terça-feira, 29 de março de 2011

Cem gols. Sem tabus



É claro que houve planos táticos, desenhos de jogadas ofensivas e defensivas bem ou mal executadas, de lado a lado. Mas o jogo entre São Paulo e Corinthians - que fez jus ao apelido de Majestoso –, disputado e Barueri, foi marcado mesmo pela emoção. Não foi uma partida para se analisar, para se ver com imparcialidade, mas para torcer. O embate teve espírito de batalha, de disputa aguerrida, muito mais do que disciplina tática. Apesar de não gostar do termo, os jogadores foram muito mais “guerreiros” em busca da gloriosa vitória de seu brasão do que “peças” supostamente posicionadas e movimentadas pelos técnicos-professores.

Além de tudo, foi uma partida histórica. Tanto pela queda do tabu – ou, se me permitem o neologismo tosco, o “retabu”, já que se tratava de uma reversão de tabu, primeiro favorável ao Tricolor, depois, ao Timão – como pela espetacular marca de 100 gols alcançada pelo, por que não dizer, lendário Rogério Ceni.

O São Paulo dominou a partida durante o primeiro tempo. Teve mais ímpeto, buscou seus objetivos, apesar de também ter sofrido boas investidas mosqueteiras. Dagoberto movimentou-se muito, criando opções no ataque. Fernandinho, em tarde inspirada, promoveu suas velozes arrancadas pela esquerda. Ah, quando a essa dupla juntarem-se Lucas e Luís Fabiano! Do lado corinthiano, Dentinho era o mais perigoso, apesar de mostrar, desde o começo, que o ímpeto por revidar a marcação implacável o trairia a qualquer momento.

Os jogadores não se avexaram em arriscar chutes de longe. Na sua segunda tentativa, Dagoberto, inexplicavelmente desmarcado, acertou um tirombaço no canto esquerdo de Júlio César. São Paulo, 1 a 0. O jogo que estava relativamente equilibrado passou a pender para o lado são-paulino. E o grande ídolo da história do clube, Rogério Ceni, começou a brilhar. No final do primeiro tempo, mostrou um reflexo incrível ao defender bola desviada na área por Jorge Henrique.

Iniciado o segundo tempo, empurrado pela torcida que dominava a Arena Barueri, o São Paulo chegou logo ao segundo, ou, dependendo do ponto de vista, ao centésimo. Fernandinho fintou Ralf, que tirou o pé para evitar a falta na entrada da área. Em seguida, o atacante tricolor repetiu a finta em Alessandro, que caiu na armadilha: falta, na medida para o gol histórico de Ceni. Qual o milésimo de Pelé ou o de Romário, ambos de pênalti, o lance de bola parada permitiu às câmeras que se posicionassem para registrar a história do melhor ângulo. E assim se fez: bola no ângulo esquerdo (direito do goleiro Júlio César), o alvo preferido de Rogério. São Paulo, 2 a 0 e merecidíssima parada para a festa dos 100 gols. Com direito a tirar a camisa e ao consequente cartão amarelo ao goleiro-artilheiro-lenda, sem qualquer reclamação.


Como se não bastasse, logo em seguida, Dagoberto partiu pela esquerda e tomou uma dura entrada de Alessandro. Cartão vermelho direito – e merecido – e pinta de goleada tricolor. Não obstante, como clássico é clássico e este tinha algo de mágico, eis que o próprio Dagoberto também foi expulso – e também com méritos – e Dentinho diminui o placar, também com um tirombaço de fora da área: 2 a 1, com pinta de reviravolta corinthiana.

Mas, como que para provar que o dia era mesmo tricolor, o mesmo Dentinho, estupidamente, revidou uma entrada de Rodrigo Souto com um chute (de leve) em lugar para lá de sensível nos homens, se é que me entendem. Dentinho foi expulso e o Corinthians se viu mais uma vez com um a menos em campo.

Mas a inferioridade numérica não impediu que o Timão insistisse até o último minuto. E, destaque-se, a segunda etapa foi até os 51 minutos, muito bem acrescidos pelo bom árbitro Guilherme Ceretta de Lima, em irrepreensível atuação, que sopesou muito bem as expulsões, as substituições e a cera são-paulina. No finalzinho, quase o Corinthians manteve o tabu com um golaço de bicicleta do até então apagado Liedson, defendida magistralmente pelo encantado Rogério Ceni.

Final da história: São Paulo 2x1 Corinthians. No dia do centésimo gol do maior goleiro-artilheiro da história do futebol, o centenário Timão ainda viu cair por terra a invencibilidade que sustentava há quase quatro anos.

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Adeus, freguesia

Além das vitórias e, especialmente, das vitórias em final de campeonato, o tabu é outro meio de se manter acessa a rivalidade entre os times de futebol e seus torcedores. Muitas vezes, o tabu pesa até mais do que a própria conquista do título. O corinthiano Juca Kfouri, por exemplo, já declarou que o tabu contra o Santos, que durou 11 anos, incomodava-lhe muito mais do que a “fila” sem títulos, os 23 anos que o Timão passou sem levantar uma taça. Vale dizer, após o Corinthians encerrar o incômodo jejum contra o time da Vila Belmiro, que durou de 1957 até 1968, de 1976 a 1983 foi ele o invencível contra o Santos. Aliás, parece haver uma tendência de reviravoltas de tabus, como que um time, antes achincalhado pelo adversário, reunisse todos os esforços para a vingança.

Outros tabus ocorreram entre São Paulo e Corinthians. Só que no caso deste encerrado no domingo, há algo especialmente interessante: a reviravolta automática. De 13 jogos sem perder, o Tricolor amargou 11 sem ganhar (obs: há uma dupla contagem no empate entre a última vitória tricolor e a primeira vitória mosqueteira).

A angústia de quem não vence é terrível e a sensação de desforra contra quem passou longo tempo tirando sarro é maravilhosa. É o feitiço que se volta contra o feiticeiro. Eu, particularmente, admito: como corinthiano, preferia a permanência do tabu ao próprio título paulista deste ano. Após ficar quatro anos ouvindo as gozações dos amigos são-paulinos, caiu como uma benção a sequência de onze partidas sem derrotas. Mas, como não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe, um dia finda a alegria arrogante dos supostos invencíveis e o amargura dos que não conseguiam sentir o gosto da vitória.

Parabéns aos são-paulinos, tomados pela sensação de alívio que há quase quatro anos, em outubro de 2007, com um gol de Betão, eu também senti.

Em tempo: no mesmo domingo, também acabou o tabu de 8 anos entre Vila Nova e Atlético, ambos de Goiás (1x0). Parabéns, também, à torcida do Vila.

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Parabéns à arbitragem

Guilherme Ceretta de Lima fez um trabalho irrepreensível no Majestoso disputado em Barueri. Há que se destacar que não se tratava de um jogo fácil. Muito pelo contrário! E Ceretta não amarelou em momento algum, tomando decisões no ato, com convicção e correção. Ressalto as três expulsões e os 6 minutos de acréscimo, muito bem justificados pela tempo gasto nas substituições, após mostrar o cartão vermelho e em vários momentos em que a equipe tricolor recorreu à tradicional cera. A propósito, o próprio Rogério Ceni, antes de cobrar um tiro de meta, admitiu a um repórter de campo da Globo que gastaria 30 segundos.

Tudo somado, não há o que reclamar da atuação do árbitro na partida que marcou, enfim, a vitória do São Paulo sobre o Corinthians.

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Muito além dos 100 gols


O goleiro Rogério Ceni atingiu a impressionante marca de 100 gols. Para se ter uma ideia, imediatamente atrás dele estão o paraguaio Chilavert, com 62 gols, o colombiano Higuita, com 41, o mexicano Jorge Campos e o búlgaro Ivankov, ambos com 40 gols.

Os goleiros-artilheiros marcam praticamente todos os seus gols ou de falta ou de pênalti. A maioria deles, mais desta do que daquela forma. Ceni e Campos são exceções: fizeram mais gols de falta de que de pênalti.

No caso de Rogério, foram 56 de falta contra 44 de pênalti, em que pese alguns comentaristas contabilizarem um dos gols de falta como sendo de bola rolando (em cobrança de falta na partida entre São Paulo e Cruzeiro, em 2006, Ceni rolou a bola, que foi parada pelo companheiro e chutada pelo goleiro às redes adversárias).

O mais impressionante é que Rogério, 18º maior artilheiro do São Paulo, ao lado de Renato “Pé Murcho”, também é o maior artilheiro do time na Libertadores da América, com 11 gols. Detalhe: considerando os dois anos que o goleiro são-paulino ainda pretende jogar, pode-se esperar um aumento razoável na sua estatística de gols.

No entanto, a importância de Ceni vai muito além dos gols. Desde 1997, quando assumiu a condição de goleiro titular do Tricolor – a qual nunca mais perdeu –, Rogério participou decisivamente de diversas conquistas, com destaque para os Brasileiros de 2006 a 2008, a Libertadores e o Mundial de Clubes de 2005. Para não falar das Copas de 2002 e 2006, em que Ceni participou na reserva.

Não apenas como artilheiro, mas também como um exímio arqueiro e, sobretudo, como uma liderança inconteste, Rogério Ceni transformou-se em um jogador lendário na história do São Paulo e do futebol brasileiro e mundial.

Os 100 gols de Rogério Ceni

JFQ

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