quarta-feira, 12 de maio de 2010

A Surpresa da Surpresa

Os torcedores brasileiros somos sabedores do conservadorismo de Dunga. A isto, no mais das vezes, dá-se o nome de teimosia. No entanto, sabedores também da tradição das surpresas na convocação final para as Copas, contava-se também neste caso com o inusitado. Alguns mais afoitos esperavam a convocação de Ronaldinho Gaúcho, Neymar e Ganso, os três, hipótese muito pouco provável. Os mais realistas, por sua vez, esperavam que ao menos um deles estivesse na lista. Eu, por exemplo, achava tão absurda a ausência de Ganso como a presença de Doni, apesar desta ser relativamente previsível.
Eis que Dunga, qual um novo Zagallo, nos fez engolir sua lista arqui-conservadora. Mas não dá para dizer que não fomos surpreendidos novamente! Pois sim, houve uma surpresa: Grafite no lugar de Adriano. Apesar do esforço do atacante flamenguista em não ser convocado para a seleção, tantos foram seus problemas extra-campo, depois da classificação do Mengo na Libertadores esperava-se que o Imperador tivesse garantido sua presença na África do Sul. E, mesmo não sendo relacionado, esperava-se – ou melhor, desejava-se – que um outro atacante (Neymar?) tomasse sua vaga.
Em suma, Dunga surpreendeu na sua surpresa. Nem Ronaldinho Gaúcho, nem Ganso, nem Neymar, mas Grafite. Tal surpresa até foi especulada – inclusive no blog –, mas, confesso, sem muita convicção.
Concordo com Paulo Vinicius Coelho, o grande PVC, ao dizer que o ponto fraco da seleção é a falta de banco. A pergunta clássica: sendo Kaká o único “que desequilibra” no Brasil, quem poderá substituí-lo se houver necessidade? O racional professor Dunga responde: Júlio Batista. E fundamenta: quando foi preciso, Júlio entrou, e entrou bem. Morta a cobra, mostra o pau: na Copa América de 2007 o Brasil não teve Kaká, Júlio César e outros titulares. Contando com Júlio Batista, Doni e outros “contestados”, conquistou a taça, goleando a Argentina na final por 3x0. Ah, e com gol de Júlio Batista!
O que Dunga não pondera é que o Júlio Batista daquela época não é o mesmo de agora: reserva na Roma. Aliás, o mesmo acontece com Doni. Até mesmo a Argentina da Copa pode ser muito diferente – bem mais forte! – do que foi naquela Copa América e nas eliminatórias.
A solução – na verdade, uma espécie de gambiarra –, para a falta de banco pode ser a utilização dos polivalentes. Precisando-se de uma meia que arme e organize o meio-campo, na falta de um Ganso, coloca-se o lateral Gilberto. Na falta de um ala esquerdo de confiança ou de um volante que conduza a bola com mais rapidez, improvisa-se o lateral Dani Alves. Quem não tem cão – porque não quis –, caça com gato.
Por falar em banco, se vingar a tradição, sempre há alguém vindo do banco que se firma no time titular no decorrer da Copa. Quem será? O Josué?
JFQ
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Outros comentários sobre a convocação de Dunga:
O homem cordial
Quando a discussão sobre as convocações do Brasil fica mais ríspida, o treinador tende a colocar um ponto final com a sentença: o time é meu! Ou seja, o treinador é quem escala, ninguém tasca, gostou, gostou, não gostou, o problema é seu. Porém, mesmo que, logicamente, a decisão final deva ser a do comandante, a seleção não é de Dunga, mas do Brasil. As pressões dos torcedores brasileiros são legítimas e muitas vezes úteis. Que o diga Parreira em 94, que só levou Romário aos Estados Unidos por causa da “caixa de ressonância”. No entanto, Dunga mostra dificuldade em matizar sua autoridade, entendida com inquestionável, sobre o escrete canarinho. Assim como se tornam incontestáveis os critérios do treinador para suas escolhas. Exemplo: o critério da lealdade pessoal entre treinador e jogador para fundamentar uma convocação. Essa relação, a meu ver, não é critério razoável para se manter a convocação de jogadores que sabidamente estão mal em seus clubes. Alguns por longo tempo, como Doni. A confiança do professor, alicerçada num trabalho de quase quatro anos, se sobrepõe ao mérito, ao que o atleta produz efetivamente em campo. Enfim, se não é possível a coexistência de quase 200 milhões de treinadores, também não deveria ser aceitável tomar essa instituição nacional chamada seleção brasileira como “o time dos fiéis escudeiros do Dunga”. Isso, a propósito, nos é bastante familiar. Colocar o mérito técnico, profissional, abaixo da relação pessoal, do coração, é um dos traços da brasilidade, como bem ensinou Sérgio Buarque de Holanda no seu “Raízes do Brasil”. Neste instante, Dunga é nosso mais destacado homem cordial.
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O racional e o emocional
Dunga justificou sua lista, em grande parte, como uma escolha racional. Contraposta a ela, pedidos emocionais, apaixonados, de torcedores. Ou seja, pedir Ganso, Neymar e Ronaldinho seria fruto da paixão do torcedor, luxo a que não pode ceder o treinador da seleção. Da mesma forma, mesmo com “o coração” a pedir pela convocação de Adriano, “o cérebro” falou mais alto, optando pelo veto e consequente – além de racional – escolha de Grafite. O engraçado é que a mim parece justamente o contrário. Ao pedir Ganso, por exemplo, muitos brasileiros estão, racionalmente, pedindo o melhor meio-campista brasileiro do momento. Ao passo em que Dunga, convocando uma série de jogadores que estão na reserva em seus times, age com o coração de um pai que não poderia abandonar o filho neste momento tão importante. Além disso, quando Dunga afirma que nós (eles: jogadores e comissão técnica) temos compromisso, temos paixão etc., e esta é a maior força da seleção, beira ao discurso religioso de que a convicção da vitória, a fé, há de sobrepor qualquer adversidade e levar o Brasil ao hexa. Pois sim. Isso lá é racional?

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O Império da Frustração
Adriano não foi convocado. Por quê? Dou meu palpite: além das ausências aos treinos no Flamengo e do espírito baladeiro, porque, seguindo a propaganda em que até Dunga atua, Adriano foi “excessivamente” brahmeiro. Quer dizer, devia ter sido brahmeiro “com moderação”.
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Imagem é Tudo
Por falar nisso, o discurso de Dunga está repleto de palavras de ordem: compromisso, coerência, paixão pela seleção, patriotismo. Quanto ao último chavão, vem ainda adicionado a uma ideia chantagista: quem for contra a convocação é porque não é patriota. Ora, bolas! Soa tão falso, tão produzido, tão artificial, quanto seu grito desafinado na propaganda “A gente é guerreiro!”. Então tá. Convencidos, compraremos o seu peixe, professor.
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A sombra do passado
Outra ideia-força, e falsa, implícita na lista de Dunga, é a de que o sucesso da seleção durante os quase quatro anos em que esses mesmos jogadores estiveram em várias convocações seria uma evidência de repetição do sucesso na África do Sul. Sem querer estragar as expectativas, é bom lembrar que seleções tidas como fortes, até mesmo favoritas, fracassaram. Exemplos: 1982, 1990 e 2006. Por outro lado, seleções criticadas como as de 1994 e 2002 (a seleção de Felipão fora eliminada da Copa América em 2005 por Honduras!) levantaram o caneco. Eis uma boa evidência, isso sim, de que conservadorismo não leva necessariamente ao resultado pretendido, como defende Dunga.
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Haverá um Romário em 2010?
O ótimo Tostão comentou certa vez que o Brasil campeão mundial em 1994 era uma seleção inglesa com um gênio na frente chamado Romário. Tenho a impressão de que a seleção de 2010 também se parece com uma seleção inglesa: muita disciplina tática e pouca habilidade, pouca arte, enfim, pouco “futebol brasileiro” propriamente dito. Se assim for, desta vez, haverá um Romário que nos salve?
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Teoria da Conspiração
Há quem acredite que as Copas não são disputadas com a isenção imaginada. Acreditam, inclusive, que há acordos envolvendo as seleções para que se defina previamente quem será o campeão desta e das próximas Copas. Por este pensamento (paranoico?), a descrença na conquista do hexacampeonato em 2014 não se explica pelas falhas do nosso time ou pelos méritos do adversário nos jogos, mas pelo fato de o Brasil ser sede da próxima Copa e, provavelmente, o próximo campeão. Assim, “eles” não permitiriam que conquistássemos dois mundiais seguidos. Uma crítica possível, é que até hoje o Brasil é o único dos campeões que não venceu em casa, além de ser o único que venceu fora do próprio continente. Ou seja, o complô histórico favoreceria a vitória agora e a derrota em 2014. Não costumo acreditar nessas coisas, assim como não acredito em bruxas... pero que las hay, las hay. Mas, caso esse acordo realmente exista, Dunga certamente está envolvido até o pescoço.
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Quem será o coitado do cortado?
Outra tradição das Copas é a contusão e o corte de algum convocado antes da competição começar. Careca em 82, Ricardo Gomes em 94, Romário em 98, Émerson em 2002, Edmilson em 2006 são exemplos. Conscientes desse fenômeno – quiçá, motivados por alguma esperança indizível –, o pessoal do Futepoca está promovendo a seguinte enquete: Quem será o primeiro cortado da seleção brasileira? Um kit caipirinha será sorteado entre os acertadores. Vale a pena. É só entrar no www.futepoca.com.br . A propósito, quem será o cortado? Será o Josué?
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Os reservas da lista
Por falar em cortes, caso haja algum cortado na lista dos 23, outros 7 foram relacionados por Dunga para eventual substituição. São eles:
Paulo Henrique Ganso (Santos)
Ronaldinho Gaúcho (Milan)
Alex (Chelsea)
Marcelo (Real Madrid)
Sandro (Internacional)
Carlos Eduardo (Hoffeinheim-ALE)
Diego Tardelli (Atlético Mineiro)
Tenho a impressão de que, saia quem sair – se sair –, o convocado será o Ganso. Mas no lugar de quem? Do Josué?

JFQ

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