segunda-feira, 13 de junho de 2011

Lições da Série B

Antero Greco


Você gosta de ver seu time na Segunda Divisão? Não?! Nem eu. É uma aporrinhação, um sofrimento só passar alguma temporada no purgatório do futebol. Sem contar a gozação dos outros. Dá raiva. Mas desgraças acontecem, e muito clube de história respeitável já amargou essa humilhação, na maioria das vezes por incompetência, dentro e fora de campo.

A expiação pode lavar a alma, advertiriam os profetas da autoajuda. Não vou fazer a apologia da queda para a Série B. Só que, aproveitada com critério, a experiência azeda vira base sólida para reação e sucesso. Duvida? Dê uma olhada na lista de pesos pesados que frequentaram o andar de baixo da bola e constate como vários depois se saíram bem.

Exemplos mais recentes são Vasco e Coritiba, que anteontem decidiram a Copa do Brasil. A propósito: foi um jogaço, do ponto de vista da emoção. Tecnicamente, não se mostrou nenhuma maravilha. No entanto, não faltou adrenalina. Um hora o Vasco aumentava a diferença, noutra o Coritiba descontava, virava, ficava em vantagem e dava esperança ao torcedor de que chegaria ao título. Que, no final, foi para São Januário.

Pois bem. As duas equipes padeceram, até pouco tempo atrás, a penúria da divisão de Acesso. O Vasco jogou a Segundona em 2009 e o Coritiba esteve lá no ano passado. O clube carioca já se garantiu para a Libertadores de 2012, enquanto ao bravo Coxa restam o consolo do ressurgimento e a perspectiva de um proveitoso regresso à Série A.

Pode não parecer muito, mas é. O sacrifício de brigar para retornar à elite provoca uma corrente positiva em torno do time. Torcedores vão ao estádio (lembram como Palmeiras, Corinthians e Grêmio jogavam com lotação total?), jogadores se sentem mais próximos, a solidariedade se acentua. Camaradagem e entrosamento são transferidos para a Primeira Divisão. Há casos, até, em que o prejuízo financeiro fica aquém do temido num momento inicial.

O importante é aprender - e isso parece que Vasco e Coritiba fizeram. Como ocorreu com o Grêmio, por exemplo. Os gaúchos circularam pela Série B em 2005 e voltaram no ano seguinte. Precavidos e práticos. Resultado: três títulos estaduais (2006, 07 e 10), o vice na Libertadores de 2007, fora boas colocações no torneio nacional (3.º em 2006, vice em 2008 e 4º em 2010). Nada mau.

O Corinthians também acordou, depois de purgar os pecados em 2008. Na temporada subsequente ganhou o Paulista e a Copa do Brasil, voltou à Libertadores em 2010. Nesse meio-tempo, trouxe Ronaldo, investiu em ações de marketing e agora até estádio terá. O Palmeiras foi campeão da Série B em 2003, para ficar em 4.º nos Brasileiros de 2004, 2005 e 2008. Em 5.º em 2009.

A reconstrução em geral se faz com elenco menos vistoso. Mesmo assim, há lucro. O Grêmio faturou com Anderson, um dos heróis da Batalha dos Aflitos, o Palmeiras ganhou boa grana com Vagner Love, o Corinthians encheu os cofres ao vender, em penca, Cristian, Douglas e André Santos. O segredo para evitar depressão é agir rápido. Clubes com currículo valioso também não devem ficar mais do que um ano na boca de espera. Dali pra frente, a tendência é a de desestabilizar e de aumentar o sofrimento. Bahia, Portuguesa, Guarani estão aí para não me desmentir.

De volta ao Vasco. A proeza de Fernando Prass, Felipe, Diego Souza, Éder Luís & Cia. tem valor prático - um troféu e vaga em competição sul-americana. Ótimo. Mas sobretudo carrega significado simbólico relevante. O clube enterra a era Eurico Miranda, dá um bico no fantasma de um cartola que o comandou por décadas e que representa o que há de mais ultrapassado em administração.

Seus simpatizantes, cada vez em número menor, esfregavam as mãos com as cabeçadas de Roberto Dinamite e estavam de butuca para retomar o poder, sobretudo quando houve o rebaixamento. O ex-presidente era endeusado, como a única solução para os males que acometiam o clube. Mazelas desenvolvidas em anos de atraso. Agora, com a Copa do Brasil jeitosamente acomodada na sala de troféus, quem sabe não sepultam de vez a memória desse personagem? É mais do que hora de virar página e fechar espaço para caudilhos, salvadores da pátria, coronéis da bola.

Ainda há vários espalhados por aí, eu sei. Alguns inclusive falam grosso até com governos. Mas um dia caem. Ah, caem! É lei da vida. Vou esperar.

* Publicado em O Estado de S.Paulo, em 10/06/2011.

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