sábado, 25 de junho de 2011

Dois meninos

O ano: 1950. O menino brincava enquanto o pai ouvia o rádio com máxima atenção. O pai, jogador de futebol profissional, dissera ao garoto que aquela era a mais importante partida da história do país. Uma final de Copa do Mundo disputada no Brasil, em que a seleção nacional, com seu glorioso uniforme branco, disputaria, favorita, a taça contra a celeste uruguaia. O menino, vendo a seriedade no semblante do pai, compreendia, na sua forma de criança, o quão relevante era aquele jogo de bola para os adultos; para seu pai, em especial. Apesar de continuar brincando, não deixava de atentar para as reações e humores do velho por um segundo sequer. Assim, sorriu quando o pai comemorou o gol da seleção, ficou apreensivo quando ocorreu o empate e arrasado quando um tal de Ghiggia marcou o tento da virada. Só não chorou como o pai, que foi às lágrimas quando o jogo acabou e o Brasil, apesar do favoritismo, de ter Zizinho e de jogar em casa, perdeu um Mundial que todos davam como ganho. Com um sorriso envergonhado, o menino se aproximou do pai e disse, amoroso:

- Não liga não, pai. Quando eu crescer, ganho um desse pro senhor.

Quando o Uruguai bateu o Brasil naquela final de Copa, o tal menino tinha apenas nove anos de idade. Oito anos depois, aos dezessete, participou da campanha brasileira na Suécia, quando nossa seleção, jogando ora de amarelo, ora de azul, conquistou seu primeiro título mundial. A partir de então, o Brasil tornou-se o maior vencedor de mundiais e o status de país do futebol; o tal menino tornou-se o rei desse esporte. E o Santos, o time que o revelou, até hoje é conhecido como o mais completo e vencedor clube enquanto Pelé desfilou seu imenso talento pelos gramados do país e do mundo.


O ano: 2003. O mesmo Santos, pela primeira vez após a despedida do seu maior astro, disputava uma final de Libertadores. Com o rei, conquistara dois títulos; o primeiro contra o Boca Juniors, da Argentina, e o segundo, contra o Peñarol, do Uruguai. Mas isso ocorrera há quase quarenta anos. Desta vez, o adversário era novamente o Boca, o mesmo da primeira conquista. Outros meninos brilhantes haviam surgido na Vila famosa, a confiança era total. Não obstante, os argentinos tinham vencido o primeiro jogo, lá, por dois a zero. Nada que não pudesse ser revertido na finalíssima, em casa. Entre tantos torcedores, um homem assistia à partida pela televisão, enquanto o filho de onze anos brincava ao lado. Sim, brincava, mas não deixava de observar a peleja, nem de reparar nas reações e humores do pai. Quando a partida acabou, percebeu que a derrota por três a um para os argentinos, com Robinho e tudo, arrancara, além de alguns xingamentos, uma lágrima do pai. E, docemente, tentou consolá-lo:

- Não liga não, pai. Quando eu crescer, ganho um desse pro senhor.

O pai sorriu, apesar da dor da derrota. Notara a semelhança com a história do outro menino. Só não podia imaginar que o consolo do filho não era mera coincidência, mas o destino novamente escrito pela boca e pelo talento de outro menino, o seu Junior. Oito anos depois, o Santos disputa novamente uma final de Libertadores, contra o Peñarol – sim, o mesmo do segundo título da América –, e ergue a taça pela terceira vez. Melhor: pela primeira, após a despedida do seu menino-rei dos gramados. Agora, o Junior é o novo menino-rei.

Eis as histórias de dois meninos que reverteram a história. Que, de certa forma, nos redimiram. De uma final melancólica, de derrota, reescreveram outra, vitoriosa, campeã. A história do menino Pelé ocorreu de verdade. Já a do menino Neymar... bem, nada há que prove a existência dos fatos relatados, pelo menos até a vitória contra os uruguaios, absolutamente verdadeira. E é isso o que importa: é verdade que esses meninos cresceram, viraram reis e trouxeram – e continuam trazendo –, com seu talento inigualável de tratar a bola, tantas alegrias e taças. E também é verdade que esses meninos nasceram e nascerão de tempos em tempos neste país. Meninos de favelas, de campinhos de várzea, de escolinhas. Meninos da Vila. Meninos do Brasil.

JFQ

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