quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Ser grande




 
No dia 2 de dezembro de 2007, assisti, sentado no chão e com o som da TV desligado, à partida entre Grêmio e Corinthians que culminou no rebaixamento do meu time para a segunda divisão do campeonato brasileiro. O sofrível desempenho no certame tornara previsível o desfecho trágico. Isso não impediu, ao apito final, o susto, a descrença, a acusação de culpados, a vergonha. Passados alguns minutos, ambiente tomado pela tristeza e pelo som cruel de rojões e buzinas, com os olhos marejados, abri a porta do quarto onde minha mulher, solidária – apesar de são-paulina –, recolhera-se para que eu curtisse minha dor em paz. Pronta para consolar-me, ela se surpreendeu com o improvável sorriso na face do marido. Sabe-se lá por que, sem mais nem menos, fui tomado pela certeza quase absoluta de que tal momento era uma etapa necessária para o Timão tornar-se verdadeiramente forte.

Qual um profeta, liguei para meu cunhado, também corinthiano, ávido por lhe dar a boa nova. Após algumas tentativas frustradas – por razões óbvias, ele evitava o telefone –, consegui despejar-lhe a profecia:

“Cara, pode escrever: o Dualib já está fora, o clube vai se reestruturar, o time vai se reorganizar, vamos ganhar a segundona, o Paulistão, a Copa do Brasil e, esteja certo, mais cedo do que você imagina faturamos a Libertadores!”

O rompante de otimismo não impediu a preocupação com as possíveis consequências da queda em certos torcedores: meus sobrinhos. Frente à primeiríssima grande decepção futebolística, o que pensariam e como reagiriam Ana Laura, 9, Rodrigo, 5, e Pedro, 1? Como absorveriam as gozações na escola e, pior, os questionamentos íntimos? E nós, adultos, como prosseguiríamos na catequização clubística, na pregação de que pertencíamos à torcida mais fiel da camisa mais gloriosa do esporte bretão? Como sustentar a idolatria mosqueteira, enfim, diante de tamanha demonstração de incompetência ludopédica? Eles, que já haviam entrado em campo com os jogadores, passariam a recusar as visitas eventuais ao Pacaembu e ao Parque São Jorge? Sem enrolação, a pergunta fatal era: continuariam corinthianos? Eis a mais angustiante das indagações, uma vez que o distintivo do time do coração não é um mero desenho, pois, sim, um verdadeiro brasão de família: tão importante que a muitos acompanha por toda a vida, do enfeite na porta da maternidade até a bandeira sobre o caixão!

A solução foi aproveitar o momento para dar novas lições às crianças. As lições da derrota, por assim dizer. Primeira, a lição da humildade: vencer e perder fazem parte da vida; aprendemos com ambos. De mais a mais – aí a fala já não era mais tão humilde –, o futebol perderia a graça se só nós vencêssemos... Segunda, a lição do tempo e do trabalho: há fases de conquistas e fases de perdas; é preciso paciência, esforço e inteligência para que superemos o período ruim e voltemos às vacas gordas. Como diz o ditado, não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. Porém, mudanças não vêm por inércia (tenho minhas dúvidas se as crianças entenderam essa coisa de inércia). Por fim, a mais importante das lições: independentemente das derrotas, somos grandes e jamais deixaremos de sê-lo. A superação será a maior prova da nossa grandeza. Grandeza, aliás, que não está somente nos resultados, mas, acima de tudo, no nosso orgulho em vestir a camisa em qualquer circunstância.

Esta última era a lição mais delicada. Mesmo com a retórica bem construída, francamente, é impossível sustentar o discurso da grandeza quando um escrete só faz apanhar. O próprio torcedor, peregrinando anos e anos pelos estádios sem faturar uma tacinha sequer, passa a questionar se seu clube é – ou ainda é – realmente grande. Angústia maior: sendo extremamente penoso torcer para time pequeno, muitas vezes o filho abdica da paixão herdada do pai, virando a casaca em prol de camisa mais vencedora. Sejamos sinceros: quantos filhos de corinthianos, palmeirenses e santistas não se tornaram são-paulinos após as Libertadores e Mundiais conquistados pelo tricolor?!

Para sorte de minha família, o Corinthians, quiçá o time grande mais sujeito ao risco do apequenamento na história do futebol brasileiro – que o digam o jejum de 23 anos, a longa virgindade de títulos nacionais e internacionais, e o rebaixamento –, confirmou minha profecia. Mudanças positivas nas áreas política, administrativa, de marketing e dentro das quatro linhas foram realizadas (em outro momento posso discutí-las), resultando, hoje, no devaneio de virarmos uma potência futebolística planetária. Essa virada não teria ocorrido sem a queda em 2007, não tenho dúvida. Também não seria possível sem a união da Fiel em prol do clube, ostentando o orgulho da nossa condição de “time do povo”. Ou, como dizem pejorativamente os adversários, supostamente “de elite”, unimo-nos como torcida de desdentados, de analfabetos, de favelados, sem estádio, etc. Tomados de nosso espírito popular genuíno, meus sobrinhos incluídos, voltamos a gritar, orgulhosos: “É nóis, mano!”

Toda essa ladainha, claro, foi inspirada na “recaída” do Palmeiras. Quem sou eu para dar conselhos, especialmente a um arquirrival! Ademais, um arquirrival para quem a segundona não é experiência inédita! Todavia, atrevo-me a aconselhar o coirmão, pensando (quase disse “torcendo”) para que o Verdão não apenas volte e permaneça na divisão principal, como também para que recupere a condição de time vitorioso, temido pelos demais. Penso que os palmeirenses devem pressionar sua diretoria a promover mudanças necessárias e definitivas, começando por uma trégua política, passando por ações de marketing (a marca Palmeiras, apesar de desgastada, tem muito valor), pela escolha de um plantel competitivo e pela manutenção do treinador por longo tempo, de preferência, em paz para trabalhar. A propósito, paz é algo há muito não visto no Parque Antártica, vide o nervosismo de vários jogadores observado ao longo do Brasileirão. Por outro lado, dois fatores já pesam a favor: a construção da nova Arena e a participação na próxima Libertadores. Se não for muita afronta ao orgulho próprio, recomendaria ainda usar o “case” de sucesso do maior rival como referência.

Outro conselho, mais subjetivo: busquem e expressem a alma alviverde. Há tempos não vejo torcedores do Palestra, no seu mais legítimo estilo “brasileiro-italianado”, qual o paulistano da gema a encarar sem medo a labuta diária, baterem no peito e dizer: “Aqui é Parmera, bé-lô!”

Termino manifestando especial solidariedade aos amigos palmeirenses ora apreensivos com a reação de suas crianças e com o futuro da família palestrina. A eles digo: aproveitem a queda para transmitir as tais lições aos pequenos. Sobretudo a lição da grandeza, segundo a qual para ser grande é preciso, antes de tudo, sentir-se grande. Aliás, não há ninguém que queira mais ser grande do que os pequenos! Tais como o Lucas e a Renatinha, filhos do palmeirense Fabrízio Hamanaka, o Gustavo, filho do palmeirense Fernando Cunha, ou o Théo, filho do não menos palmeirense Glauber Piva. Para comprovar a sinceridade da recomendação, assevero que farei o mesmo com meu filho Henrique, prestes a chegar. Muito embora espere fazê-lo sem sair da Série A.


JFQ

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