. Para mim, nada do que foi mencionado, isoladamente, explica a eliminação do Brasil. Assim como também não a explica se somarmos tudo isso. Volto ao começo: o maior culpado é o próprio futebol, sua lógica e sua dinâmica. O futebol é jogo que exige preparo, estratégia, visão de resultados. Exige também talento. Só que jamais deixará de ter o elemento do detalhe – lembrem-se de Parreira: o gol é um detalhe! De fato é! –, da caixinha de surpresas, do imponderável, do sobrenatural de Almeida. A seleção de 2010 não era ruim, também não era brilhante. Era, não se pode negar, pior do que poderia ter sido, dadas as escolhas do próprio Dunga. Poderia ter sido campeã? Sim, poderia.

Da mesma forma que a seleção de 2006 tinha a base da seleção campeã de 2002, mas os jogadores estavam velhos e um tanto descomprometidos. Poderia ter sido campeã? Sim, poderia. Também a seleção de 1982, que era brilhante, jogava maravilhosamente. Poderia ter sido campeã? Até hoje não entendemos como não foi. A seleção de 1994, por outro lado, era extremamente defensiva, lenta e dependente de Romário, só convocado por conta de muita pressão popular. Poderia não ter sido campeã? Sim, poderia. Inclusive, não se pode esquecer que venceu nos pênaltis!

Moral da história: eis o futebol. Quem não tem seus méritos, certamente não conquistará nada. Porém, há quem tenha méritos e também não consiga ser campeão. Até porque há adversários igualmente bons e merecedores de vencer.

Estou triste com a eliminação do Brasil pela Holanda, como qualquer brasileiro deve estar. Mas não fico melancólico, com o mesmo sentimento amargo de outras derrotas. Sou até capaz de concordar com Juca Kfouri: essa seleção tem mais saldo positivo que negativo. O que fica de mais positivo, na minha opinião, é a derrocada do paradigma dunguista do comprometimento e, quiçá, o ressurgimento do paradigma do talento, do futebol arte como fim em si mesmo e como meio para o resultado. Torço para que a Alemanha de Özil e Müller, o Ganso e o Neymar deles, seja campeã; ficará mais fácil argumentar que talento não pode ser desperdiçado e juventude não é ponto fraco.

Por ora, parabéns à Holanda porque mereceu a classificação. Nos aguardem em 2014.

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Fora o Brasil, torço pelo futebol: torço pela Alemanha

Tenho um defeito. Ou, quem sabe, seja uma qualidade. Depende de quem vê. Quando o Brasil ou o Corinthians, meu time do coração, não estão em campo, tendo a torcer por quem está jogando melhor. Entenda-se: jogando melhor não quer dizer vencendo, mas apresentando um futebol bem jogado. Torço instintivamente pelo futebol-arte, ainda que os protagonistas sejam arquirrivais. Podem me xingar, mas não conseguia admitir que a Argentina – sobretudo, Maradona – não fosse o campeão em 1986. Eu tinha 14 anos e dava risada com os dribles fenomenais daquele hermano parrudo, que vinha costurando a marcação adversária para fazer o gol ou dar uma assistência a um companheiro. Também não consegui torcer contra o São Paulo de Telê nas finais de Mundial em 92 e 93, para o Paulistão do Palmeiras de Luxemburgo em 96 e para o Santos atual. Rivalidades à parte, quem gosta de futebol, de fato, não toma os verdadeiros artistas da bola como inimigos mortais, mas como adversários dignos do maior respeito, no momento do confronto, de grande admiração, no momento da derrota, ou de orgulho e de glória, quando conseguimos vencê-los. Vale para os brasileiros em relação a Maradona, ontem, ou a Messi, hoje; vale para corinthianos perante Pelé, ontem, ou face a Ganso, hoje.

Isto posto, confesso minha torcida pela Alemanha, uma vez eliminada a seleção brasileira. Não me interessa que tenham 3 estrelas e podem conquistar o tetra, aproximando-se do Brasil. Também não torço para a Alemanha porque tiraram a Argentina, outra ótima equipe, com uma goleada histórica. Torço para a Alemanha porque é a seleção que mais me surpreendeu – especialmente por ser a Alemanha! – e que mais me fez sorrir com um futebol bem jogado. Joaquim Löw conseguiu montar uma equipe equilibradíssima, em que defesa e ataque funcionam muito bem, assim como os lados direito e esquerdo. Lahn está perfeito na nova função de lateral direito – era lateral esquerdo em 2006 –, Friedrich é seguro na zaga, Schwanesteiger e Khedira formam a melhor, mas técnica, dupla de volantes desta Copa, Klose caminha firme rumo ao posto de maior artilheiro dos Mundiais, e salve, salve os jovens talentosíssimos Özil e Müller. Notem que os alemães já perderam nesta Copa para a Sérvia, na primeira fase. E podem, sem que se considere o resultado zebra, perder para a Espanha ou para a Holanda mais adiante. Tudo bem. Isso não mudará a sensação que tenho: a Alemanha é a melhor seleção da Copa 2010. Minha utopia: o futebol brasileiro será redimido em 2014 pela referência da Alemanha campeã em 2010.

JFQ

A Vitória de Sarriá


Eu tinha dez anos. Formava com alguns amigos da rua um time, modéstia à parte, praticamente imbatível. Para aumentar ainda mais nosso potencial, estávamos fortemente influenciados pela magnífica seleção brasileira comandada por Telê Santana. O clima de Copa do Mundo era inescapável: verde e amarelo por todos os lados, camisas canarinho ostentadas com orgulho, o pavilhão nacional à mostra, seguindo, contudo, o protocolo patriótico determinado pela liturgia militar, cujo regime ainda imperava; por exemplo: bandeira brasileira pintada na camisa como se fosse uma reles estampa era quase um crime de lesa-pátria. Além disso, tinha o Naranjito, o mascote daquela Copa da Espanha, qual uma entidade onipresente: pintado nos muros, em forma de bonecos, pequenos, médios e grandes. E tinham as músicas: “Voa, canarinho”, cantada pelo Júnior, lateral do Flamengo e da própria seleção, e a do Luiz Ayrão, uma espécie de segundo hino nacional: “Dá-lhe, dá-lhe, bola/Meu canarinho vai deixar a gaiola/Vai pra Espanha de mala e viola/ Vai dar olé à espanhola/ E rola e rola e rola...”.

Em resumo, tudo cheirava a futebol, seleção brasileira e Copa do Mundo. E o escrete de Zico, Sócrates, Falcão & Cia. encantava o mundo, a ponto de não se conceber possibilidade de fracasso naquela tentativa de obter o tetra, primeiro caneco pós-Pelé. Da mesma forma, nosso timinho, cujo campo era o asfalto escaldante da rua da minha casa, também encantava os transeuntes eventuais, sortudos por poderem observar o fino da bola jogada por aqueles meninos, eu incluso.

Detalhe: cada jogador da rua correspondia a um craque da seleção, buscando imitá-lo no estilo futebolístico e nos trejeitos. Uma vez ouvi Chico Buarque dizendo na TV que ainda não jogava tão bem como Pagão, seu ídolo maior, mas já sabia copiar uma cuspidinha que o craque santista dava. Pois é o que fazíamos. As comemorações, por exemplo, fosse gol do Sócrates – o da rua, claro –, comemorava-se com postura ereta, o braço direito estendido ao céu; fosse o Zico, o seu alter ego da rua saia correndo, meio curvado para a frente, e pulava socando o ar.

Daí, quem sabe, a explicação de boa parte da excelência futebolística demonstrada por aqueles meninos. Se não éramos lá muito originais, pelo menos imitávamos gênios da bola. Eu era o Falcão: jogava no meio-campo, articulando as jogadas, chegando às vezes à frente para marcar meus golzinhos. Lembro-me que o Neimar era o Sócrates, ambos altos e esguios, e o Maurinho, salvo engano, era o Cerezo. E o Zico, quem era o Zico mesmo? Bem, o negócio é que tentávamos naquela rua reproduzir os prodígios que víamos de nossos craques em campos espanhóis. A coisa era tão séria, apesar da natureza de brincadeira, que deixávamos de assistir aos jogos, disputando, no mesmo tempo, partidas na rua. Claro que entrávamos correndo em casa para ver o gol, tão logo ouvíamos os rojões espocarem concomitantemente aos gritos que emanavam de todas as casas da vizinhança. Assim, víamos o replay do gol, e já passávamos à tarefa de repeti-lo no asfalto.

Foi assim contra a União Soviética, contra a Escócia – e não importava se saíamos perdendo, pois havia a certeza da virada –, contra a Nova Zelândia. Contra a Argentina, porém, valia o ditado dos benefícios da cautela e da canja de galinha. Afinal, tratava-se do arquirrival e então campeão do mundo, não obstante sermos nós os atuais campeões morais, incontestáveis favoritos. Foi sem perdão. Mal começou o jogo, o juiz marcou falta a uns quarenta metros do gol de Fillol. Não importava a distância, Eder enfiava o pé, e sabíamos – assim como os argentinos – que o negócio era perigoso. Não deu outra: Fillol até conseguiu rebater, mas Serginho e Zico partiram como um foguete para cima da bola, o Galinho chegou primeiro e enfiou a pelota pra dentro. Massacre só: 3 a 1, fora o baile, com direito a expulsão do Maradona. Perdeu a cabeça, coitado, atordoado com o olé brasileiro.

Aí veio a Itália, que também vencera os argentinos, mas por um gol a menos: 2 a 1. Por isso, tínhamos a vantagem do empate. Não sei para quê, se venceríamos mesmo... Foi meu primeiro encontro com os cruéis clichês do futebol: a caixinha de surpresas, o imponderável, a injustiça do jogar melhor e ainda assim perder. Sempre que o Paolo Rossi – jamais esqueceríamos esse nome, eterno vilão – marcava um gol, tínhamos a certeza de que o Brasil iria atrás e faria o redentor gol de empate. Afinal, já conhecíamos o filme, fora assim em jogos anteriores. Era até bom, dava mais emoção sair perdendo e virar o jogo. Oh, inocência de criança, virgem de desilusões! Ao primeiro gol de Rossi, Sócrates respondeu com um toque de gênio no canto de Zoff. Ao segundo, Falcão, numa angustiante espera que durou até metade do segundo tempo, enfiou o pé esquerdo e a bola foi morrer na gaveta direita do veterano goleirão italiano. Pronto, estava cumprido o script. Mas o tal do Paolo Rossi, endiabrado, marcou o terceiro e o tempo já era curto. Tudo bem, quanto mais dramática, mais gostosa a vitória. O problema é que o tempo passou, o Brasil criou algumas chances, mas o Dino Zoff – outro vilão italiano – impediu que a bola entrasse.

Quando o juiz apitou o final do jogo, senti um nó na garganta que jamais sentira por conta de futebol. Foi o primeiro grande desgosto ludopédico, o primeiro de verdade. Olhei para o meu pai e perguntei, como se as imagens da televisão não fossem o bastante: “O Brasil perdeu?” Meu pai, em silêncio – devia estar sofrendo também, do seu jeito adulto –, confirmou balançando a cabeça afirmativamente. Fiquei quieto por uns instantes, olhando a TV, vendo os jogadores da seleção saírem de campo chorando. Não convencido da eliminação, indaguei meu pai novamente: “Então, o Brasil não pode mais ser campeão?” Meu pai, com outro gesto de cabeça, confirmou a melancólica sentença.

Fiquei em silêncio por mais algum tempo. De repente, me deu vontade jogar bola na rua, como fazíamos sempre em dia de Copa. Aliás, por que nós, os meninos da rua, não estávamos jogando na hora da partida do Brasil? Bem, peguei a bola e parti. Ao abrir a porta de casa, não é que os outros já estavam lá! Todo mundo com sorriso amarelo, com um semblante fechado que expressava o constrangimento pela inesperada derrota, enlutados por sabermos que o Brasil, contra todas as nossas certezas de criança, não seria campeão na Espanha. Pior ainda para nós, que jamais víramos o Brasil ganhar uma Copa.

“Chuta a bola aqui”, gritou alguém. E logo estavam formadas as equipes, justamente Brasil x Itália, e partimos para a vingança. Esquecemos da tristeza, o luto se desfez, mas aqueles que assumiram o escrete italiano estavam inspirados pelo feito de há pouco da Azzurra contra a nossa seleção. O moleque que assumiu a condição de Paolo Rossi, coitado, estava se achando. Mas não teve pra eles, não. Fomos com tudo e nos vingamos sem pena, do nosso jeito. Ali na rua não tinha para ninguém. Só deu Brasil.

Findo o jogo da rua, voltamos a sorrir e a nos ver como os melhores do mundo. E, sem que nenhum adulto nos ensinasse, descobrimos algo muito importante: se no futebol o melhor pode perder, mesmo perdendo pode não deixar de ser o melhor. Logo, de uma forma ou de outra, são vitoriosos. O sentimento de derrota, assim, deu lugar novamente ao gosto pela vitória. Se nós, os meninos da rua que imitávamos Zico, Sócrates, Falcão & Cia. éramos imbatíveis, logo, aqueles jogadores mágicos, nossos eternos ídolos, também haviam vencido. Eram, ou melhor, são campeões. Apenas não conquistaram um torneiozinho mixuruca que, como bem disse Garrincha, não tem nem returno.

Venceram, com certeza. Pelo menos, é a lembrança que guardo desde os meus longínquos dez anos.

***

Hoje tenho 37 anos. Depois da Copa da Espanha, já vieram outros sete mundiais, incluído este de 2010. Destes, vi o Brasil ser derrotado em cinco e vencer dois. Apesar da emoção da vitória, jamais uma outra seleção brasileira me encantou como aquela de 1982. Tenho certeza que muitos outros que como eu tinham perto de 10 anos naquela época concebem o escrete de Telê como algo mágico, encantado, quase imbatível... Quase.

Será que é só uma dessas visões hipervalorizadas por virem dos tempos de infância, como os desenhos animados antigos que jamais admitimos serem pior que os de hoje? Não, neste caso, pelo menos, não. É porque aquela seleção era boa mesmo. Se não fosse, não estaria brilhando nas retinas e nas memórias de tanta gente até hoje. A propósito, como os garotos de 10 anos em 2006 ou 2010 levarão na memória de adulto as seleções brasileiras das Copas da Alemanha e da África do Sul? Guardarão o mesmo encanto em relação aos times de Parreira e Dunga que guardam os então meninos, como eu, em relação ao time de Telê? Provavelmente não.
Sem trocadilhos românticos, cuja intenção de fundo é produzir o autoengano: Acredito sinceramente que há derrotas que pairam como vitórias, e vice-versa. A chamada “tragédia de Sarriá” é um exemplo clássico. Como pode um time derrotado ser tão cultuado até hoje? Quem viu, sabe muito bem o porquê. Então, no mínimo, há que se ponderar muito as palavras para sentenciar que aquilo foi uma derrota. É muito pragmatismo numérico. É dar muita importância para números frios constantes de um placar.

Falando nisso, já pensando em 2014, quando a Copa do Mundo será no Brasil, gostaria muito que os dirigentes do nosso futebol não se preocupassem apenas com o número de estrelinhas que ostentamos acima do escudo. Sim, são importantes; são fundamentais mesmo. Mas não menos importante é o encanto que fica em cada brasileiro com o futebol jogado por seus compatriotas em campo. Dependendo da magia com que jogam, o fato de ser penta, hexa, hepta, etc., pode até ficar em segundo plano. E, cá entre nós, do mesmo jeito que jogo feio não é garantia de vitória, podemos muito bem apostar na vitória com um jogo encantador. Como o daquele time de 82, por exemplo.

JFQ