terça-feira, 9 de março de 2010

Decidam com Moderação


Não há mais dúvida: os escândalos protagonizados por Adriano não se explicam somente pela contumaz indisciplina do atacante ou pelo seu incontido gosto por baladas, mas, principalmente, por uma doença. Após negativas constantes, o vice-presidente do Flamengo Marcos Braz, a presidente Patrícia Amorim, o empresário do jogador Gilmar Rinaldi e o próprio atacante entregaram: Adriano sofre de alcoolismo. Tanto melhor, já que a aceitação do problema é o primeiro passo para combatê-lo.


Questão derivada: diante disso, Dunga deve ou não levar Adriano para a África do Sul? A questão tem duas vertentes: uma propriamente futebolística e outra, digamos, humana. A futebolística: Adriano, física e psicologicamente debilitado, continuaria sendo a melhor opção para a reserva de Luís Fabiano ou seria melhor chamar outro atacante? A questão humana: a própria reabilitação da pessoa, e não só do jogador, justificaria o risco de sua convocação? Ou não, pela preservação do grupo e para “não repetir os erros de 2006”?

Aliás, o corte de Adriano beneficiaria ou prejudicaria o grupo? Se, por um lado, pode-se aventar a velha necessidade de retirar a “maçã podre” para não contaminar as demais, por outro, há que se considerar o apreço dos demais jogadores por Adriano e a motivação adicional em tentar reerguê-lo como jogador e como pessoa.

Há, ainda, um outro nó a ser desatado por Dunga. Na verdade, um belo paradoxo ético. Sendo a seleção brasileira patrocinada por uma marca de cerveja e o próprio Dunga seu garoto propaganda, até que ponto essas pessoas têm moral para tecer qualquer juízo sobre o comportamento de Adriano, decidindo sobre seu destino? Sim, a decisão sobre a ida ou não do atacante flamenguista à Copa cabe a Dunga, independentemente dos patrocínios da seleção. No entanto, o caso de Adriano é um exemplo que bateu violentamente à porta da seleção: exemplo dos malefícios trazidos pelo álcool, exemplo de que o consumo de bebidas alcoólicas deve ser contido, o que requer, além do pífio alerta “beba com moderação”, restrições à sua publicidade. Especialmente quando relacionada a práticas esportivas e a ícones do futebol como a seleção brasileira e seu técnico.

A decisão sobre o corte de Adriano deve ser feita ponderando-se todas essas questões. E, posteriormente, uma outra decisão deve ser tomada: não obstante os inegáveis ganhos financeiros, vale a pena associar a imagem da seleção brasileira a uma bebida alcoólica?

CBF e Dunga: decidam com moderação!

Adriano: força para sair da dependência! Seja um guerreiro de verdade: deixe de ser “brahmeiro”!

JFQ

Em tempo: Além de Dunga, já vi comerciais da Brahma com Luis Fabiano e Ronaldo. Nunca os vi, porém, com Kaká e com Adriano. Quanto àquele, presumo que seja uma escolha do jogador, uma vez que é evangélico. Quanto a este, por razões óbvias, a restrição deve vir da própria Brahma.

Para quem não viu o comercial com Dunga, eis o link: http://www.youtube.com/watch?v=lMkoljwIMYg


* * *

Sobre a questão do patrocínio da Brahma à seleção brasileira, vale muito a pena ler o artigo de Ruy Castro, publicado na Folha de S.Paulo de ontem, 08/03/2010, transcrito abaixo. A propósito, também vale a pena ler o livro de Castro, “Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha”, biografia de um dos maiores craques da história do futebol brasileiro e mundial, também vítima do alcoolismo. (JFQ)

Guerreiros e zuzus
Ruy Castro


O que é mais “imoral” na TV? A socialite Paris Hilton se esfregando numa garrafa de cerveja ou o treinador da seleção brasileira, Dunga, batendo no peito e se dizendo “brahmeiro”? A meu ver, Dunga. Mas Paris Hilton é que foi censurada.


Você dirá que, no comercial, Dunga não fala brahmeiro, e sim, guerreiro. Mas, passados os tambores, representando a batida no peito, ouve-se o locutor dizendo brahmeiro. A associação é clara: Dunga é guerreiro porque é brahmeiro. É mais claro do que imaginar que Paris Hilton esteja cometendo sexo. Aliás, ela não parece mais devassa do que tantas modelos brasileiras em outros comerciais, inclusive de iogurte.


Não sei se o comercial de Paris Hilton, antes de ser evaporado, era exibido durante o dia. Mas o de Dunga passa a toda hora entre desenhos animados e jogos de futebol, ao alcance de criancinhas mamíferas, garantindo os bebuns de amanhã. De novo as companhias de cerveja impõem a ideia de que cerveja não é bebida alcoólica, embora o próprio Ministério da Saúde acuse que nossos garotos começam a bebê-la cada vez mais cedo e já existam casos frequentes de alcoolismo aos 12 anos.


O Brasil, um dos países mais permissivos do mundo, não se deixaria abalar pela lascívia de uma perua estrangeira, tendo abundante oferta de matéria-prima nacional. Mas a ligeireza com que se tratam questões de saúde pública vive nos apresentando a conta. A escalada do crack, por exemplo, foi prevista há 15 anos e passou em branco por vários ministros da Saúde, alguns dos quais concentrados em sua ideia fixa de perseguir tabagistas.


Quero ver se Dunga continuará tão satisfeito de ser “brahmeiro” se, na Copa, algum jogador se exceder num dia de folga e voltar zuzu para a concentração, batendo no peito e se dizendo “guerreiro”.

Um comentário:

  1. Acredito que a ida do Adriano à Copa (mesmo levando-se em conta o benefício à autoestima de uma pessoa que declarou-se doente e que pretende se tratar) deixará claro, mais uma vez, que a violência contra a mulher continua sendo uma banalidade. Principalmente porque, na maioria dos casos, esse tipo de agressão está diretamente ligado ao consumo de álcool. E pior, que Bruno tinha razão: em briga de marido e mulher não se mete a colher.
    Quanto à associação de esportitas à bebida alcoólica logo se vê que o dinheiro compra tudo. Ou você acha que o Dunga (como bom brahmeiro) deixará de convocar o Adriano por conta da sua dependência alcoólica?

    ResponderExcluir