sexta-feira, 3 de junho de 2011

Chega de conversa

Antero Greco


O noticiário desta semana sobre Fifa e Copa do Mundo foi de provocar indignação em espíritos sensatos. As reportagens do Jamil Chade, na Suíça, deram enjoo em estômagos mais sensíveis. A cartolagem internacional emporcalha-se na lama de suspeitas de corrupção e, pelo jeito, nem liga pra isso, não está nem aí para a opinião pública.

Os conchavos e o jogo sujo na briga pelo poder não me surpreenderam – e, suponho, nem a você. Faz tempo que vira e mexe aparece um escândalo a envolver a casa suprema do futebol, que se auto-protege para evitar destruição. Que famiglia! Embora, como qualquer império, um dia venha a acabar, apodrecido, como de praxe. É lei da vida, é da História, não escapa. Uma hora acontece.

Mas teve um detalhe que me chamou a atenção. A reportagem de capa de ontem deste caderno de Esportes, assinada pelo Jamil, trouxe indiscrições preocupantes de pessoas ligadas à Fifa. Fontes do bravo repórter garantiram que os entraves às pretensões de São Paulo e do São Paulo para o Mundial programado para estas bandas são consequência de postura do Comitê Organizador Local. Em resumo: o interesse de azucrinar a cidade e o time que leva seu nome é coisa doméstica e não da Fifa.

Não é à toa que há um ano e meio o São Paulo tomava bordoada ao apresentar seu projeto de reforma do Morumbi. A turma da Fifa se aferrava a cada vírgula para fazer cara feia e pedir revisão. Nova versão, com os ajustes pedidos, e mais restrições, mais broncas, mais ar entediado. Sinais claros de que se preparava terreno para a exclusão, confirmada pelo Estado três meses antes de tornar-se oficial. A desfaçatez veio mais tarde, quando a mesma Fifa aprovou, sem sequer conhecer, o plano alternativo paulistano representado pelo estádio a ser erguido pelo Corinthians. Estava visível a mão do gato nessa lengalenga.

Superada a fase da arena, vieram as cobranças por obras em São Paulo. Pessoal ligado à Copa se meteu a botar banca, como se fosse dono da cidade, como se aqui fosse a casa da Mãe Joana. Porque em São Paulo não tem isto, porque falta aquilo, porque o aeroporto é ruim, porque as obras estão atrasadas, porque não haverá Copa das Confederações, porque a abertura pode ir para outra cidade, porque São Paulo pode ser banida de vez da festa. É ministro que reclama; governador e prefeito pressionados.

Ei, que história é essa?! O cronograma para a Copa de 14 escoou ralo abaixo faz tempo, e isso não se discute. Se a Fifa levasse a sério suas exigências, teria mandado o Brasil cantar em outra freguesia e repassava adiante a organização do evento. Mas a bagunça é geral, não se limita à cidade de São Paulo. Não que isso sirva de consolo; ao contrário, é lamentável. O brasileiro médio já pressente o festival de improviso, dentro de três anos. E com uma fatura monstruosa, que já se sabe quem vai pagar: eu, você, nós…

Enche a paciência pintar São Paulo como fútil, indolente, desinteressada. Parece que no restante das sedes vai tudo no melhor dos mundos. Não é assim, a Fifa sabe, a presidente Dilma sabe, o Comitê Organizador Local está careca de saber. Só que agora, após a reportagem de ontem, surgiu uma luz. Sempre segundo a Fifa, é briga política, de caráter pessoal, de gente daqui com o São Paulo e com os governantes paulistas. Ficou tudo mais claro…

São Paulo precisa, de fato, de aeroportos modernos, como tem necessidade de escolas públicas boas, de transporte decente, de melhor qualidade de ar, de mais segurança, de menos agressão à sua paisagem. De mais verde. Não por causa da Copa, mas por direito das pessoas que vivem aqui. Os governantes deveriam se coçar por respeito aos cidadãos e não por meia dúzia de jogos de futebol.

Se a Fifa (ou CBF ou Comitê Local ou o Zé das Couves) não vê São Paulo em condições de receber partidas do Mundial, que a risque do mapa e fim de papo. Só não fique com conversa fiada. Não venha incomodar quem está quieto e trabalha. São Paulo não é a sede mais bonita – provavelmente seja até a mais feia. E daí? Mesmo assim, é das cidades mais importantes.

São Paulo não precisa da Copa, mas o inverso é verdadeiro. Os cartolas sabem que aqui estão muitos dos melhores hotéis, dos hospitais mais modernos, os grandes centros de venda. É o grande mercado do País. Chega de jogo de cena, que soa a chantagem. E está na hora de os políticos daqui darem um basta nessa esculhambação

* Publicado em O Estado de S.Paulo, em 03/06/2011, e no blog do autor: http://blogs.estadao.com.br/antero-greco/2011/06/03/chega-de-conversa/ 

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