sexta-feira, 17 de junho de 2011

Alguém explica?

Antero Greco

Como apaixonado por futebol, assim como você, preferia agora discutir o belo empate do Santos contra o Peñarol, anteontem, pela final da Libertadores. O time brasileiro ficou perto do tri, para honra de sua história gloriosa. Seria mais empolgante, também, falar do líder São Paulo, do vice-líder Corinthians e do imprevisível Palmeiras, ali entre os quatro.

Mas vou ser sincero: se na coluna de hoje eu me pusesse a abordar só a bola rolando, iria me sentir traidor. Isso mesmo: estaria a enganar a você e a mim. Na ordem natural das coisas, o mundo do futebol deveria girar em torno dos astros, dos treinadores, das polêmicas a respeito de quem é melhor, se o juiz errou ou com quem ficará o título. Era assim; agora não mais, infelizmente.

Por aqui, o esporte mais popular do mundo virou assunto de Estado e de interesse público, por causa dos preparativos para a Copa que a Fifa jogou no nosso colo. Não passa dia sem que sejamos surpreendidos por medidas que desafiam o bom senso e atingirão nosso bolso, em nome da boa organização do evento previsto para 2014.

Abro o Estado de ontem e vejo que é aprovada isenção de ISS para a Fifa, que já havia recebido outras benesses. O texto final carece de ajustes, mas o essencial está lá: a dona da Copa, que nem brasileira é, fica livre de imposto que toda empresa daqui paga. (Em São Paulo, todo mês religiosamente repasso 5% para a Prefeitura, sem perdão.)

Veja que curioso. A Fifa vira e mexe se zanga com algum governo que mete o bedelho na estrutura do futebol. Ela diz que isso é inadmissível, pois não se pode permitir que a política interfira no esporte. E pune o país em questão. Está certo que em geral ela propõe represálias para Confederações poderosas como as de Cochinchina, Longistão, Beleléu… O Brasil teve CPIs sobre futebol, há uma década, e não sofreu sanções.

Pois a Fifa apolítica, que celebrou um Mundial na Argentina sob ditadura sangrenta, dá seus pitacos em governos soberanos. Basta ver as exigências que faz de participação oficial para as Copas e as isenções fiscais que pede. Quer dizer, governo não pode intervir no futebol, mas a Fifa pode fazer com que estados deixem de arrecadar impostos.

Abro também a Folha de S. Paulo de quinta-feira e leio que o governo federal pretende manter sob sigilo os custos das obras para a Copa de 2014 e para os Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Trocando em miúdos, é o seguinte: os gastos só serão fornecidos para órgãos competentes – os Tribunais de Contas –, quando o governo achar conveniente, e sob a condição de que não se tornarão públicos. Ficam fechados a sete chaves.

Dessa forma, não se saberá, por exemplo, se houve estouro em algum orçamento para esses eventos.

A alegação para a inclusão desse item na Medida Provisória 527 (que trata especificamente das duas competições) é a de que se corria risco de fraudes nas licitações. Agora, tudo se torna mais controlável. Também se diz que a constituição prevê sigilo, sempre que houver interesse do Estado e da sociedade.

Sei que assunto tão delicado foi estudado por gente muito mais preparada do que eu, que não passo de reles palpiteiro de esportes. Mas, preso à minha ignorância, me assaltam dúvidas. Uma delas: quanto mais transparentes forem as contas e as concorrências públicas, tanto melhor para todos? Ou não?

Não é de interesse da sociedade saber para onde vai seu dinheiro? Não é melhor para o governo escancarar o jogo, num momento em que as obras para a Copa despertam ceticismo no povo e nos deixam com um pé atrás? Não lutamos tanto contra censura e pelo estado democrático, justamente para debatermos com os governantes temas importantes para nossa vida? Já querem tornar eternos certos papéis oficiais. Agora, também os gastos para Copa e Olimpíada, que não são tão essenciais assim, ficarão trancados, longe de olhos curiosos?

Sei que é alta a probabilidade de estarmos a travar batalha perdida. Sei que são cada vez menos os órgãos de imprensa que se permitem fazer questionamentos. Sei que, à medida que se aproximar a Copa, com clima ufanista, serão vistos como chatos e antipatriotas Jucas, Trajanos, Calazans, Mauro Cézares, Salins e Malias da vida e outros que rechaçam o jornalismo chapa-branca. Mas esses, tanto quanto você e eu, são como o macaco Sócrates, do Planeta dos Homens, e candidamente afirmam: “Eu só queria entender”.

* Publicado em O Estado de S.Paulo, em 17/06/2011, e em http://blogs.estadao.com.br/antero-greco/2011/06/17/alguem-explica/ 

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