terça-feira, 6 de julho de 2010

O carrossel e as voltas que o mundo dá


Uruguai 2x3 Holanda (Semifinal)

Holanda e Uruguai fizeram uma partida histórica hoje, na Cidade do Cabo. Histórica em dois sentidos. Primeiro, por ser uma semifinal de Copa do Mundo. E com a possibilidade de levar a vencedora, seja qual for, a uma final da qual há muito não participava: a Holanda, há 32 anos (Copa de 74, na Alemanha), o Uruguai, há 60 anos (Copa de 50, no Brasil). O time sul-americano, inclusive, não participava de uma semifinal desde 1970, no México, quando foi eliminado pelo Brasil. Já a Holanda, não faz tanto tempo: em 1998, coincidentemente, também eliminada pelo Brasil.

A partida de hoje também foi histórica por recolocar essas duas grandes equipes do futebol em seus devidos lugares. Para que se apreenda melhor esse sentido histórico, há que se lembrar a trajetória de ambas desde o dia 15 de junho de 1974, quando os mesmos Uruguai e Holanda se enfrentaram em Hannover, numa partida que marcaria o destino de ambas e do próprio futebol.

O Uruguai, como dito antes, havia sido semifinalista na Copa anterior. Além disso, carregava o peso das conquistas dos primórdios do futebol – medalhas de ouro nas Olimpíadas de 1924 e 28 e campeão da primeira Copa do Mundo, em 1930, assim como da Copa de 1950. Bicampeã olímpica e bicampeã mundial, portanto. A Holanda, por sua vez, já surpreendera o mundo dois anos antes, em 1972, quando seu time, também comandado pelo técnico Rinus Michels, conquistara a medalha de ouro nas Olimpíadas de Munique, também na Alemanha.

O que aconteceu naquele embate entre Holanda e Uruguai foi simplesmente revolucionário para o futebol. Para quem não viu, é imperdível dar uma olhada no vídeo abaixo, com trechos desse jogo.


Lances de Holanda 2x0 Uruguai (Copa 1974)
Foi a estreia da Holanda no mundial e o marco inicial, por assim dizer, do que ficou conhecido como “carrossel holandês”. É impressionante a surpresa com que os uruguaios se depararam com aqueles loucos de laranja. Ninguém parecia guardar posição fixa, todos se movimentavam por todo o campo, todos marcavam e todos defendiam. Uma verdadeira revolução no futebol promovida por Rinus Michels.

Quem assiste, por exemplo, aos jogos do Brasil na Copa de 1970, anterior a essa, quando nossa seleção também encantou o mundo, percebe a radicalidade da mudança promovida pela Holanda de 74. A partir de então, o futebol mudou bastante: os jogadores passaram a ser “multifuncionais”, não guardando posição fixa e ficando responsáveis por defender e por atacar. O preparo físico passou a ter mais importância, já que a movimentação em campo aumentou sobremaneira. Os toques rápidos tomaram lugar dos lances em que o jogador carrega a bola durante bom trecho do campo. É interessante, por exemplo, comparar a movimentação de Gerson e Pelé em 70 com a de Cruiff em 74. Não se trata de talento, mas de uma mudança no padrão de jogar futebol.

Claro, jamais a “laranja mecânica” teria tido o sucesso que teve não fosse repleta de jogadores fora de série. A inteligência tática revolucionária de Michels só logrou êxito porque encontrou o talento de Cruiff, Neskeens, Resenbrink e Rep, dentre outros.

Para o Uruguai, porém, aquele jogo marca o início de uma profunda derrocada. Segundo Paulo Vinícius Coelho, o PVC, a partida entre Holanda e Uruguai em 74 marca a ascensão daquela ao rol dos melhores do mundo e o rebaixamento desta ao segundo plano das seleções mundiais. De fato, o Uruguai parece ter perdido o melhor de seu futebol, passando mesmo a confundir sua tradicional garra com pura e simples violência. Foram anos como um coadjuvante de luxo – um bicampeão decaído – até que no dia de hoje nossos vizinhos tornassem a pleitear uma nova final de Copa do Mundo.

Aos poucos, todas as equipes adaptaram-se, cada uma a sua forma, ao paradigma holandês. Infelizmente, o principal antídoto para conter essa revolução foi a crescente valorização dos sistemas defensivos, das marcações cada vez mais cerradas, em muitos casos, violentas. De lá para cá, nada de profundamente novo aconteceu no futebol. Apenas variações do mesmo. O que, em alguns casos, pode até ser bom. Por exemplo, a seleção brasileira de 1982 não inovou taticamente, mas Telê promoveu um resgate da essência do futebol brasileiro, sua melhor tradição de futebol-arte, com ênfase na ofensividade, no jogar e deixar que o outro jogue, do aproveitamento total da habilidade, da capacidade de drible, enfim, do talento futebolístico que só o brasileiro tem.

O mesmo Michels foi técnico da Holanda novamente nos anos 80, comandando outra safra de grandes jogadores como Marco Van Basten, Ruud Gullit e Frank Rijkaart, campeões da Eurocopa de 1988. Também nos anos 90 outras boas seleções foram montadas pela Holanda, surgindo jogadores como Overmars, Seedorf, Davids, Berkamp, Kluivert e os irmãos De Boer. Todos, sem exceção, excelentes escretes laranjas, mas nada como o “carrossel holandês” de 74. Muito menos a seleção atual, de Robben e Sneidjer, mesmo que se torne campeã mundial no próximo domingo.

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A eficiência é laranja, a garra é celeste



No começo, a partida foi bastante estudada de lado a lado, cada qual das equipes respeitando a outra. No caso da Holanda, todavia, isso é mais que um momento: é seu próprio estilo. O Uruguai, mesmo com os desfalques importantes de Lodeiro, Lugano e Suárez, impôs sua marcação e mostrou que podia ameaçar o adversário. Quanta garra demonstrou a Celeste! A Holanda, por outro lado, com seu toque de bola, passou aos poucos a fazer o que sempre faz: envolver, ditar o ritmo, no mais das vezes cadenciado, do jogo, à espera da melhor oportunidade de ataque. Kuyt pela esquerda e Robben pela direita, eram as melhores opções de infiltração, ainda que Van Persie, como nos demais jogos da Copa, permanecesse apagado. Sneijder, até boa parte da partida, foi bem marcado e não conseguiu organizar as jogadas no meio. Na marcação, Van Bommel foi soberano, desarmando várias jogadas uruguaias. Do lado da Celeste, Cavani esboçou alguma rapidez na frente, mas muito aquém do que vinha fazendo o suspenso Suárez. No entanto, o Uruguai tem um craque: Forlán. Pena que jogue praticamente sozinho.

O jogo foi assim-assim, sem grandes oportunidades, até que Van Bronkhorst resolveu chutar do meio da rua e fez um golaço, sem chances para Muslera. Porém, quando se esperava que o Uruguai se abriria desesperadamente, dando espaço para um chocolate laranja, eis que Forlán responde na mesma moeda: um tirombaço em que a jabulani dançou no ar, escapando das mãos de Stekelenburg: 1x1.

No segundo tempo, a Holanda mostrou a mesma superioridade técnica, os mesmos momentos de sonolência e vacilo, a mesma paciência para vencer na hora certa. Mas também teve sorte e contou com a ajuda da arbitragem. No chute de Sneidjer, Van Persie, em posição irregular, ameaçou ir na bola, que passou por ele e entrou no canto esquerdo de Muslera. Holanda, 2x1. A partir daí, sim, os holandeses realmente dominaram a partida. Robben fez o terceiro, de cabeça, e só não fez o quarto porque titubeou na hora "h". Forlán e Robben foram substituídos e tudo parecia sem volta quando Maxi Pereira marcou o segundo do Uruguai num belo chute da entrada da área. A Holanda, que deixou de matar a partida antes, talvez por achar que já estivesse morta, viu-se em sérios apuros nos momentos finais. Mas não havia tempo para mais nada.

Final: Holanda 3x2. Os holandeses estão em uma final de Copa novamente, depois de 32 anos. Se esse time não tem o brilho revolucionário dos anos 70, ou mesmo a habilidade daquele dos 80 e a rapidez do time dos 90, quiçá seja a Holanda mais eficiente de todos os tempos. Jogando assim, como quem andasse em marcha lenta, com excesso de paciência, o escrete de Van Marwijk não perde há 25 partidas, tendo vencido todas as 6 que disputou nessa Copa. É certo que a Holanda não encantou jogando contra Dinamarca, Camarões, Japão, Eslováquia, Brasil e Uruguai, passado muitos sufocos às vezes. Também é verdade que se vencer a próxima, do mesmo jeitinho, seja contra a Alemanha ou contra a Espanha, terá sido a única de todas as “laranjas mecânicas” a levantar a taça de campeão do mundo.

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Craques inesperados

Quem, nesta Copa, esperava por atuações brilhantes e vitoriosas de Cristiano Ronaldo, Kaká e Messi, para ficarmos nos mais badalados, os últimos ganhadores do título de melhor do mundo, frustrou-se. Porém, quem esperava craques, sem nomes preestabelecidos, pode comemorar. Houve algumas revelações, houve a demonstração de ótimo futebol por jogadores dos quais não se esperava tanto, pelo que mostraram no passado. Müller e Schwanesteiger, ambos da Alemanha, são exemplos de revelação e destaque, respectivamente. Mas, na minha modesta opinião, pode-se dizer que alguns jogadores também revelaram-se craques, cada qual a seu modo. Cito três: Özil (Alemanha), Sneidjer (Holanda) e Forlán (Uruguai). O primeiro, menos conhecido, mostrou que tem um futuro brilhante pela frente. Os outros dois, que têm futebol além dos clubes, liderando equipes bem menos badaladas que as tais “gigantes”.

JFQ

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