terça-feira, 13 de abril de 2010

As crianças e o herói


Ele chegou calmamente, apesar de cercado por seguranças. À sua espera, uma legião de crianças de trinta e tantos, quarenta anos, que o rodearam tão logo passou ao lado da fila. Todos ali estavam ansiosos para entrar no teatro e ver o ídolo de infância lá dentro. Mas eis que o ídolo, qual um super-herói, surgiu do nada em frente a todos. Surgiu como um reles mortal, um mero Clark Kent, muito embora todos ali soubessem tratar-se de uma identidade secreta. Com paciência de Jó, o homem caminhou sob abordagens envergonhadas, tirando inúmeras fotos, dando autógrafos e mais autógrafos, respondendo gentilmente às perguntas, en passant, rumo ao recinto onde seria logo mais sabatinado por jornalistas e fãs. Quer dizer, somente por fãs, inclusive os jornalistas.

O mais engraçado era a reação atabalhoada, nervosa, das pessoas frente ao ídolo; para algumas, o maior ídolo que tiveram na vida. Quem não o conhece – mas como é possível alguém não conhecê-lo? –, fica surpreso com a afobação e a alegria daqueles muitos quarentões diante de um senhor, avô de dois netos, à espera do terceiro. Mal sabem, pobres ignorantes, que aquele sujeito é um mito, um semideus, um gênio da bola no país do futebol, que cometeu o grave crime de não ter ganho uma Copa do Mundo.

Como no casamento, em que os primeiros momentos de paixão selvagem vão, ao longo do tempo, se transformando em companheirismo, a relação entre esses quarentões e Zico converte-se da mais torrencial tietagem à postura carinhosa e reverencial. Todos ali sabem da importância da figura de Zico para nossas vidas. Nós, que jogávamos bola descalços, nas ruas e nos campinhos, já nos vimos como o próprio Zico! Quer dizer, esse privilégio era restrito aos melhores do time ou, numa iniciadora aprendizagem de política e economia, aos donos da bola. De qualquer forma, ser Zico não era para qualquer um e, ao mesmo tempo, o desejo de todos os meninos peladeiros.

Na entrevista, perguntado quem seria o ídolo de sua infância, Zico respondeu: Dida. Este, uma espécie de predecessor de Zico entre os ídolos do Flamengo. Além disso, Zico afirmou que “Dida” foi a terceira palavra que aprendeu a falar, depois de “pai” e “mãe”. Inevitável imaginar quantos não tiveram a palavra “Zico” nas suas primeiras falas. Palavras pronunciadas outrora em boca de criança, hoje, novamente ditas pelas mesmas crianças, tornadas adultas, resguardada, porém, aquela paixão infantil.

Lembro-me da discussão sobre quem era melhor, Zico ou Sócrates. Como corinthiano, defendia o doutor, meu ídolo máximo. Mas não dava para negar a genialidade do Galinho de Quintino. Que inveja e que medo daquele time do Flamengo! O melhor: pude vê-los juntos, naquela incrível seleção de 82 e em outras. Não, os craques dessa geração não perderam, não podem ser considerados derrotados. Afirmar isso é o mesmo que dizer que nós próprios, vindos dessa geração, somos derrotados. Em nossa cabeça de crianças, aquele time foi com certeza o melhor de todos, o melhor que já existiu. Somente deixou de levantar uma taça feia, ora por causa de um vilão italiano chamado Paolo Rossi, ora por terem passado criptonita no joelho de nosso Superman.

No dia de hoje revivi muitos momentos bons de minha vida graças à presença de Zico. Como é bom voltar aos tempos de criança! Como é bom rever um herói! Mesmo que sob a imagem de um simpático senhor, não mais como o magnânimo defensor das camisas rubro-negra e canarinha, soberano com a bola nos pés.

***

Hoje tive a feliz oportunidade de me deparar com Zico, ídolo de minha infância e ícone necessário a todos que gostam de futebol e que o viram em campo, em sabatina realizada pela Folha de S.Paulo. Em determinado momento da entrevista as luzes se apagaram. Ocorrera um problema elétrico envolvendo todo o shopping onde se localiza o teatro, e que não seria sanado até o final do encontro. Porém, o que era para ser um tormento, acabou provocando um clima mais intimista, aconchegante. Ouvir Zico nessas circunstâncias soou como ouvir estórias dos pais ou avós antes de dormir. Apesar da penumbra, assim como Zico, a sabatina foi 10.

De quebra, ainda consegui o autógrafo aí embaixo.

JFQ

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