Fazia tempo que não nos inflamávamos tanto na
arquibancada nem víamos nosso time jogar bonito assim. Estava um ano quente.
Mas, por incrível que pareça, corremos o perigo de passar
o Natal amargando 2013 na segunda divisão do Campeonato Brasileiro. O time até
brilhou, mas a bola simplesmente não entrou.
Um poderoso sentimento de injustiça cresce em meu peito
quando penso nas inúmeras bolas na trave que presenciei. Em minha relativista
visão feminina do mundo pão, pão, queijo, queijo do futebol já tentei tecer
várias teses a respeito da importância da bola na trave, mas sempre me olham
como se eu fosse mulherzinha.
É óbvio que é muito mais difícil acertar nas traves e no
travessão do que no vão de sete metros. Não valendo mais do que um gol,
deveria, no mínimo, aumentar o número de pontos de times como o meu, à beira do
precipício. Mas bola na trave não é gol. Bola na trave é intenção. E, como
dizia minha avó, de boa intenção o inferno está cheio.
Futebol se mede por gols, audiência, pelo Ibope, o valor
das coisas, por seu preço e meu filho, mesmo devorando livros, só passa de ano
se tirar boas notas. São regras e parâmetros aos quais fomos nos acostumando
para tentar ter a vida nos trilhos.
Da última vez, saí do estádio pensando em um texto que li
de Maria Rita Kehl no qual ela dizia que nossa biografia não deveria se basear
somente em nossos feitos. Às vezes, nossos desejos e intenções nos configuram
de forma muito mais plena. Seria nossa "biografia em baixo-relevo".
Mas como exigir desse mundo objetivo em que vivemos tamanha delicadeza?
Continuamos por aí nos afogando em números e perdendo
nossos "quases" que tanto têm a dizer. Nosso time talvez caia para a
segunda divisão pela segunda vez.
Na primeira vez, os meninos eram pequenos e se firmaram
palmeirenses gritando muitos gols, sem saber que torciam para um time
rebaixado. Agora não poderemos mais enganá-los: já sabem que a vida é feita de
números. Mas, mesmo na segunda, continuaremos na arquibancada contando nossos
gols, aos quais eu, eterna e secretamente, agregarei as bolas na trave e os
passes perfeitos.
DENISE FRAGA é atriz e autora de
"Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed.
Globo)
Publicado na Folha de S.Paulo, em 30/10/2012.