terça-feira, 18 de janeiro de 2011

De pai para filho


Antonio Prata

Todo menino brasileiro cresce ouvindo, entre as canções de ninar da mãe, certa música aparentemente sem sentido, entoada pelo pai. O ritmo e a melodia são sempre iguais, embora os versos variem, de casa para casa.

Em uma, terminam assim: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Na outra: Garrincha, Didi, Paulo Valentim, Quarentinha e Zagalo. Mais adiante: Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Simão. Ou ainda: Julinho, Américo, Romeiro, Ademir da Guia e Geraldo Segundo.

Na minha infância, a escalação que surgia entre cirandas e bois da cara preta era: Herrera, Rui e Noca; Geraldo, Frangão e Ivan; Alfredinho, Américo, Washington, Próspero e Alemãozinho: o histórico escrete do Linense que, em 1953, subiu para a primeira divisão e bateu o São Paulo por 4 a 1 – vitória que meu pai, criado em Lins, não se cansava de contar.

Em 1957, o Linense caiu pra segunda divisão e nunca mais voltou, mas meu pai permaneceu fiel ao time, como Penélope à espera do regresso de Ulisses.

Ou quase: pois se Penélope rejeitava todos os pretendentes, meu pai permitia-se envolver-se com alguns; a cada ano, torcia pra a equipe que subia à primeira.

Mas o que via, sempre, por trás da insígnia tricolor do Taquaritinga, das listras do Novorizontino ou do quadriculado do Bragantino, era o velho escudo do Linense, com o elefante caminhando em direção ao oeste, de cabeça e tromba erguidas.

Quando criança, não achava nenhuma graça nas opções heterodoxas do meu pai. Por que ele não torcia para um time normal, como os pais de todo mundo?

Hoje, agradeço-o. Crescer vendo-o esperar a volta do Linense e sublimando seu amor com times que raramente ficavam entre os primeiros fez com que eu compreendesse a dimensão épica do futebol; que entendesse que há forças e significados muito maiores do que se depreende dos reles números do placar ou da tabela.

No último sábado, portanto, não poderíamos deixar de ir a Lins, ver Linense x Santos, a volta do Elefante à elite do futebol, após 54 anos à deriva pelos gramados mais distantes. O placar, como na histórica tarde de 1953, foi 4 a 1 – infelizmente, para o rival.

 Mas quem acha que os torcedores se entristeceram está redondamente enganado. Depois dos 20 minutos iniciais – tempo que o Linense levou para aclimatar-se à altitude da primeira divisão – o time jogou de igual para igual. Se perdeu, foi porque os deuses assim o quiseram.

Como Ulisses, que voltou para casa disfarçado de mendigo, para conferir se Penélope lhe era fiel, as divindades do futebol mandaram o Linense de volta à primeira com uma derrota, para testar a firmeza da fé dos que há cinco décadas esperam.

Foi a última provação. Como o time do segundo tempo, é bem capaz que muitas crianças cresçam ouvindo, nos próximos anos, entre cirandas e bois da cara preta, a estranha cantilena paterna, que termina assim: Cambalhota, Leandro Love, Fausto, Gilsinho e André Luis.

* Publicado na Folha de S.Paulo, em 17/01/2011.

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