terça-feira, 20 de novembro de 2012

Paixão rebaixada

Escrevi o texto abaixo quando o Palmeiras caiu pela primeira vez, em 2002. Mutatis mutandis, serve para o momento atual. Aos amigos palestrinos.
JFQ

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Paixão rebaixada


“Me diga sinceramente uma coisa, Mr.Buster:/ O senhor sabe lá o que é um choro de Pixinguinha ?/ O senhor sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal ?/ O senhor sabe lá o que é torcer pelo Botafogo ?”. Assim termina o poema “Olhe Aqui, Mr.Buster...” em que Vinícius de Moraes tenta explicar a um americano podre de rico como ele, o “poetinha”, então residente nos Estados Unidos, poderia voltar à “Latin America", mesmo com grande prejuízo financeiro. Vinícius, como bom brasileiro, apontava ao americano as nossas delícias, as nossas belezas e, sobretudo, as nossas paixões. Uma delas, talvez a maior de todas, a paixão pelo futebol. Como diria outro gigante da literatura nacional, Nelson Rodrigues, em crônica ao Jornal dos Sports: “Fala-se que o amor é a mais sombria, a mais violenta, a mais cruel paixão do homem. Mentira: é o futebol”. Provavelmente o é, em se tratando de um país cujo maior orgulho é dizer-se pentacampeão. Aqui, mais que em qualquer outro lugar, o futebol é fonte eterna de inspiração, alegrias, risos, mas também de choro, frustração, angústia, dor. É uma paixão, enfim.

Pode até parecer crime de lesa-pátria aos mais fanáticos torcedores do meu time, o Corinthians, mas não fiquei exatamente feliz com o rebaixamento do Palmeiras. Não compartilho da cruel felicidade assentada na desgraça alheia, nem que seja a do pior inimigo. Tenho velhos e bons amigos palestrinos, sei o que é a paixão por uma camisa, que a chateação por tamanha derrota não é das menores. Ademais, o mundo dá voltas e prudência não faz mal a ninguém. Há porém uma outra razão para não ficar contente: na qualidade de corintiano, sei que o arqui-rival cumpre uma função de suma importância. O freqüente combate entre os dois escretes fortifica também a minha paixão futebolística, especialmente a paixão pelo Timão.

Comecei a gostar de futebol pelos idos de 1979. Dois anos após o título de 77 que tirara o Corinthians do sofrido jejum de quase 23 anos, repetia-se a vitória contra a Ponte Preta. Logo após veio o bicampeonato paulista de 1982/83 com a chamada “democracia corintiana”, um time comandado por Sócrates, Casagrande e companhia, senão brilhante, bastante combativo. Lembro-me de que nessa época o Palmeiras estava abatido, desanimado, até certo ponto frágil. Passava pela fila que durou dezessete anos e tinha-se a impressão (pelo menos eu a tinha convictamente), de que estava fadado a sempre nadar, nadar e morrer na praia. Talvez fosse uma impressão parecida, guardadas as devidas proporções, à dos palmeirenses que acompanharam o calvário do “faz-me-rir corintiano” na época em que Ademir da Guia, Leivinha e outros encantavam com sua “academia”.

O fato é que, dada a fraqueza do adversário, não tinha ainda a noção exata do que era um Corinthians x Palmeiras. Só a tive quando este, fortalecido pelo dinheiro da Parmalat, montou uma equipe quase imbatível, tendo-lhe rendido vários títulos. Nesse período, clássicos inesquecíveis foram jogados entre ambos. Como esquecer as finais dos paulistas de 1993, ganha pelo Palmeiras, e de 1995, ganha pelo Corinthians ? Como esquecer daquelas decisões por pênaltis na Libertadores, dois anos seguidos, 1999 e 2000, em que (infelizmente para mim) o goleiro do Verdão fez mais que jus ao apelido de “São Marcos”. Como esquecer, afinal, de tantos embates entre dois clubes cujas torcidas mantêm um espírito inigualável de concorrência, alicerçado pela força de seus times dentro de campo. E vale lembrar que nesse período os dois foram bicampeões brasileiros, um ganhou a Libertadores, o outro, o Mundial da FIFA. Em suma, o fortalecimento do Palmeiras pós-Parmalat proporcionou o retorno da rivalidade frente ao Corinthians, assim como o fortalecimento da paixão das duas torcidas. Se o rebaixamento do clube de Parque Antártica arrefecer a paixão de sua torcida, temo que em alguma medida rebaixem-se também os ânimos da paixão corintiana.

Por fim, envio aos meus cabisbaixos amigos palmeirenses uma mensagem de alento: não há desgraça que dure para sempre. Deixe estar. Não me resta dúvida de que o Palmeiras, qual Fênix, renascerá das cinzas mais cedo ou mais tarde. O mesmo vale aos torcedores dos outros rebaixados. A propósito, “se esse negócio de espiritismo funciona”, como diria o supracitado botafoguense Vinícius de Moraes, o próprio poetinha está neste instante amargando a vergonha de ver seu clube da estrela solitária na segundona. O mesmo Botafogo de Nilton Santos, Didi e Garrincha, quem diria ! No entanto, também é certo que o tricolor Nelson Rodrigues o estará consolando, sabedor que é das agruras do descenso; afinal de contas, seu Fluminense, ora classificado, há pouco caiu não só à segunda, mas também à terceira divisão. Nelson dirá a Vinícius em seu consolo o mesmo que escrevera sobre as derrotas em uma crônica no Jornal da Tarde: “Sem elas, meu clube não seria tão grande”.

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