quinta-feira, 29 de março de 2012

Duas épocas

Ruy Castro


Não se pode ligar a TV, abrir um caderno de esportes ou tirar a sorte no periquito sem ouvir ou ler sobre a última façanha de Messi pelo Barcelona. Até o meu amigo Hans Henningsen, o "Marinheiro Sueco", que, como homem forte da Puma nos anos 70, dava ordens em Pelé, Cruyff, Beckenbauer e que tais, me falou outro dia de Messi com o olho rútilo e o lábio trêmulo. OK, também me incluo entre as macacas do argentino. Só acho prematura a insistência em compará-lo a Pelé.

Quero crer que, no tempo de Pelé, o futebol fosse mais difícil. A bola e as chuteiras, por exemplo, eram de couro de verdade e, a cada chute, ecoavam o último mugido do animal de que descendiam. Eram grosseiras e pesadas, e, com a grama molhada, passavam a pesar o dobro do seu peso inicial. As camisas eram de uma malha que acumulava suor e também pesava no corpo do jogador.

Até 1970 (e Pelé começou em 1956), não havia cartão amarelo e vermelho. Os adversários nem precisavam revezar-se para bater nele ou puxar-lhe a camisa -Pelé apanhou tanto que teve de aprender a bater. É irresistível imaginar como seria se, desde o começo, pudesse desfrutar dessa emenda à regra, que tanto beneficiou os artilheiros.

Finalmente, Pelé jogou numa época em que tinha de dividir os (então, poucos) refletores com colegas como Garrincha, Puskás, Di Stéfano, Didi, Eusébio, Bobby Charlton, Evaristo, Kopa, Fontaine, Tostão, Gerson, Rivelino, Jairzinho, Gerd Müller, o próprio Cruyff, muitos mais. E os goleiros e os beques que enfrentava eram Yashin, Domingues, Banks, Sepp Maier, Mazurkiewicz, Zoff, Mauro, Beckenbauer, Nilton Santos, Breitner, Bobby Cooper, e vá citando.

Messi é mais feliz. Passa boa parte do ano disputando um campeonato, o espanhol, contra o Real Madrid e 18 perebas. E tem todos os refletores para si.

* Publicado na Folha de S.Paulo, em 28/03/2012.

Enfim...



Estava viajando, em férias, quando soube da queda de Ricardo Teixeira. Claro que a saída do "todo-poderoso" da CBF não significa, por si só, uma transformação total do futebol brasileiro. Mas sinaliza que mudanças são, sim, possíveis. Aliás, penso que estão em curso, ainda que a passos de tartaruga.

Eis uma vantagem da escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014 que cabe ressaltar, uma vez que os comentaristas adoram apontar tão-somente aspectos prejudiciais ao país por acolher o próximo mundial. Ao sediar a Copa, todos os olhos do mundo se voltam ao Brasil, deixando os poderosos locais em evidência. Dessa forma, também se tornam mais vulneráveis a pressões externas e internas. Diminuem seu poder para ocultar malfeitos e para "administrar" nosso futebol ao sabor de negociatas e sem qualquer prestação de contas.

Que a saída de Teixeira seja o primeiro passo para grandes transformações no futebol brasileiro. Que seja o primeiro passo para resgatarmos o orgulho de nos vermos como o "país do futebol". Futebol bem jogado e, oxalá, bem dirigido. 

JFQ  

sexta-feira, 2 de março de 2012

Paulo André, o zagueiro-escritor


Ontem, dia 01/03/2012, foi o lançamento do livro “O Jogo da Minha Vida: Histórias e Reflexões de um Atleta” (Editora Leya), de Paulo André, zagueiro do Corinthians. O evento foi marcado pela falta de energia no local, a livraria Saraiva do shopping Pátio Paulista. Consequentemente, as pessoas sofreram com a escuridão e o com calor, sem que o autor, porém, deixasse de fazer suas dedicatórias pacientemente. Apesar dos pesares, os transtornos não diminuíram em nada a excelente novidade de um jogador de futebol apresentar uma outra e inusitada faceta: a de escritor.


Fora das quatro linhas, Paulo André é conhecido por valorizar atividades intelectuais e culturais, e por emitir suas opiniões políticas. Comportamento nada comum no meio futebolístico. Justamente por isso, o zagueiro-escritor passou a ser admirado não apenas por suas qualidades dentro de campo, como por sua postura cidadã. Não apenas pelos corinthianos, como por torcedores de outros times.

JFQ

Viajar é preciso

Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro

A recente participação do Santos no Mundial de Clubes da Fifa nos obrigou a refletir sobre a colocação do futebol brasileiro no mundo. A derrota nos imputou lições que devem ser aprendidas.

Há uma distância física, técnica e até mesmo conceitual entre o futebol que praticamos aqui e o futebol que assistimos apenas pela televisão. Se não buscarmos meios de executar uma reaproximação, o tempo nos colocará ainda mais longe da posição que um dia ocupamos: os melhores do mundo nesse esporte.
Os grandes clubes nacionais, em seus tempos mais gloriosos, tinham embates mais frequentes contra os poderosos clubes do velho continente, integrantes das melhores ligas do planeta.

Esses jogos contribuíam para que nos mantivéssemos tecnicamente equilibrados com essas equipes. Tínhamos maior referência e maior conhecimento sobre o que acontecia no resto do mundo.

Por vezes o Santos deixou de disputar a Libertadores para realizar essas excursões, tamanha sua relevância. Nesse período, entre 1958 e 1970, disputamos quatro Copas do Mundo e conquistamos três.
Por equívocos de planejamento e formulação de calendário, deixamos de realizar partidas contra Barcelona, Milan, Benfica, Manchester United e tantas outras importantes camisas.

Os times brasileiros não fazem mais essas viagens. Isso é um grande erro. Quanto o Leste Europeu não pagaria para ver Neymar, Ganso e companhia? Quanto não poderia ter lucrado o Corinthians se tivesse levado o Ronaldo para se apresentar na Ásia? É imperativo que sejam criados intervalos na agenda do futebol para que as agremiações possam se rentabilizar e intercambiar culturas.

Após a virada do milênio, por exemplo, foram realizados apenas cinco jogos oficiais entre equipes brasileiras e europeias. É pouco! Não é à toa que, nos últimos 15 anos, o Brasil teve apenas três campeões mundiais -os europeus tiveram dez.

Esses embates internacionais também permitem que as marcas dos clubes sejam mais conhecidas no resto do mundo. Hoje, ficamos limitados a aparecer apenas quando conquistamos uma Libertadores.

Com a experiência que vivemos com o Santos no final de 2011, percebemos que os clubes brasileiros precisam explorar a força das suas marcas em mercados como o do Japão, que tanto aprecia nosso futebol. Na China, nação com o maior desenvolvimento econômico no planeta, nossa atuação ainda é quase incipiente. Os clubes europeus, porém, já estão presentes nesses locais e aumentam a cada temporada a sua atuação no mercado mundial.

Já passou da hora, e faço aqui também um mea-culpa, de os grandes clubes se unirem para que exista espaço para três ou quatro amistosos internacionais durante o ano.

Não é enforcando uma semana ou apertando, de forma absurda, três jogos em sete dias, como o Internacional foi obrigado a fazer em 2011, que resolvemos a questão.

A alteração pela qual passará o calendário em 2013, mudando o período de disputa da Copa do Brasil, será uma oportunidade. Sobretudo nesse momento em que temos no departamento de seleções da CBF alguém que viveu fortemente a experiência de comandar um clube e sentiu na pele essas dificuldades, Andres Sanchez.

Os detentores dos direitos de transmissão também terão benefícios claros. A maior exposição do nosso futebol vai valorizar o Campeonato Brasileiro, despertando o interesse de novos mercados.
Não podemos esperar mais para chamar a atenção do mundo para os nossos clubes, e não apenas para a nossa seleção. O futebol brasileiro precisa se preparar, afinal não sabemos quais serão as consequências de uma nova frustração como a ocorrida na Copa de 1950.

Convoco os meus companheiros dirigentes para, junto com a CBF e com a televisão, encontrarmos caminhos para que voltemos a ser o país do futebol.

LUIS ALVARO DE OLIVEIRA RIBEIRO, 69, é empresário e presidente do Santos Futebol Clube desde 2009
Publicado na Folha de S.Paulo, em 01/03/2012.

Adeus futebol-arte

Wagner Vilaron


O futebol-arte brasileiro morreu. Morte morrida mesmo. Talvez esta conclusão até faça parte do inconsciente coletivo. Mesmo assim é difícil admiti-la, sobretudo para um povo que, durante anos, teve sua autoestima diante do mundo baseada exatamente na capacidade de transformar um tal jogo de 11 contra 11 em puro espetáculo, capaz de multiplicar admiradores e torná-lo conhecido em todo o planeta.

Mas, infelizmente, como diz o ditado, "contra fatos não há argumentos". E antes que alguém possa imaginar que esta coluna foi motivada pela - vamos abusar do eufemismo agora - "infeliz" atuação da seleção brasileira diante da Bósnia, esqueça. Trata-se de constatações feitas ao longo do tempo. Preparem suas cornetas e vamos a elas.

Há 30 anos utilizamos sempre o mesmo exemplo quando nos referimos à última seleção brasileira que apresentou o tal futebol-arte. Trata-se, claro, do time comandado por Telê Santana em 1982.

A Copa na Espanha foi a primeira que acompanhei de fato. E durante muito tempo achei que aquela derrota foi injusta simplesmente por ter causado a eliminação da melhor equipe. Hoje, porém, entendo que os efeitos daquela derrota por 3 a 2 para a, diga-se de passagem, boa seleção italiana, teve consequências muito maiores do que o corriqueiro adeus de um favorito.

Foi ali, em Barcelona, no estádio Sarriá, que não existe mais, que nosso futebol-arte começou a degringolar. Diante da pressão de 16 anos sem a conquista de um Mundial (período que se completaria em 1986 e que parecia uma eternidade para um País tricampeão do mundo), passou-se a questionar o custo-benefício de ter um time que joga bonito, mas não ganha. Conclusão, trocou-se o espetáculo pela eficiência. Afinal, ganhar também é bonito.

E o Brasil venceu em 1994 e 2002, além de ter chegado à final em 1998. Mesmo assim, o torcedor sente-se carente. Talvez seja difícil para qualquer outro povo entender tal sentimento, afinal, o que todos buscam é a vitória. Porém, aqui, o futebol não é uma simples questão de resultado, não é apenas um jogo. Aqui, este esporte ainda é uma forma de manifestação cultural que reflete o orgulho/pachequismo de muita gente. Por isso lembramos sempre de 1982.

Não sou daqueles românticos que acham isso lindo. Muito pelo contrário, meu ceticismo faz com que veja exageros em tais manifestações. Mas independentemente de concordamos ou não com elas, não podemos ignorar sua existência.

A esperança de que o futebol-arte brasileiro ainda poderia ressuscitar é sepultada de vez pelos clubes. Acometidos pela ameaça constante de demissão, os técnicos elaboram a mesma estratégia de jogo: marcação forte, retomada de bola e contra-ataques, com pequenas variações.

O primeiro objetivo, que era fazer gols, passou a ser não sofrê-los. Mas e o Santos de Neymar? É a exceção que justifica a regra. E qual é a regra? O Corinthians.


Publicado em O Estado de S.Paulo, em 01/03/2012.