segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Crepúsculo de Jogo



Marcos, Cafu , Gamarra, Baresi e Roberto Carlos, Falcão, Zico, Zidane e Maradona, Romário e Ronaldo. Na reserva: Rogério Ceni, Leandro, Lúcio, Maldini e Junior, Matthaus, Platini, Sócrates e Ronaldinho Gaúcho, Klinsmann e Van Basten. Se coubessem, estariam também Schumacher, Gullit e Careca. Às vezes me lembro de outros, sou forçado a mudar o time. Melhor não pensar.

Eis o que considero a escalação com os melhores jogadores que vi jogar, ponderadas as posições. O princípio dessa memória data do final dos anos 1970, começo dos 80. O time titular joga num 4-4-2 meio manco, assumidamente frágil na marcação: recuso-me a escalar volantes faltosos e zagueiros brucutus. Afinal, eu sou o técnico do meu time de todos os tempos – o meu tempo –, ninguém tasca. Terão que me engolir!

Como bom aspirante a boleiro, apaixonado por futebol desde que me entendo por gente, gosto da brincar de técnico, escalando times disso e daquilo. Gosto de selecionar os melhores. Noto vieses, alguns, inconscientes, outros, nem tanto. Por exemplo: na minha seleção predominam brasileiros. Também, pudera: além de ser a minha nacionalidade, somos realmente os melhores, ora bolas. Neste caso, ninguém faz mais milagre que o santo de casa.

Acompanhei e acompanho a trajetória de cada um dos ídolos que escalo nos “meus” times. Alguns, continuo a acompanhar, já que não pararam: Marcos, Ceni, Roberto Carlos. Hoje, um deles chega ao fim da carreira. Ou, como diria Fiori Giglioti, chega ao crepúsculo de jogo, torcida brasileira.


Apesar de saber que a aposentadoria viria neste ano, apesar de perceber que o desempenho atual está longe daquele dos áureos tempos, o desolamento pela notícia é inevitável. O sentimento que surge é um misto de nostalgia e de melancolia. De saudades do futebol brilhante, da fantástica capacidade em marcar gols, da determinação em superar graves lesões e críticas. De alegria pelas boas lembranças vestindo camisas que me são tão caras: da seleção brasileira e do Corinthians. Que maravilha rever os gols em Oliver Kahn! Ou aquele golaço contra o Santos, encobrindo Fábio Costa! Para não falar daquele do alambrado, de cabeça – o ponto fraco do Fenômeno –, contra o Palmeiras, no último minuto! Que delícia!

Infelizmente, também há tristeza, vergonha e revolta pela antecipação do fim motivar-se, em parte, pela violência das “organizadas” que dizem representar a torcida da qual faço parte.

Eis Ronaldo: Três vezes escolhido o melhor jogador do mundo. Campeão de duas Copas e maior artilheiro de todas elas. O segundo maior artilheiro da seleção brasileira, atrás de Pelé (ou o primeiro, já que, como diria Pepe, Pelé não conta...)*. Bi-campeão da Copa América, campeão da Copa das Confederações. Flamenguista de coração, desfilou sua genialidade no São Cristóvão, no Cruzeiro, no PSV Eidhoven, nos rivais espanhóis Barcelona e Real Madrid, nos rivais italianos Internazionale e Milan, e – bendito seja – no Timão. Conquistou títulos em quase todos.

De uns tempos para cá, passou a travar uma luta ingrata contra a balança. Acostumou-se a ser chamado de gordo por todos. Do mais singelo cidadão até o presidente da República. De forma ofensiva ou carinhosamente. O fato é que o peso o incomodava, não obstante tenha levado a pecha, por vezes, em tom de brincadeira.


E como sofreu com as contusões. Os joelhos, principalmente o direito, fizeram com que se distanciasse dos gramados por muito tempo. Em 1996, inflamação nos dois joelhos e calcificação no direito: dois meses sem jogar. Em 1999, rompimento parcial do tendão patelar do joelho direito: quatro meses parado. Em 2000, rompimento total do tendão patelar do joelho direito: quinze meses de gancho e a sentença proferida por muitos boleiros afoitos de que jamais voltaria aos gramados. Não só voltou, pelas mãos de um sábio Felipão, como foi fundamental para a conquista do penta. Depois disso, ainda sofreu rompimento total do tendão patelar do joelho esquerdo – para variar –, ausentando-se dos campos por mais treze meses. Além dessas, sofreu outras contusões menores. Voltou sempre.

Foi até o limite, até não dar mais. Até se convencer de que o corpo não mais executava a jogada genial que a mente antecipava. Até o fatídico dia de hoje, quando, como diria Falcão, morre pela primeira vez. Ou, como ensina o filósofo da bola Sócrates Brasileiro, cede à realidade de que, mesmo não abandonando o futebol, o futebol o abandonou.

Salve, Ronaldo Nazário de Lima, um dos maiores atacantes da história do futebol. Surgido Ronaldo, tornou-se Ronaldinho na Copa de 94 para se diferenciar do xará zagueiro, que virou Ronaldão. Adiante, voltou a ser Ronaldo para se diferenciar do outro Ronaldinho, o Gaúcho. Seja lá o nome que se lhe dê, basta o apelido, justo: Fenômeno.

Não verei mais Ronaldo nos campos. Não torcerei mais por ele pela televisão ou nas arquibancadas do Pacaembu. Meu consolo é que, independentemente da aposentadoria, continuarei a convocá-lo para a seleção dos melhores que vi jogar.

JFQ

* Dependendo da fonte, Ronaldo aparece como o segundo ou o terceiro maior artilheiro da seleção brasileira, atrás de Zico. Dependendo da fonte, é considerada apenas a seleção principal ou também as seleções de base.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Em busca do título, pertinho de Londres



A seleção brasileira sub-20 decide hoje, contra o Uruguai, a vaga para as Olimpíadas de Londres e o título do Sul-Americano.

Após a apreensão gerada pela derrota contra a Argentina, no domingo, duas boas notícias vieram de Arequipa, no Peru, na quarta: o Uruguai venceu a Argentina por 1x0 e o Brasil, o Equador, pelo mesmo placar. Com essa combinação, a celeste uruguaia garantiu sua vaga para as Olimpíadas de Londres e o Brasil está com uma mão e quatro dedos da outra na vaga restante. Se os hermanos argentinos ainda pretendem buscar o tri olímpico, precisam vencer a Colômbia, torcerem para uma vitória do Uruguai sobre o Brasil e, o mais difícil, reverterem um saldo de 6 gols favorável à seleção brasileira. Haja caixinha de surpresas!

Após cumprir suspensão, o Brasil contará com o retorno de Neymar. Paradoxalmente, apesar da ausência do craque do time, o escrete de Ney Franco fez uma grande partida contra o Equador. Às vezes, a falta da principal referência faz com que o restante do time se apresente mais, que o conjunto se sobreponha à atuação sempre dependente da busca pelo craque. Assim foi. Oscar, Casemiro e Lucas fizeram uma partida brilhante. Lucas, aliás, talvez tenha mostrado o seu melhor futebol neste Sul-Americano: tabelou, enfileirou adversários, chegou à frente com perigo. Mostrou, enfim, o grande potencial que tem.

O time canarinho movimentou-se com rapidez, com muitos toques e chegadas com perigo. A marcação antecipada dificultou muito a saída do Equador. Nossa defesa mostra problemas: entradas fáceis dos adversários. Por outro lado, há que se ressaltar o empenho da da zaga reserva – tornada titular pelas circunstâncias: contusão de Bruno Uvini e suspensão de Juan –, formada por Saimon e Romário.

Que venham os uruguaios. Com eles, a vaga para Londres e, quiçá, mais um caneco para o Brasil.

JFQ

Um fantasma à solta


Depois de Luis Ramirez, no jogo Tolima 2x0 Corinthians, pela pré-Libertadores, e de Juan, no jogo Brasil 0x1 Argentina, pelo Sul-Americano sub-20, agora foi a vez de Hernanes confirmar, no Stade de France, que um fantasma ronda o futebol brasileiro: o fantasma de Felipe Melo. Se bem que o lance protagonizado pelo ex-são paulino foi mais parecido com a entrada de De Jong, da Holanda, na final da Copa 2010 (detalhe: o holandês não foi expulso naquela oportunidade). Ou, quem sabe, Hernanes tenha se inspirado na última luta de Anderson Silva...

O fato é que a saída prematura de Hermanes e o jogador a menos pesaram decisivamento no jogo da seleção brasileira, que praticamente passou o restante da partida defendendo-se das investidas francesas. Por si só, a expulsão não explica a vitória da França, que jogou muito bem e poderia ter feito mais gols, não fosse a atuação primorosa de Júlio César. Aliás, o goleirão da Internazionale não precisa mais provar que é, disparado, o melhor goleiro do Brasil, restando aos demais jogadores da posição brigarem pela primeira vaga no banco de reservas.

A França conseguiu imprimir seu ritmo ao jogo, com toques rápidos, envolventes, e chegadas constantes à frente. Menéz e Malouda, sempre procurando os lados do campo, e o perigosíssimo Benzema foram os destaques franceses. Em pouco tempo, o técnico Laurent Blanc mostra resultados promissores sob o comando dos Bleus, invertendo a aura de fundo do poço deixada pelo arrogante Raymond Domeneche. Há que se lembrar ainda que nem Nasri, do Arsenal, nem Ribery, do Bayern de Munique, participaram da partida de ontem. Ou seja, pode-se vislumbrar daqui para frente uma França muito mais poderosa do que o lamentável escrete que circulou por campos da África do Sul em 2010.

Quanto ao Brasil, além de Júlio César, destaque para Daniel Alves, David Luiz e, apesar do pouco tempo em campo, Jadson, bastante rápido e capaz de boas assistências para os atacantes na entrada da área. Merece ser convocado novamente.

Apesar da derrota, confesso que estou otimista em relação à seleção brasileira. Da mesma forma que no jogo contra a Argentina, contra a França, nossa seleção não pode ser avaliada tão-somente pelo resultado negativo. Inclusive para que não se faça o mesmo juízo das equipes comandadas por Parreira e Dunga, vitoriosíssimas antes das Copas, mas que culminaram nos vexames de 2006 e 2010.

Nas cinco partidas disputadas até agora, Mano Menezes tentou consolidar um padrão de jogo, mas sofre com a ausência dos principais jogadores. Três deles – Kaká, Ganso e Neymar – tendem a se firmar como titulares absolutos ao longo do tempo. Do meio para trás, Mano está consolidando uma boa formação com jogadores de nome duplo: Júlio César, Thiago Silva, David Luiz, Daniel Alves e André Santos. Os dois zagueiros são jovens e excelentes – confesso que não conhecia e hoje sou fã de David Luiz –, podendo a seleção, quem sabem, contar com o infindável Lúcio no futuro. Quem sabe, em uma linha de três zagueiros, nada ao gosto dos brasileiros, mas que deu muito certo no penta em 2002. De qualquer forma, é uma opção.

Já os laterais caracterizam-se pela rapidez e pela facilidade no apoio, mais do que pela capacidade de marcação. Como Dani Alves – em ótima fase – e André Santos – com menos nome, mas com a confiança do técnico – apóiam muito, a tendência é que Mano procure uma dupla de volantes fortes na marcação, para cobrirem as subidas dos lateriais. Lucas parece titularíssimo; quem será o outro? Elias vem sendo testado, Hernanes, apesar da técnica apurada e da boa fase na Lazio, não caiu nas graças de Mano (ainda mais depois da expulsão contra a França), Sandro vem sendo convocado, mas pouco testado. Em suma, algum volante de contenção deve fazer dupla com Lucas, o que tira pontos de Ramirez, bastante leve.

O grande problema da seleção está no meio – ausência de um cérebro, um articulador que pense e distribua o jogo – e na frente – ausência de um matador. No caso do meio, Paulo Henrique Ganso tem tudo para cumprir a função, apesar de sua recuperação ser ainda uma incógnita. Na frente, já foram testados Alexandre Pato, Hulk, André, Diego Tardelli; nenhum convenceu. O certo é que Neymar deve ser o segundo atacante.

Uma solução, digamos, heterodoxa, seria um esquema sem centroavantes, à moda Barcelona. Kaká, Robinho e Neymar fariam as vezes de atacantes chegando de trás. O fato é que o Brasil de hoje não tem mais um atacante que amedronte a zaga adversária. Em outras palavras, não tem mais um Romário ou um Ronaldo.

No entanto, a grande ameaça para a seleção, ao meu ver, é o entendimento de Mano Menezes de que a seleçao precise de um salvador da pátria, alguém que seja responsável por resolver sozinho as partidas. Os nomes prováveis seriam Kaká, Robinho e Ronaldinho Gaúcho, na minha modesta opinião, incapazes de postularem atualmente a condição do Messi ou do Cristiano Ronaldo da seleção brasileira. Aliás, não creio que o Brasil precise disso. Talvez nem Pelé tenha desempenhado esse papel, sendo um jogador excepcional entre outros craques. O problema é que já não temos tantos craques como em 70 ou em 82.

JFQ

Antes tarde do que nunca


Paulistão 2011
Corinthians 4x0 Ituano

Ironia das ironias: o Corinthians pós-trauma da pré-Libertadores oferece boas razões para que a Fiel tenha esperanças. Após o desastre contra o Tolima, foram duas vitórias: uma contra o arquirrival Palmeiras, outra contra o fraco Ituano, mas com goleada e bela atuação de Liedson e Morais.

Sem ofender Ronaldo – de quem sou fã incondicional –, mas, apesar da fragilidade do Ituano, Liedson passou a impressão de que o Corinthians voltou a jogar com onze jogadores.

Também Morais, mesmo jogando pouco tempo nas últimas duas partidas, voltou a apresentar sua melhor forma: a dos tempos de Vasco.

Fica clara a tendência de desmanche no Parque São Jorge, de fim de um ciclo e começo de outro. Bruno César está, no mínimo, “de castigo”. O que é um risco para o Corinthians, já que se trata de um ótimo jogador. Bruno César não pode ficar de fora, mesmo tendo Morais em boa forma, além de Danilo e Ramirez. É uma incógnita, de qualquer forma, seu destino na equipe. Ou fora dela.

Roberto Carlos despediu-se melancolicamente, sob o pretexto de preservar sua segurança e de sua família, ameaçadas após a eliminação. Acredite quem quiser.

E Ronaldo? Bem, Ronaldo espera um novo bom momento para se aposentar. Ou - há quem aposte - transferir-se para o Flamengo.

JFQ

Correndo atrás



Libertadores 2011
Fluminense 2x2 Argentinos Juniors


O espírito da Libertadores – muita garra e pressão quando se joga em casa, muito sangue frio e doses cavalares de catimba quando se joga fora – é uma espécie de veneno-remédio aos times brasileiros. Especialmente quando o adversário é argentino, tarimbadíssimo em cultivar tal espírito.

Pode-se dizer que o Fluminense de Muricy Ramalho – cuja carreira de treinador o coloca como especialista em pontos corridos, mas frágil em torneios mata-mata – foi vítima do remédio que procurou dosar a si próprio. Foi vítima do tal espírito de Libertadores.

Doutor Sócrates – sempre recorro a ele – é enfático na tese de que o futebol, acima de tudo, é um jogo psicológico, além da técnica e da tática. Creio que a Libertadores seja o campeonato em que esse âmbito do jogo seja ainda mais forte. Principalmente se tomarmos equipes nada brilhantes técnica e taticamente que conquistaram o título nos últimos tempos, como LDU e Once Caldas. Em suma, para ser campeão da Libertadores não é indispensável uma equipe brilhante, mas, sim, o tal espírito de Libertadores. O que, por exemplo, o Boca Juniors tinha de sobra e o Corinthians sempre confundiu com obsessão.

Voltando ao Flu, ao tricolor das Laranjeiras não faltou garra, pressão, enfim, o tal espírito, na partida contra o Argentino Juniors. Em contrapartida, o adversário esbanjou catimba e capacidade de conter o ímpeto adversário. Além de se aproveitar muito bem das falhas do Fluminense, haja vista os dois gols de cabeça do baixinho Niell, de 1,62m. Do lado do Flu, Rafael Moura demonstra que está em grande fase, não pelo futebol brilhante – o que nunca teve –, mas pelo oportunismo em colocar a bola para dentro do gol. Aliás, característica igual a do aposentado Washington, de quem Moura herdeu o lugar.

JFQ

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Futebol Cordial

Daniel Piza


A opinião no futebol, talvez mais que em outros assuntos, é presa demais às circunstâncias e impressões. Não é que as pessoas mudem de opinião sobre um jogo ou jogador em respeito aos fatos; é que trocam radicalmente de palpite com base em eventos pontuais, que tratam logo de explicar com generalizações fáceis, ou então o veem confirmado como se fosse uma profecia. Uma partida é uma narrativa cujo desfecho não pode ser atribuído a um só fator, mas todos – comentaristas e torcedores – insistem em lê-la assim. E, como em quase toda interpretação passional, o que se segue são as acusações, o falso moralismo dessa gente que aparece na TV com o dedo em riste.

A semana foi pródiga em exemplos. Veja o caso de Rivaldo, no São Paulo. Em sua estreia, deu chapéu e fez um belo gol ao driblar o zagueiro com um toque de coxa. Até então pouco destacada pela imprensa, em comparação com a de Ronaldinho no Flamengo, a estreia foi exaltada no dia seguinte. Como ele está magro e tem muita técnica, já foi tido como a solução para o São Paulo e, ainda, seu desempenho seria a redenção de um jogador que nunca teria recebido o merecido destaque porque é tímido e não marqueteiro. “Esse sim é um fenômeno”, soltaram. No jogo seguinte, ele não fez quase nada, o time perdeu e ele saiu vaiado. Esperavam que fizesse um golaço por jogo?

Com Ronaldinho, não foi muito diferente. Sua estreia, também contra um time fraco, foi apenas mediana, para quem – ao contrário de Rivaldo – vinha atuando com frequência num campeonato acirrado como o italiano. Mas ele deu alguns passes com aquele jeito vistoso e, na partida seguinte, marcou um gol, embora de pênalti. Bastou para que o oba-oba se reanimasse. Observadores mais distantes, no entanto, veem que apesar de ter apenas 30 anos Ronaldinho está muito longe do seu auge, talvez nem a 50% dele. Mesmo assim, os torcedores acham que em breve ele estará dando títulos e shows de novo; afinal, se aparece sempre sorridente, deve ser porque está “motivado”. Caso nada disso aconteça, pode anotar que a culpa será das baladas noturnas.

Ronaldo, que começou o ano mal, sem fazer gols, apanhou de todos os lados depois da derrota para o Tolima. Ninguém jogou bem, mas o “gordo” paga o preço porque é o maior nome e salário do time. Mais justo seria criticar primeiro a diretoria, que não achou ninguém para dividir com ele a responsabilidade dos gols – como agora Liédson, que chegou tarde – e ninguém à altura de Elias e William, que vinham sendo tão importantes. Quanto à aposentadoria, por que insistem tanto nela se já tem data marcada? Ronaldo tem todo o direito de ficar até o final do ano, tanto quanto qualquer outro jogador desse elenco, e sabe que tem de melhorar a mobilidade. Já a vitória sobre o Palmeiras foi tida como prova de um novo “brio” e “coração”, como se o rival não tivesse criado muito mais perigo.

Mas é assim que os brasileiros tratam os ídolos: ou eles jogam tudo ou não são nada. E não só os veteranos, como temos visto na seleção sub-20. Neymar já é tratado como astro: na vitória, parece que jogou sozinho; na derrota, é sempre o principal culpado. Ele é esquentado e tem muito a melhorar também na técnica, mas a geração não é das mais animadoras e, se existe alguém que pode vir a fazer história no futebol, esse alguém é ele. Deve, porém, ouvir os conselhos certos e não cair na gangorra emocional em que a mídia vive, endeusando às quartas e demonizando aos domingos.

Tudo isso lembra o “homem cordial” de Sergio Buarque de Holanda. Cordial quer dizer que vem do coração, da paixão, dos afetos, sem passar pelo filtro da razão, do método, dos motivos impessoais. Por isso o torcedor está sempre pronto ou à exaltação ou à agressão, quase nunca ao exame criterioso dos fatos. Os times brasileiros, por exemplo, nunca perdem para um adversário, seja ele o Tolima seja a Argentina; perdem apenas para si mesmos e a culpa é sempre do craque, a quem “faltou coração”… Eu queria que pelo menos a uma minoria não faltasse cabeça.

* Publicado no Estado de S.Paulo, em 09/02/2011.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Clássico é clássico

Clássico é clássico. Ou seja, não importa se um dos times está numa conjuntura favorável e o outro em pleno inferno astral: em um clássico, qualquer resultado é possível. Ontem, o princípio valeu até para o rubgy e o futebol americano. No rugby, o Brasil, pela primeira vez na história, venceu a Argentina (vão precisar refazer aquela propaganda que exalta o crescimento do esporte no nosso país, mencionando o feito histórico). No Super Bowl, o principal jogo daquele rugby de capacetes que os norte-americanos chamam de futebol, o franco-favorito Pittsburgh Steelers viu a zebra Green Bay Packers, que quase não se classificou para os playoffs finais, levantar a 45ª taça.


Voltando ao futebol de verdade, jogado com os pés, Palmeiras x Corinthians, pelo Paulistão, Botafogo x Fluminense, pelo Carioca, e Brasil x Argentina, pelo Sul-Americano Sub-20, reforçaram o princípio.

***

São Júlio César

Em tarde inspiradíssima do goleiro corinthiano Júlio César, o Timão frustrou as expectativas – de alguns corinthianos, inclusive – de que passaria por mais um vexame após a derrota para o Tolima, o que seria a pá de cal sobre Tite, Ronaldo, Andrés Sanchez e companhia. Mas, apesar de ter maior volume de jogo, mais posse de bola e, sobretudo, mais chances reais de gol, o Palmeiras, líder do Paulistão, se viu derrotado pelo arquirrival em uma das duas únicas subidas perigosas do Corinthians. Além do gol de Alessandro, o Timão só ameaçou a meta alviverde em um chute à queima-roupa de Jucilei, defendido por “são” Marcos.

No entanto, quem andou fazendo milagres foi mesmo Júlio César. O goleiro corinthiano fez nove defesas, sendo quatro bastante difíceis. O que mostra a evolução desse jovem talento do Parque São Jorge. Como se não bastasse, Júlio César também contou com aquilo que nove entre dez comentaristas mencionam como pré-requisito de todo bom goleiro: sorte. Em dois lances, o gol palmeirense só não saiu por conta do rodrigueano Sobrenatural de Almeida. No primeiro, após rebatida do goleiro corinthiano, o zagueiro Maurício Ramos, frente a frente com o gol livre, chutou para fora. No segundo, um lance inacreditável, já nos estertores da peleja, em que, após outra rebatida, a bola foi cabeceada na trave por Patrick, bateu nas costas de Chicão e foi agarrada por “são” Júlio César em cima da linha.

Apesar da superioridade palmeirense, como futebol é bola na rede, comemorou o Timão, que soube se defender e marcar o tento da vitória.

No Palmeiras, destaque para Adriano, que deu grande movimentação ao time logo que entrou no lugar de Tinga. Destaque também para a “ausência” de Cicinho, apagadíssimo em campo, e para a evidente necessidade de um companheiro de ataque para Kleber. Que venha Valdívia.

No Corinthians, além de Júlio César, destaque para Ralf, sempre eficiente na marcação, para a renascida determinação de Jucilei e para a evidente incapacidade de Edno em cumprir a função de um atacante realmente perigoso. Que venha Liedson.

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Loco é quem me diz...


Na partida entre Botafogo e Fluminense aconteceu de tudo. Pênaltis polêmicos, pênalti com cavadinha (dois), pênalti marcado, pênalti perdido, expulsões, substituições criticadas, cinco gols e até convite para churrasco. Isso mesmo. Perguntado após o jogo sobre entrevero com Fred, o botafoguense “Loco” Abreu, disse que o atacante tricolor se enervara por sua recusa em ir a um churrasco que faria logo mais.

Como se não bastasse, para comprovar que o apelido vem bem a calhar, Abreu cobrou dois pênaltis – um polêmico, outro inexistente – com a tradicional cavadinha. No primeiro, Diego Cavallieri pegou facilmente; no segundo, converteu.

O grande destaque em campo foi Renato Cajá, que marcou gol, deu assistência para outro de Herrera, além de chutes sempre perigosos de fora da área.

O Fluminense, então líder do grupo e favorito, também viu sua superioridade em tese cair na real. Em que pese o chororô contra a arbitragem (neste caso, chororô com razão de ser, partido do pessoal das Laranjeiras), o Botafogo faturou três gols, três pontos e a chance de escapar do Flamengo nas semifinais da Taça Guanabara.

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Complexo de Felipe Melo

Também o Brasil foi vítima da maldição dos favoritos nos clássicos deste domingo. Acima de tudo, foi vítima de si mesmo, de seu nervosismo. Enfrentando uma Argentina que, pelo retrospecto no torneio sul-americano, assusta muito menos que outros escretes hermanos do passado, o Brasil deixou-se levar pela ansiedade e, talvez, pela pressa em resolver sua classificação para o Mundial da Colômbia e para as Olimpíadas de Londres.

Logo no início, nossa seleção perdeu o zagueiro e capitão Bruno Uvini, contundido. Com a zaga enfraquecida, sofreu com as investidas do bom atacante argentino Funes Mori. Logo aos 7 minutos, Mori disputou uma bola com o zagueiro Juan que, num ímpeto de Felipe Melo, aplicou-lhe um sopapo dentro da área. Resultado: pênalti para a Argentina e Juan expulso. O mesmo Funes Mori bateu e converteu a cobrança. Ney Franco foi obrigado a sacrificar o atacante Oscar para repor a zaga.

Mesmo jogando com a zaga reserva (Romário e Saimon) e com um a menos, o Brasil era mais perigoso. Neymar passou a se movimentar por todo o campo – e, da mesma forma, foi duramente caçado pelos marcadores argentinos. Lucas também participou mais da articulação de jogadas. Aos 10 do segundo tempo, em um chute de fora da área, William marcou um golaço.

Com o empate, o Brasil deu mais espaços à Argentina, que contra-atacou pouco quando esteve em vantagem no placar. A Argentina chegou ao segundo gol em uma bobeira da defesa brasileira, que assistiu Iturbe entrar costurando até ficar na cara de Gabriel. Resultado: 2 a 1, Argentina.

Daí para frente o Brasil foi nervosismo puro. E ineficiência para chegar ao gol argentino. Para piorar, Neymar, irritado com as constantes faltas sofridas, tomou cartão amarelo por reclamação e está fora da próxima partida.

Em suma, o Brasil está agora em segundo lugar – o que basta para ir às Olimpíadas –, restando duas partidas para acabar o Sul-Americano. Porém, no próximo confronto, contra o Equador, a equipe não contará com Bruno Uvini, Juan e Neymar. Se não vencer, o Brasil pode ver muito longe uma vaga que já dava como certa.

JFQ

Luto


William Moraes, 20 anos, atacante do Corinthians, emprestado ao América Mineiro, foi assassinado, ontem, em Belo Horizonte. O jogador, que participou de algumas partidas pelo Corinthians no campeonato brasileiro do ano passado, foi morto ao reagir a um assalto.

Confesso que fiquei bastante chocado com o fato. Pela brutalidade em si, por conta da pouca idade de William, por considerá-lo uma revelação com potencial verdadeiro para uma carreira brilhante. No ano passado, tive a oportunidade de ver William Moraes em campo, e constatei in loco sua boa mobilidade aliada à afoiteza natural de um garoto tendo que mostrar serviço ao técnico e à torcida.


A morte de William Moraes me fez lembrar a de outra jovem promessa corinthiana, cuja vida foi ceifada aos 19 anos. Seu nome era Sérgio Gil, um jogador muito rápido, habilidoso e inteligente. Um grande talento, sem dúvida, morto em um acidente de carro, em 1989.

E como não lembrar a prematura partida do genial Dener...

JFQ

Talvez

Fábio Seixas


Há exatos cinco meses, em 6 de setembro, o secretário-geral da Fifa chegava ao Brasil para decidir sobre a inclusão do Itaquerão na Copa de 2014.

Caso tenha ligado a TV do hotel, Jerôme Valcke viu imagens do acontecimento esportivo da véspera: o adeus do Maracanã, num Flamengo x Santos com 43.350 torcedores.

Saiam os jogadores para entrar os operários, quase dá para ouvir o "Suderj informa".

O francês decidiu. Provavelmente viu. Falou, falou, falou, como sempre. Embarcou para o aconchego do escritório nas colinas de Zurique. De lá para cá, não regressou ao país.

E caso retornasse hoje, para curtir um dia mais ensolarado do que aquela segunda-feira chocha de inverno, ficaria surpreso. Pelo que não foi feito.

Pelos cinco meses perdidos.

Pela confusão armada, muito maior agora -até porque o prazo é mais escasso.

Em Itaquera, tudo o que fizeram foi limpar o terreno.

Nunca houve o anúncio da parceria que pagará (será?) os 12 mil lugares a mais exigidos para a partida de abertura.

O Corinthians tampouco fechou acordo de "naming rights". E, convenhamos, além de essa tendência não ter pegado por aqui, que empresa acreditará que o torcedor abraçaria sua marca em vez de "Itaquerão"? Ou "Fielzão"?

Na sexta-feira, esta Folha revelou que o projeto é o recordista de ressalvas em relatório da Fifa e do Comitê Organizador Local sobre a situação dos estádios para o Mundial: 109.

O Morumbi, descartado porque o presidente da CBF não se entende com o presidente do São Paulo, recebeu 30 críticas na primeira avaliação...

No Maracanã, o cenário só é um pouco melhor porque já há, de fato, operários trabalhando. Parte das arquibancadas foi ao chão. Mas o Ministério Público Federal investiga suspeitas de irregularidades na licitação, além de problemas na elaboração do projeto.

Tem mais: problemas estruturais na cobertura do estádio não detectados antes do processo licitatório, vejam que graça, podem encarecer a obra em mais R$ 275 milhões.

Mas talvez a premissa do quarto parágrafo esteja errada. Talvez Valcke não se surpreenda. Talvez o francês e seus colegas de Fifa estivessem esperando por isso.

Talvez não seja coincidência terem dado uma Copa para o Brasil após os problemas nas obras da África do Sul, com direito a torneira aberta dos cofres do governo para saná-los.

Talvez as belezas do Rio não tenham sido o grande argumento para que o COI trouxesse a Olimpíada para cá. Talvez a boa vontade governamental e a experiência do derramamento de dinheiro público na preparação para o Pan-Americano de 2007 não tenham passado despercebidas pelos cartolas europeus. Talvez, para eles, quanto pior, melhor.

Por ora, são só talvez...

* Publicado na Folha de S.Paulo, em 06/02/2011.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O redivivo “faz-me rir”



Libertadores 2011
Tolima 2x0 Corinthians


Na época em que ficou mais de duas décadas sem ganhar um título, o Corinthians ganhou dos adversários a alcunha de “faz-me rir”. Depois do vexame de ontem, quando foi eliminado da Libertadores antes mesmo de chegar à fase de grupos, o “faz-me rir” parece ter renascido das cinzas e incorporado a equipe alvinegra em campos colombianos. A eliminação – conseguida com todos os “méritos”, diga-se de passagem – é um dos maiores vexames dos últimos tempos no Parque São Jorge. Diria que só não é maior que o rebaixamento, em 2007. A propósito, penso que a lamentável partida de ontem encerra um ciclo que denomino “fase gaúcha do Timão”, iniciada com Mano Menezes e continuada – bem ou mal... mais mal do que bem – por Adilson Batista e Tite. Além dos técnicos – Tite não deve permanecer –, boa parte do elenco deve se desfazer e, por conseguinte, um certo padrão de jogo até agora estabelecido.

Na partida de ontem, o Corinthians jogou melhor do que na primeira, no Pacaembu. O que não quer dizer muita coisa, já que a partida do Pacaembu foi simplesmente horrorosa. Mesmo “melhor”, o time tomou sufoco no primeiro tempo, por pouco não levou um gol com menos de dois minutos, e conseguiu iniciar uma investida pelo comando da partida somente no final da etapa inicial. No segundo tempo, o Corinthians começou bem, impondo-se, criando chances de conclusão, até que tomou o primeiro gol em mais uma “linha burra” mal feita por sua zaga. Aliás, seria injustiça se em 180 minutos (no Pacaembu o recurso também foi exaustivamente utilizado) o time não tomasse um gol por falha na tentativa de deixar o adversário impedido. Eis uma das principais falhas da equipe atual: com a saída de William, Leandro Castan, que não é mau jogador, não tem o entrosamento necessário com Chicão para executar a “linha burra” com mínima segurança. Some-se a isso que os laterais – que também participam da linha – também estão fora da melhor forma: Alessandro está lento; Fábio Santos, que substituiu Roberto Carlos, mais desentrosado ainda que Castan.

Após o gol de Santoya, aos 21 do segundo tempo, Tite colocou Danilo e Ramirez nos lugares de Dentinho e Paulinho. A tentativa de colocar um jogador “cerebral” para coordenar jogadas no meio (Danilo) e outro para carregar e tabelar na entrada da área (Ramirez) foi frustrada pela súbita expulsão do peruano no seu primeiro lance. Com um jogador a mais, o time colombiano, que já tinha boa presença no meio-campo e lançava bem seus atacantes nas costas dos laterais, passou a deitar e rolar.

Abre parênteses. Não se deve atribuir a “Cochito” Ramirez a pecha de “Felipe Melo do Timão”. O peruano fez uma grande bobagem – bastante parecida com a reação de Leonardo na Copa de 94, com menos violência –, um ímpeto gerado pelo nervosismo do momento. É certo que prejudicou a equipe, mas não foi o responsável, assim como o péssimo gramado do estádio de Ibagué, pelo fiasco corinthiano. Fecha parênteses.

Aí veio, na minha modesta opinião, a maior falha de Tite: na tentativa colocar um jogador que incomodasse a defesa adversária, considerando as poucas opções no elenco, tirou Fábio Santos e colocou Edno. Resultado: Edno não produziu nada (que novidade!) e o Corinthians tomou o segundo gol, feito por Medina, aos 33 da etapa complementar, em jogada construída pelo lado esquerdo. Uma perguntinha aos corinthianos: você se lembra de alguma partida em que Edno entrou e “resolveu”? Pergunta complementar: Bruno César, por pior que esteja, não foi uma das revelações do campeonato paulista (no Santo André) e do brasileiro em 2010 e já não resolveu alguns jogos pelo Timão? Portanto, o que explica que Tite não o tenha colocado em um jogo de tamanha importância como o de ontem, preferindo Edno? Hipótese: a recorrência de Bruno César em chutar de fora da área – o que faz muito bem e fez muita falta nas duas partidas –, incomodou Ronaldo que, veladamente, o chamou de fominha pela imprensa; logo, Ronaldo praticamente induziu Tite a tirar o meia e montar um time “Ronaldo-dependente”. De qualquer forma, essa escolha de Tite, bem como o vexame, ajudam a explicar o porquê de hoje já se falar em Carlos Alberto Parreira no Parque São Jorge.

No mais, Jorge Henrique foi o mesmo jogador esforçado (e ponto), Dentinho e Jucilei, irreconhecíveis, Ronaldo, estático. Infelizmente, quanto ao “Fenômeno”, a frase de um diretor são-paulino, que na época queimou a língua, vem a calhar neste instante: Ronaldo parece um ex-jogador em atividade. Vale dizer, a aposentadoria de Ronaldo está marcada para este ano; quiçá, ele a anuncie em muito, muito breve.

O presidente Andrés Sanchez, em tempos de revolta contra presidentes nos países árabes, no Vasco e sabe-se lá mais onde, precisa também colocar suas barbas de molho. Se as saídas de Elias e William já eram previstas, bem como as intermitências de Ronaldo como titular, o clube demorou muito para começar a repor o elenco. Liedson chegou, Cristian deve chegar. Um pouco tarde, não é?!

Olhando para frente, caso seja mesmo encerrada a “fase gaúcha”, o Corinthians, considerando as novas contratações, tem condições de montar uma boa equipe. Até mesmo com o 4-2-3-1 almejado por Mano, mas sem as peças necessárias na ocasião: a dupla sertaneja Cristian e Ralf como volantes; Dentinho, Bruno César e Jorge Henrique na linha de 3 do meio; Liedson na frente; atrás, laterais mais fixos, mais apropriado a Alessandro e Roberto Carlos.

Olhando para hoje, aguente-se os palmeirenses, felizes com a liderança do Paulistão conquistada também ontem, na vitória de 1 a 0 sobre o Mirassol, e mais felizes ainda pelo Tolima lhes dar uma resposta às provocações requentadas por fiascos passados (Asa de Arapiraca, Goiás). E é justamente contra o Palmeiras, no próximo domingo, que o Corinthians, hoje na parte baixa da balança, poderá mostrar que a crise iminente será logo contornada. Ou não.

JFQ


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A sacanagem da seleção sub-20

Parece proposital: os gols da seleção brasileira no Sul-Americano sub-20, que está sendo realizado no Peru, ocorrem, quase todos, no segundo tempo. A sacanagem: nessa hora eu já fui dormir. A maioria das partidas ocorre perto da meia-noite (horário de Brasília). Faço um esforço danado para assistir, no mínimo, ao primeiro tempo de cada jogo. Assim o fiz em três partidas: contra o Paraguai, contra a Colômbia e ontem, contra o Chile. Na primeira, 0 a 0 chocho no primeiro tempo; na etapa complementar, 4 a 2, com atuação brilhante de Neymar. Contra a Colômbia, também fui dormir sem ver gols; perdi o 1 a 0 de mais uma vitória brasileira. Ontem, pelo menos, vi os gols seguidos de Neymar, cobrando falta, e do chileno Carrasco, em falha do goleiro Gabriel; se dormi pensando que a vitória do Brasil seria difícil, acordei com a notícia do 5 a 1. É sacanagem ou não é? A única partida que assisti inteira foi Brasil 1x1 Bolívia, ocorrida no domingo à tarde, justamente a pior atuação canarinha.

Neymar é, sem dúvida, o astro do time, além de artilheiro e sensação do torneio: muito acima, tecnicamente, dos demais jogadores de todas as seleções. Vale destaque, ainda, para as boas atuações de Casemiro, jogador do São Paulo. O ponto negativo é a defesa, bastante insegura, especialmente o goleiro Gabriel e lateral direito Danilo, que apóia mas não marca bem.

O que interessa é que nossa seleção caminha segura rumo à classificação para o Mundial da Colômbia e para as Olimpíadas de Londres. Na verdade, apresenta-se como franco-favorita ao título, que seria o 11º do Brasil.

Na fase atual, é disputado um hexagonal entre as seleções classificadas na primeira fase: Brasil, Argentina, Equador, Chile, Uruguai e Colômbia. Todas jogam contra todas, em partida única. As quatro primeiras vão ao Mundial e as duas primeiras, também à Olimpíada.

Ontem foi realizada a primeira rodada do hexagonal. Além do Brasil, começaram bem o Uruguai (vitória de 1 a 0 sobre a Colômbia) e o Equador (também 1 a 0, sobre a Argentina... com direito a pênalti perdido pelos “hermanos”).

JFQ

Rodada de clássicos nos estaduais


Santos 2x0 São Paulo

A última rodada dos estaduais foi marcada por clássicos. Além disso, por bons jogos e belos gols.

Pelo Paulistão, o Santos confirmou sua condição de favorito ao bicampeonato, impondo um placar de 2 a 0 sobre o São Paulo, ainda no primeiro tempo. O jogo foi bastante disputado, com maior volume de jogo do Tricolor – principalmente na segunda etapa – e maior eficiência defensiva e ofensiva do Peixe. O Santos, aliás, reforçou as expectativas de que o ano de 2011 promete. O time é líder do campeonato, Adilson Batista parece ter conseguido organizar a equipe à sua maneira, Elano entrou muito bem e já posa de líder no meio campo (creio que, em breve, será chamado para a seleção) e, como se não bastasse, o Santos não conta ainda com Arouca, Neymar, Ganso e, talvez, tenha de volta Zé Love. Em suma, trata-se de um timaço, quiçá o melhor do país, no papel, e, como se pode constatar nas cinco primeiras rodadas do Paulistão, também em campo.

Sem exageros, o meio-campo formado por Elano, Arouca e Ganso, a mim parece um dos melhores do mundo na atualidade. Se Keirrison voltar a jogar perto do futebol que o consagrou no Coritiba, fará um ataque infernal com Neymar e Maikon Leite. Vale lembrar que este, contudo, deve ir para o Palmeiras na metade do ano.

O São Paulo mostrou garra, esforço, mas não passou muito disso. A equipe de Carpeggiani carece de um padrão de jogo definido, e de fugir da mesmice nas jogadas de Dagoberto e Fernandinho, ou mesmo de Marlon, que mostram velocidade, ímpetos de avançar na zaga adversária, mas pouca produção de gols. Para piorar, Fernandão não anda bem. Falta ao Tricolor, depois da saída de Ricardo Oliveira, um matador. Além de um articulador ou, no mínimo, um “esboço de maestro”, depois da saída de Hernanes. A boa expectativa fica por conta da dupla de laterais Ilsinho e Juan que, se bem aproveitados, poderão constituir o ponto positivo do time do Morumbi. Além das revelações Lucas e Casemiro, que também voltam ao time em breve, logo que terminar o Sul-Americano Sub-20.

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Portuguesa 0x2 Palmeiras

O Palmeiras deu mais uma prova de sua ascensão. A equipe ainda é bastante limitada, ainda não conta com a presença de seu melhor jogador – Valdívia –, mas já se mostra superior àquela sofrível equipe do ano passado. Não que o futebol apresentado seja brilhante, longe disso. Mas Felipão parece estar encontrando o ponto ideal do que espera de uma equipe competitiva, sopesadas as limitações de elenco. O lateral Cicinho, vindo do Santo André, vem se destacando jogo a jogo, inclusive com um golaço contra a Portuguesa. Os 2 a 0 no clássico (a propósito, continua a se considerar clássico jogos contra a Lusa?) foi mais do que justo pelo futebol mostrado pelo Verdão, que continua a ser um time esforçado, com a diferença de que agora está conseguindo somar seus valiosos pontinhos e colocar-se bem no campeonato.

Além de Cicinho, destaque para Marcos, que retornou, pela enésima vez, jogando bem. Destaque também para Kleber, menos “gladiador” que no Cruzeiro, mas eficaz na condição mista de xerifão da frente, pivô e garçon do ataque palmeirense.

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São Bernardo 2x2 Corinthians

O Corinthians empatou mais uma vez. Agora, contra o São Bernardo, no histórico estádio da Vila Euclides, onde, sob o comando de Lula, ocorreram as famosas greves de 1978. O ex-presidente, aliás, assistiu à partida, vestido com uniforme metade Corinthians, metade São Bernardo. Saída tucana, poderiam dizer seus mais irônicos críticos.

Com a cabeça voltada para o jogo de quarta contra o Tolima, pela Libertadores, o Corinthians jogou com equipe predominantemente reserva. Se o empate não foi um bom resultado – também não foi desastroso –, a boa notícia ficou por conta da atuação do peruano “Catito” Ramirez. Rápido pelos lados do campo, finta e tabela muito bem e, marcou um golaço, revelando-se grande chutador de fora da área.

Além da atuação de Ramirez, outra boa notícia para os corinthianos deve ser o anúncio nesta semana das contratações do volante Cristian e do atacante luso-brasileiro Liedson. Neste caso, melhor será que as novidades possam atuar na Libertadores, o que depende da classificação do time na partida de quarta-feira.

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Flamengo 2x1 Vasco da Gama

Foi nítida a superioridade do Flamengo contra o Vasco. A equipe cruzmaltina, coitada, até mostrou empenho, principalmente na segunda etapa. Mas a inferioridade técnica não impediu a vitória do arquirrival, sem muito esforço, diga-se de passagem. Basta ver a atuação de Felipe, goleiro flamenguista, e do ótimo Fernando Praz, goleiro vascaíno: este foi muito mais acionado e fez boas defesas, enquanto aquele demonstrou uma performance burocrática e “para o gasto”.

Para além do aspecto técnico e tático, o lado psicológico – ou até, a aura – dos dois clubes revelou-se no clássico. A Gávea está em estado de graça com seus novos reforços. Thiago Neves, mesmo distante de sua melhor forma, mostrou a qualidade de grande jogador com um golaço e boa distribuição de jogadas do meio para frente. Ronaldinho Gaúcho, que assistiu à partida de camarote, ao lado da presidente Patrícia Amorim, já provocou o esgotamento dos ingressos da próxima partida do Mengo, contra o Nova Iguaçú, quando estreará com a camisa rubro-negra.

O Vasco, por outro lado, vive uma crise de bastidores, após bate-boca entre seu presidente Roberto Dinamite – cuja gestão vem sendo bastante criticada – o Carlos Alberto, principal jogador do elenco cruzmaltino. Para não dizer que é o pior time do campeonato carioca (perdeu todos os jogos), sem chances de chegar às semifinais.

As semifinais da Taça Guanabara, pelo que tudo indica, deve ser entre Botafogo x Resende ou Boavista e Flamengo x Fluminense, os dois últimos campeões brasileiros. Em tempo: promete ser o melhor Fla-Flu dos últimos anos.

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Grêmio 2x1 Internacional


No último domingo também houve um inusitado Grenal em terras uruguaias. O principal clássico gaúcho ocorreu na cidade de Rivera, no país vizinho. Tanto o Grêmio – com a cabeça voltada para o jogo de quarta contra o Liverpool, pela Libertadores – como o Inter usaram suas equipes B. O técnico gremista Renato Gaúcho sequer foi a Rivera. O suposto desprestígio ao Grenal, contudo, não foi o bastante para que a partida fosse emocionante: 2x1 para o Grêmio, de virada.

JFQ

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Salve o Corinthians!


Libertadores 2011

Corinthians 0x0 Tolima


“Salve o Corinthians, o campeão dos campeões”: assim começa o hino do mais popular clube paulista. O início do hino corinthiano parece bem oportuno após o primeiro jogo do time na Libertadores 2011. Porém, para agonia dos seus torcedores, neste instante o “salve” não corresponde à interjeição, no sentido de saudação, mas ao modo imperativo do verbo “salvar”. Quiçá os corinthianos estejam dizendo “salve o Corinthians” em suas orações a São Jorge. A coisa está feia.

Libertadores é Libertadores, um torneio difícil, que requer, além da aplicação técnica e tática, determinação e garra acima da média. Exatamente nisso o Corinthians surpreendeu anteontem, na péssima partida contra o time colombiano do Tolima. Surpreendeu menos pela bolinha jogada pelos corinthianos – a propósito, o mau futebol já fora observado nas partidas contra o Bragantino e contra o Noroeste, pelo Paulistão –, do que pela total ausência do espírito guerreiro, fundamental a quem postula o título sul-americano; no caso do Corinthians, um título inédito e, para muitos, objeto de verdadeira obsessão. Quer dizer, não nessa partida, quando o que se viu foi quase um desdém em relação ao torneio, uma homenagem à preguiça, à falta de talento e de coordenação em campo.

O fato é que o 0x0 contra o Tolima – que poderia ter sido 1x0 para o adversário, caso o bandeirinha não tivesse assinalado erroneamente um impedimento que resultaria em gol – torna o Timão candidato seríssimo ao “efeito Mazembe”, sentido pelo Internacional no último Mundial de Clubes. Assim como as semifinais do Mundial de Clubes, a tal pré-Libertadores é tomada pelas equipe brasileiras como uma espécie de “etapa protocolar”, joguinhos preparatórios para o que realmente interessa: a fase de grupo e demais fases eliminatórias. Só que o Corinthians, assim como o Inter, pode aprender que não é bem assim. Do jeito mais doloroso, pode se convencer de que a classificação não está dada de antemão, que a eliminação súbita é possível. Agora, então, não chega sequer a ser zebra.

Desde o princípio da partida, o Corinthians foi um time apático, estático, sem criatividade, sem ofensividade, enfim, sem futebol. O Tolima marcou muito bem no meio-campo e na sua defesa – o que não explica, por si só, a incapacidade do time brasileiro em marcar um golzinho sequer – e explorou perigosamente os espaços nas costas dos laterais, especialmente de Alessandro, beneficiado ainda pela excessiva utilização da chamada “linha burra” pelo Timão. No caso, mais burra e perigosíssima!

Jogadores como Dentinho e Jucilei estiveram irreconhecíveis: o primeiro, destituído da capacidade de drible que lhe é peculiar; o segundo, errando passes e prendendo demasiadamente a bola. Jorge Henrique e Bruno César, apesar de mostrarem empenho, também não desencantaram. Bruno César, inclusive, que chuta muito bem de fora da área, deixou de utilizar esse recurso, bastante apropriado em razão da compacta defesa colombiana, talvez por conta da bronca que levou na partida contra o Noroeste, quando foi veladamente taxado de fominha. Roberto Carlos, tentando mostrar experiência, mostrou insegurança. Taticamente, apesar de, no papel, ter mantido o 4-3-3, vários problemas vêm se acentuando: a falta de entrosamento deixando buracos na zaga, a perda de movimentação no meio depois da saída de Elias, bem como de Dentinho e Jorge Henrique, que voltavam para um primeiro combate pelas laterais e deixaram de fazê-lo. Um outro problema, talvez mais psicológico do que propriamente técnico ou tático, é a “Ronaldo-dependência”: não há opção para o gol a não ser pelos pés do "maior artilheiro de todas as Copas".

Lamentações à parte, por incrível que pareça, o empate em 0 a 0 pode não ter sido de todo ruim para o Corinthians. Em primeiro lugar, porque, como já dito, o Tolima marcou um gol legítimo, anulado pela arbitragem. Segundo, porque, sem tomar gols em casa, classifica-se com qualquer empate com gols.

No entanto, se repetir a péssima atuação do jogo no Pacaembu, o Corinthians, muito provavelmente, passará o resto do ano tentando se explicar do vexame e, sob pressão constante, será alertado pela Fiel, jogo a jogo, da obrigação em buscar a vaga para a Libertadores 2012.

***


Liverpool 2x2 Grêmio


Apesar de também ter empatado, o Grêmio está em uma situação mais tranquila que o Corinthians. Joga em casa e se classifica com empates por 0 a 0 ou 1 a 1. No entanto, também é bom manter as barbas de molho. O time do Liverpool é aguerrido, como de praxe entre as equipes uruguaias, e se classifica com uma vitória simples.

JFQ

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

De pai para filho


Antonio Prata

Todo menino brasileiro cresce ouvindo, entre as canções de ninar da mãe, certa música aparentemente sem sentido, entoada pelo pai. O ritmo e a melodia são sempre iguais, embora os versos variem, de casa para casa.

Em uma, terminam assim: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Na outra: Garrincha, Didi, Paulo Valentim, Quarentinha e Zagalo. Mais adiante: Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Simão. Ou ainda: Julinho, Américo, Romeiro, Ademir da Guia e Geraldo Segundo.

Na minha infância, a escalação que surgia entre cirandas e bois da cara preta era: Herrera, Rui e Noca; Geraldo, Frangão e Ivan; Alfredinho, Américo, Washington, Próspero e Alemãozinho: o histórico escrete do Linense que, em 1953, subiu para a primeira divisão e bateu o São Paulo por 4 a 1 – vitória que meu pai, criado em Lins, não se cansava de contar.

Em 1957, o Linense caiu pra segunda divisão e nunca mais voltou, mas meu pai permaneceu fiel ao time, como Penélope à espera do regresso de Ulisses.

Ou quase: pois se Penélope rejeitava todos os pretendentes, meu pai permitia-se envolver-se com alguns; a cada ano, torcia pra a equipe que subia à primeira.

Mas o que via, sempre, por trás da insígnia tricolor do Taquaritinga, das listras do Novorizontino ou do quadriculado do Bragantino, era o velho escudo do Linense, com o elefante caminhando em direção ao oeste, de cabeça e tromba erguidas.

Quando criança, não achava nenhuma graça nas opções heterodoxas do meu pai. Por que ele não torcia para um time normal, como os pais de todo mundo?

Hoje, agradeço-o. Crescer vendo-o esperar a volta do Linense e sublimando seu amor com times que raramente ficavam entre os primeiros fez com que eu compreendesse a dimensão épica do futebol; que entendesse que há forças e significados muito maiores do que se depreende dos reles números do placar ou da tabela.

No último sábado, portanto, não poderíamos deixar de ir a Lins, ver Linense x Santos, a volta do Elefante à elite do futebol, após 54 anos à deriva pelos gramados mais distantes. O placar, como na histórica tarde de 1953, foi 4 a 1 – infelizmente, para o rival.

 Mas quem acha que os torcedores se entristeceram está redondamente enganado. Depois dos 20 minutos iniciais – tempo que o Linense levou para aclimatar-se à altitude da primeira divisão – o time jogou de igual para igual. Se perdeu, foi porque os deuses assim o quiseram.

Como Ulisses, que voltou para casa disfarçado de mendigo, para conferir se Penélope lhe era fiel, as divindades do futebol mandaram o Linense de volta à primeira com uma derrota, para testar a firmeza da fé dos que há cinco décadas esperam.

Foi a última provação. Como o time do segundo tempo, é bem capaz que muitas crianças cresçam ouvindo, nos próximos anos, entre cirandas e bois da cara preta, a estranha cantilena paterna, que termina assim: Cambalhota, Leandro Love, Fausto, Gilsinho e André Luis.

* Publicado na Folha de S.Paulo, em 17/01/2011.

sábado, 15 de janeiro de 2011

O riso e o pranto


José Geraldo Couto


As duas imagens da semana, no futebol brasileiro, foram contrastantes: a festiva chegada de Ronaldinho ao Flamengo e a lacrimosa despedida de Washington do Fluminense (e do futebol).

A primeira foi o desfecho de uma novela que teve lances dramáticos, cômicos e sobretudo grotescos, como a concorrida entrevista coletiva que o jogador concedeu no hotel Copacabana Palace para dizer... nada.

A segunda imagem foi o final de uma narrativa bem mais longa e épica: a saga de um atleta que se sagrou artilheiro máximo do país em 2004 depois de passar por um grave problema cardíaco e quase pendurar as chuteiras antes da hora.

Ao contrário de Ronaldinho, Washington nunca foi um craque. Centroavante alto, forte e trombador, sempre fez seus gols muito mais na base do vigor físico e da garra do que da técnica ou da habilidade. O apelido Coração Valente lhe caiu bem, não apenas por conta das cirurgias cardíacas a que se submeteu.

Foi comovente assistir a Washington tropeçando nas palavras e na emoção na tentativa de explicar, na entrevista coletiva de despedida, que não estava deixando o futebol devido a problemas de saúde, mas simplesmente porque "chegou a hora".

Entrou em contradição várias vezes, ao admitir que gostaria de jogar mais um ano, ou que disputar a Libertadores seria um coroamento da carreira.

É curioso isso: mesmo sabendo que não vai mais precisar vender seu "pé de obra" no mercado, o atacante, aos 35 anos, ainda sente a necessidade de se defender do estigma de "bichado", o pior fantasma a assombrar a mente dos boleiros. Há uma ética dos futebolistas que nós, amadores e palpiteiros, entendemos apenas vagamente.

O momento de parar é sempre triste, em qualquer profissão, mas o do jogador de futebol é talvez o mais cruel.

Ou é aquele fim melancólico, em que o sujeito vai caindo para clubes cada vez mais obscuros, de tal modo que nem o Google sabe ao certo se ele já se aposentou ou não, ou então é essa catarse em praça pública, com entrevista coletiva, discursos de companheiros, filhas consolando o pai chorão etc..

Mas voltemos à outra imagem da semana.

Se houve lágrimas em profusão no adeus de Washington, não deu para ver se Ronaldinho chorou em sua apresentação na Gávea, pois seus olhos estavam como os de certos personagens de desenho animado, com cifrões em lugar das pupilas.


* Publicado na Folha de S.Paulo, em 15/01/2011.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Não deu

Luiz Fernando Veríssimo


Nosso time é a nossa segunda pátria. Tem até hino e bandeira, como a outra pátria. Conhecemos a sua história, cantamos as suas glórias, queremos vê-la sempre vitoriosa entre as nações e a amamos com fervor. Mas, assim como acontece com a pátria de verdade, nem sempre sabemos o que amamos. Ser brasileiro é de nascença, mas o time a gente escolhe, geralmente seguindo uma tradição familiar, ou influenciado por alguém, ou pelo fato do time estar em evidência no momento, ou pela simples simpatia. E o que é, exatamente, o objeto dessa paixão que nos pega desde pequenos e nunca nos larga? Não é o clube como entidade social, este nem nos pertence. Suas cores e seus símbolos nos emocionam, mas são apenas cores e símbolos - embora muita gente morra por apenas cores e símbolos. Amamos os jogadores, o time? Mas o time é provisório, é mesmo o que há de mais transitório e fugas nesse estranho relacionamento. O que amamos, então, é uma abstração, uma ilusão de continuidade mesmo que o time seja sempre outro. Um ideal romântico. O amor por um time é o último exemplo de romantismo puro do mundo.

O problema na relação da torcida com o jogador é este: a torcida ainda vive no século 19, os jogadores vivem na era do realismo prático. O jogador ideal da torcida é o que se forma no clube, sobe das divisões de base para o time titular como grande revelação, recebe propostas fabulosas para mudar de time, mas mantem-se fiel à camiseta. Enfim, não trai a pátria. Um perfeito herói romântico. Claro que o ideal é frágil e os torcedores já se resignaram aos novos tempos de empresários sem fronteiras, negócios sem limites e jogadores sem espírito de torcedor, mas vez que outra assoma o romantismo. O retorno do Ronaldinho ao Grêmio, de onde saiu mal há dez anos - se tudo acontecesse como o Grêmio queria -, seria um triunfo de folhetim à antiga. Um filho do clube voltando perdoado e (se ainda jogasse metade do que jogava no seu auge) levando o time a novas grandes conquistas, resgataria o romantismo de um mundo tornado cínico e sem grandeza. Infelizmente - inclusive para a literatura - não deu certo.

* Publicado no Estado de S.Paulo, em 13/01/2011.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Ronaldinho Gaúcho no Flamengo


O Flamengo confirmou a contratação de Ronaldinho Gaúcho, após longa novela protagonizada por ambos, além de Palmeiras, Grêmio e do irmão-empresário Assis.

Todos os clubes envolvidos davam como certa a vinda do jogador, cada qual por razões específicas.

O Palmeiras ofereceu a maior proposta. Ronaldinho, porém, não escolheu pelo dinheiro; se bem que, é bom lembrar, foi noticiado que há ainda hoje salários atrasados no Verdão.

O Grêmio, por sua vez, contava com o fator emocional: time do coração e da origem do craque. O Gaúcho, contudo, também não escolheu pelas raízes. Aliás, é uma grande bobagem as acusações dos gremistas de que Ronaldinho é mercenário e traidor. Como assim, mercenário, se falamos de futebol profissional? Como assim, traidor, se, uma vez profissional, o jogador deve seu empenho a quem lhe paga o salário? O futebol jamais deixará de envolver paixões de torcidas, mas já está para lá de démodé esse bla-bla-bla demagógico, geralmente usado por dirigentes incompetentes e por torcedores incapazes de enxergar um palmo à frente sem os óculos da passionalidade absoluta. A propósito, o mesmo Flamengo que agora comemora a vinda do Gaúcho utilizou do discurso do “amor à camisa” quando da transferência de outro Ronaldo, o Fenômeno, para o Corinthians.

Isso tudo não impede, contudo, que se critique a postura ziguezagueante de Assis nas negociações com os clubes interessados. Além do mais, a maneira como se deu a vinda de Ronaldinho ao Flamengo coloca ainda mais pressão para que ele mostre o gigantesco talento de outras épocas, há muito não visto em campo.

De qualquer forma, o retorno de Ronaldinho Gaúcho é uma notícia de suma importância para o futebol brasileiro, em especial por estarmos na iminência da realização de uma Copa do Mundo no país. Certamente, será um grande chamariz aos nossos campeonatos contar com a presença de jogadores consagrados como Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Roberto Carlos, Deco, Rivaldo, entre outros. Melhor ainda será se não fizerem o caminho contrário, rumo à Europa, algumas das nossas promessas de consagração futura, como Neymar e Paulo Henrique Ganso.

JFQ

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Messi é bi, Marta é penta




O argentino Messi foi eleito, pelo segundo ano consecutivo, o melhor jogador do mundo. A brasileira Marta, por sua vez, conquistou a quinta taça seguida entre as mulheres.

José Mourinho, que comandou a Internazionale na conquista da Liga dos Campeões da Europa em 2010, atualmente no Real Madrid, foi eleito o melhor técnico.

Quem será o melhor do Barça, quer dizer, do mundo?


A FIFA divulgará daqui a pouco qual o melhor jogador do mundo em 2010. Concorrem três jogadores de um único time, o Barcelona. São eles os espanhóis Xavi e Iniesta e o argentino Messi, vencedor no ano passado.

domingo, 9 de janeiro de 2011

A vida continua

Tostão

 
Era o último dia do ano.

Tatá, que hoje seria chamado de Carlos Osório, chegou em casa sem saber o que ia fazer na vida. Ele, que tinha sido campeão do mundo, atuado em grandes equipes, no Brasil e no exterior, decidiu parar de jogar, com 35 anos.

Até dava para jogar mais algum tempo, mas nenhum clube da série A ou B do Campeonato Brasileiro queria contratá-lo. Seria triste, uma ferida em seu orgulho, atuar em equipes inferiores. Tinha escutado também que ele era um "ex-jogador em atividade".

Tatá sentiu uma pressão no peito, uma náusea, um enorme vazio. Será isso a profunda tristeza de que falam os poetas, pensou. Ele tinha ganhado um bom dinheiro, mas gastou a maior parte, além de perdê-lo em alguns negócios. Tinha alguns imóveis alugados que lhe davam uma pequena renda, mas, sem o salário que ganhava como jogador, teria de mudar totalmente de vida. Com o tempo, as economias acabariam. Adeus hotéis, restaurantes e carros de luxo.

Imaginou que isso não seria o maior problema. Ele, a esposa e o pequeno filho poderiam se adaptar. Difícil seria não ser mais aplaudido após fazer um belo gol, não ser reconhecido nas ruas, não dar autógrafos e ter ainda de mostrar a carteira de identidade para provar quem era. Em pouco tempo, não seria ninguém.

Tatá percebeu suas limitações. Ele não sabia fazer mais nada. Passou 20 anos treinando, jogando, viajando, conversando fiado e lendo revistas sobre celebridades.

Tinha consciência também de que não tinha condições de ser técnico, comentarista, dirigente de clube, ou qualquer outra atividade ligada ao futebol. Poderia ser auxiliar do treinador, porém, pensou que o grande Tatá não poderia ser apenas um ajudante. Era muito vaidoso.

Lembrou ainda que não tinha amigos dentro ou fora do futebol. Tinha muitos companheiros, que certamente iriam esquecê-lo. Seu agente não se interessaria mais por ele. Sua esposa tinha passado toda a vida cuidando dele e do filho. Não sabia das coisas, não conhecia o mundo.

Tatá conhecia alguns ex-jogadores famosos que estavam mal de vida. Pensou neles. Havia também os que se encontravam todos os dias em um bar para beber e contar histórias do passado, às vezes distorcidas ou inventadas. Não queria ser como eles.

Tatá se olhou no espelho e chorou, copiosamente. Chorou, bebeu bastante e dormiu. Amanhã começava um novo ano. A vida continuava.

* Publicado na Folha de S.Paulo, em 02/01/2011.


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O estádio é do povo

José Geraldo Couto


Vi anteontem no "Jornal Nacional" uma dessas imagens que nos causam um impacto imediato e que parecem pedir uma interpretação mais ampla, como certas cenas vividas em sonho.

Era uma daquelas matérias "recreativas", que servem de respiro em meio às desgraças do mundo: operários empregados na reforma do Maracanã jogavam uma pelada no campo do estádio.

Era essa a imagem: craques por um dia, aqueles homens pobres e rudes, com "uniformes" desconexos e material esportivo improvisado, corriam atrás da bola entre os escombros das arquibancadas.

Como ler essa cena?

Uma interpretação humanista, sentimental, diria: se o tempo passa e arrasta consigo as criações humanas, subsiste a força lúdica do homem, seu desejo de brincar. Caetano Veloso foi mais preciso ao lembrar "da força da grana que ergue e destrói coisas belas".

No meu caso, a imagem reativou uma ideia que já defendi aqui: está na hora de nossos estádios voltarem a ser, de fato, do povo. Sei que a palavra "povo" é equívoca, mas o que quero designar com ela é a maioria pobre da população.

Hoje em dia, quem não tem dinheiro para comprar ingressos caros ou não pertence a nenhuma das torcidas "organizadas" (que conseguem privilégios e facilidades junto aos clubes e até à polícia) encontra dificuldade em ver seu time jogar.

As reformas dos estádios são feitas sempre contra os pobres. O próprio Maracanã, há cinco anos, extinguiu a geral, com a desculpa de que era desconfortável e insegura para o público, e instalou assentos caros no lugar.

O discurso era de apreço aos pobres torcedores que assistiam ao jogo em pé, com uma visão limitada do campo. Só que, depois da reforma, esses "pobres torcedores" ficaram sem lugar nenhum. Alguém perguntou a eles o que preferiam?

Nos últimos anos, as camadas mais baixas da população tiveram uma inegável ascensão, "invadindo" espaços antes exclusivos à classe média e à elite, como aeroportos e shoppings.

Redes de cinemas perceberam a tendência e abriram salas na periferia, de boa qualidade e com entradas a preços populares. Estão lucrando a rodo. Mas os donos do poder no futebol ainda pensam que é melhor vender mil ingressos a R$ 50 do que dez mil a R$ 5.

É hora de reverter isso e de proclamar, parafraseando Castro Alves, que o estádio é do povo como o céu é do condor.


* Publicado na Folha de S.Paulo, em 25/12/2010.