sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Tolerância zero

Eduardo Maluf



Rudolph Giuliani se tornou famoso com a política da "tolerância zero" contra criminosos em Nova York nos anos 1990. Reduziu os índices de violência na megalópole americana e ganhou popularidade no país. As ações radicais não costumam dar certo na maioria dos casos e devem ser evitadas, mas às vezes são necessárias.

Ou as autoridades impõem tolerância zero com os delinquentes do futebol ou continuaremos a ver mortes como a do garoto boliviano de 14 anos, atingido por um sinalizador atirado por torcedores brasileiros, segundo a polícia boliviana, durante Corinthians x San Jose, anteontem, em Oruro. É preciso que o rigor das leis seja aplicado também no esporte, e o bandido de torcida receba punição como qualquer outro cidadão.

É fácil, de nossa parte, jogar 100% da responsabilidade de garantir a segurança dos eventos nos dirigentes, policiais e organizadores. Queremos demais deles e, frequentemente, não cumprimos nossos deveres e obrigações. Chiamos quando entidades proíbem a entrada de bandeiras e rojões nos estádios, não permitem o consumo de bebida alcoólica e vetam, por exemplo, a "avalanche gremista" em Porto Alegre.

No mundo dos sonhos tudo isso deveria ser liberado. Desde que todos os presentes se comportassem de maneira adequada. Não é, porém, o que ocorre, e os inúmeros casos estão aí para comprovar. Bandeiras com mastros e rojões podem ser usados como arma para ferir ou matar.

Cobrar dos policiais que cuidem de dezenas de milhares de torcedores numa noite, num campo, e assegurem que nada acontecerá é exigir muito além da capacidade humana. Se um grupo de dez pessoas quiser, vai arrumar confusão e provocar brigas. Por isso, enquanto houver gente determinada a causar baderna num palco de futebol, é imprescindível estabelecer punições e medidas que possam parecer impopulares, como a exclusão de bandeiras e rojões.

Os bons torcedores, como sempre, acabam pagando o pato. Mas é melhor que deixem de carregar bandeira ou beber cerveja na arquibancada do que corram o risco de perder a vida como o menino Kevin Beltrán Espada.

O competente jornalista e corintiano Wilson Baldini Jr. me ligou ontem pela manhã, chocado com a tragédia na Bolívia, dizendo-se favorável à exclusão do Corinthians da Taça Libertadores. Tenho dúvidas se seria justo punir o clube e milhões de corintianos por causa de meia dúzia. Mas é certo que ações como essa (além, claro, das penas previstas pela lei) fariam o sujeito pensar bem antes de atirar rojão, sinalizador ou iniciar uma briga com torcedores adversários - inimigos para muitos.

A tolerância zero mudou o comportamento do público esportivo na Inglaterra e em vários países da Europa. O Brasil avançou pouco e segue no Terceiro Mundo na questão de segurança nos estádios. O reflexo está nas arquibancadas. Cada vez mais apaixonados por futebol têm trocado o campo pela televisão e a tranquilidade de casa.


Publicado em O Estado de S.Paulo, em 22/02/2013.



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Recordes de Messi

Ruy Castro



Neste momento, 11 da noite no Rio e duas da manhã em Barcelona, Lionel Messi deve estar quebrando mais um recorde. Não se passa um dia sem que Messi, craque do Barcelona e da seleção argentina, não quebre um recorde no futebol, para nosso deleite, admiração e inveja.

Nos últimos tempos, a Fifa --entidade equivalente em termos terrenos à Santíssima Trindade nos celestiais-- homologou novos recordes de Messi. Ele foi o melhor jogador do mundo pela quarta vez consecutiva e o maior goleador da Europa também pela quarta vez consecutiva. Antes, já tinha sido o primeiro a marcar cinco gols numa só partida da Liga dos Campeões. Agora, é também o maior goleador num só ano em todos os tempos e o maior em um só ano do Campeonato Espanhol, do Barcelona e da seleção argentina. Como se não bastasse, tornou-se, há pouco, o maior goleador que já usou um smoking com bolinhas brancas numa cerimônia oficial.

Outro recorde, ainda pendente de confirmação pela Fifa, é o de maior número de espirros no vestiário antes de um jogo contra o Real Madrid. E não há limite para os futuros recordes de Messi. Já se tem como certo que, um dia, ele chegará aos mil gols e será campeão, bicampeão e tricampeão mundial por seu país.

Quando os argentinos dizem que Pelé não era aquilo tudo por não ter atuado na Europa, esquecem-se de que o Santos de Pelé vivia na Europa e que, aqui, tinha de enfrentar outros 12 ou 15 grandes times brasileiros, a milhares de quilômetros um do outro --e que Messi passa o ano disputando um campeonato, o espanhol, composto de Barcelona, Real Madrid, um eventual terceiro time e 17 perebas, sendo que o quarto colocado nunca fica a menos de 50 pontos do primeiro.

E, se Messi fosse brasileiro, eu me pergunto se nossos irmãos argentinos teriam a nossa adoração por ele.



Publicado na Folha de S.Paulo, em 16/02/2013.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Vida do crack

Ruy Castro


Tarde desta quarta-feira. O ônibus do Botafogo segue pela avenida Brasil rumo ao estádio de Moça Bonita, em Bangu, onde, dali a pouco, o alvinegro carioca enfrentará o Audax, clube de São João de Meriti, recém-promovido à divisão principal do Campeonato do Rio. Entre os jogadores está o surinamês Seedorf, quatro vezes vencedor da Liga dos Campeões da Europa e tricampeão mundial de clubes.

Aos 36 anos, em grande forma, rico, independente e realizado, Seedorf podia escolher onde quisesse para jogar seu futebol. Escolheu o Brasil, o Rio e o Botafogo. Gosta de nós, é casado com uma carioca, fala perfeito português, e por que não vestir a camisa que, um dia, foi de Heleno, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Amarildo, Zagallo, Gerson, Jairzinho e Paulo Cesar?

Bem, segue o ônibus pela avenida que não por acaso se chama Brasil. Na altura do bairro de Ramos, os jogadores do Botafogo e todos que passam de carro se defrontam com uma dura realidade brasileira: as centenas de dependentes de crack à beira da rodovia. Alguns, agarrados ao único bem material que possuem: um cobertor --além, claro, do indispensável cachimbo. Um deles veste uma camisa do Botafogo. Uma camisa 10. A de Seedorf.

Seedorf viu bem o miserável que o tem como herói. O pobre diabo pode ter visto o ônibus do Botafogo, mas não se sabe se viu Seedorf na janela. A cena foi relatada ontem pelo portal "Lance!Net", infelizmente sem o nome do repórter.

O craque Seedorf tem escolhas e as exerce. Já o "Seedorf" do crack não sabe mais o que é escolher. Não sabe, aliás, nem quando, por quanto ou de onde virá o próximo cachimbo. O que lhe cair às mãos é para ser convertido em droga. Comer, dormir, viver, nada disso interessa. E não mora na cracolândia porque quer, mas porque não pode passar nem um minuto sem crack.


Publicado na Folha de S.Paulo, em 01/02/2013.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Um tango para Messi


Luiz Zanin


Depois da quarta Bola de Ouro, superando Zidane e Ronaldo, o que falta ainda a Lionel Messi? Nada, dirão os tietes que, ouso supor, constituem a imensa legião de fãs de futebol (profissionais ou não) espalhados pelo mundo. Messi atravessou fronteiras, ou melhor, pulverizou-as. Tem torcedores em todos os países. E essa torcida se justifica. Entre todas as suas qualidades, não falta nem mesmo uma inesperada modéstia. “Não foi o meu melhor ano no futebol”, disse, apesar de ter feito 91 gols em 2012. Justifica: apesar da façanha individual, os títulos do time não vieram como ele gostaria. O Barcelona foi desclassificado pelo Chelsea e ficou sem o título de campeão europeu. Não pôde, por consequência, disputar o Mundial no Japão. Este homem, então, além de tudo, tem pensamento coletivo! Não é o cúmulo?

De minha parte, e sem querer estragar a festa da unanimidade, acho que falta ainda uma coisa a Messi: ser campeão do mundo pela seleção argentina. Trata-se de um desafio que virá apimentar ainda mais a Copa do Mundo de 2014. Já pensaram (batam na madeira, por favor!) a Argentina vencer a Copa no Brasil, em pleno Maracanã? Eu só não digo que seria uma tragédia pior do que a de 1950 porque já não se fazem mais tragédias como antigamente. Ninguém vai cortar os pulsos. Mas que vai ser um estrago, isso vai. E que vai despertar o nosso sempre presente complexo de vira-latas, disso não tenho dúvida

Deixando de lado esse pensamento sombrio, entendo que este passa a ser o principal desafio de Messi. A Copa é, para ele, aquela meta sem a qual os grandes craques não conseguem se motivar. Depois de ganhar tudo, bater todos os recordes, jogar no melhor time do mundo, o que mais resta? Pois bem, no fundo da consciência de Messi, ou, talvez, enterrado lá em seu inconsciente, deve incomodar essa proeza não realizada: dar a volta olímpica numa Copa do Mundo com a seleção do seu país natal, ser lá reconhecido como o digno sucessor de Maradona. Tornar-se, talvez, alvo da mesma idolatria de Diego Armando, ele, Lionel, de perfil tão oposto, tão avesso aos excessos (verbais e outros) do grande mito argentino?

Será isso possível? Maradona, que ganhou uma Copa para o seu país, parece argentino até a caricatura. É fácil visualizá-lo cantando Cambalache, por exemplo. Já Messi, com sua discrição, senso de economia de gestos e palavras, a finesse com que vai acumulando gol sobre gol, é mais minimalista. Vai à essência, depura movimentos, opta sempre pelo mais simples. Difícil imaginá-lo bailando um tango, essa dança tão cheia de arabescos e paixão. Se há uma argentinidade em Messi é a de um Jorge Luis Borges, tão portenho quanto inglês, com sua prosa sóbria e precisa.

Mas, quem sabe uma Copa, vencida no terreno do arquirrival Brasil, não seja capaz de entronizar Messi no imaginário dos seus patrícios? Cabe a Felipão e família exorcizar esse sonho de Messi – um pesadelo, do nosso ponto de vista.


Publicado em O Estado de S.Paulo, em 08/01/2013.