sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Fair play e hipocrisia

Antero Greco





A mancada da semana tem Luiz Adriano como protagonista. O rapaz joga no Shakhtar Donetsk, time ucraniano recheado de brasileiros. Não sei se você assistiu ao lance na televisão ou leu reportagens a respeito. Então, repasso o caso aqui para situá-lo e para que possa acompanhar melhor a conversa.

Na terça-feira, o Shakhtar visitou o Nordsjaelland, na Dinamarca, pela Copa dos Campeões. Os donos da casa saíram na frente, e ameaçavam o plano de classificação antecipada do adversário. No meio do primeiro tempo, uma jogada foi interrompida para atendimento de jogador do time da casa. Na reposição de bola, Willian (ex-Corinthians) chuta pra frente, para retribuir a gentileza. Sem mais nem menos, Luiz Adriano aceita o passe, parte sozinho em direção à área, dribla o goleiro estupefato e faz o gol.

O atacante ignorou a bronca dos rivais, comemorou o empate com os companheiros e vida que segue. As imagens mostram a cara consternada de Mircea Lucescu, técnico do Shakhtar, e a de alguns atletas visitantes. A turma do time ucraniano ensaiou até amolecer, na nova saída, para permitir outro gol do Nordsjaelland, como forma de compensar a mancada continental de Luiz Adriano. Ficou na boa intenção, esnobou as vaias, venceu o duelo por 5 a 2 (com mais dois dele mesmo) e garantiu a vaga.

O episódio correu mundo, e Luiz Adriano tomou esculhambação de tudo quanto foi lado. Com razão. O gesto dele representou um bico na boa educação, no espírito esportivo, no respeito aos colegas de profissão e ao público. Uma atitude de rematada grosseria. Num primeiro momento, até fez pouco caso. Em seguida, se explicou, sob a alegação de que estava de costas para a jogada e pensou que ela fosse normal. Desculpa esfarrapada, sem dúvida.

Merecia puxão de orelhas dos companheiros e do treinador. Aliás, se tivesse coragem, Lucescu teria mandado Luiz Adriano para o banco imediatamente após o gol. Não esperaria sequer a bola rolar de novo a partir do grande círculo. Seria a resposta elegante do Shakhtar. Ou, então, exigiria que seus atletas deixassem os dinamarqueses marcarem, como ocorreu tempos atrás, num episódio semelhante (embora com gol involuntário, na reposição) em partida do Ajax. Ou seja, todos foram coniventes.

O desdobramento do incidente é curioso e oportunista. A União Europeia de Futebol ficou chocada com a desfaçatez do boleiro e na próxima semana vai avaliar se cabe punição. Encontrou, para tanto, artigo vago, no regulamento geral das competições, que fala em atitude antidesportiva e coisas do gênero.

Luiz Adriano foi descortês, isso é fato e indefensável. Mas, por ironia, não infringiu nenhuma regra do futebol. Não empurrou zagueiros, não estava impedido, não botou a mão na bola. Tanto foi legal a sequência que o juiz, constrangido, validou o gol.

Cabia, em seguida, algum comunicado oficial do Shakhtar ou da própria Uefa. Um voto de censura e fim de papo. Uma medida educativa e uma exortação ao fair-play. Mas, como vivemos tempos contraditórios, em que se pede liberdade e se exigem proibições, já se clama por punição severa. Os justiceiros de plantão pedem no mínimo suspensão longa, e lamentam que não haja açoite. Ou seja, sugerem mais e mais repressão.

A Uefa daria exemplo de lisura, se investigasse a fundo a origem do dinheiro farto que jorra em muitos clubes sob a jurisdição dela. Mas isso daria um trabalho do cão, mexeria sabe-se lá em quais vespeiros. Muito mais cômodo repreender um tosco.


Publicado em O Estado de S.Paulo, em 23/11/2012.

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