domingo, 14 de março de 2010

Bandeiras em Luto


“Quando você morrer, quer que coloquem a bandeira do Corinthians sobre seu caixão?”, foi a pergunta da minha mulher. Engraçada essa, digamos, tradição brasileira. Desconheço se há algo parecido em outros países, mas, no Brasil, é bastante comum. No Brasil, aliás, o sujeito é identificado pelo nome, sobrenome, números de RG e CPF, profissão, estado civil, nacionalidade, naturalidade, residência, domicílio e o time do coração. Além disso, torcer para algum time, aqui, constitui uma peculiar estratificação social: sou da classe tal, tenho renda X, escolaridade Y e torço para o time W.

Minha mulher, vale dizer, me fez a pergunta influenciada pela triste imagem dos caixões do cartunista Glauco e de seu filho Raoni, cobertos, respectivamente, com as bandeiras do Corinthians e do São Paulo, além das bandeiras alusivas ao Santo Daime.

Glauco e Raoni foram mais duas vítimas da violência que assola nossa sociedade, diretamente relacionada ao consumo de drogas. Mutatis mutandis, a tragédia pertence ao mesmo rol de fatos violentos que tantas vezes observamos entre torcidas de futebol, não raro, produzindo vítimas fatais. Recentemente, uma briga entre as torcidas do São Paulo e do Palmeiras e outra, entre torcedores do Flamengo e do Vasco, fizeram aumentar ainda mais a lista infindável de vítimas dessa violência bestial e desenfreada.

Até quando essa barbárie vicejará no país? Até quando cobriremos caixões de pessoas assassinadas com bandeiras de seus times, em vez de as ter em mãos, vivos e sorridentes, tremulando-as por conta do resultado obtido em campo ou simplesmente para mostrar aos outros, sem romper a harmonia, o orgulho pelas cores do clube?

As bandeiras de dois times rivais sobre os caixões de pai e filho demonstram a possível convivência entre seres humanos com paixões distintas, mas compromissados com o amor mútuo, com o respeito ao outro, com uma bandeira maior que todas: a bandeira da paz.

Ao grande artista Glauco, o adeus deste que aprecia a sua arte desde a infância. Se compararmos os quadrinhos ao futebol, Glauco era, com certeza, um expoente do mais genuíno futebol-arte. Pena. Foi-se um craque.

JFQ

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