terça-feira, 17 de maio de 2011

O mundo do futebol e suas (des) lições


Pasquale Cipro Neto

Nelson Rodrigues dizia que o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes. Concordo, mas, parodiando o grande L. Babo, eu teria um desgosto profundo se faltasse o futebol no mundo.

Para mim, o futebol é beleza, estratégia, magia. Como torço para o Juventus, ou seja, para ninguém, fico livre para ver o que me interessa nos jogos: o talento e a capacidade dos atletas de articular as jogadas e de seguir a estratégia estabelecida.

Beleza e talento à parte, o futebol é também território de hipocrisia e de pouca inteligência. Quer coisa mais burra que a suspensão automática, imposta a um jogador que é expulso? Só no futebol alguém é culpado até que se prove o contrário… O árbitro acha que um atleta simulou uma falta (que houve), não marca a tal falta e dá ao jogador cartão amarelo -ou vermelho, se ele já tiver levado o amarelo. Depois do jogo, as imagens mostram à exaustão que o árbitro errou, mas a burra “regra” se mantém: o jogador está fora do jogo seguinte. O futebol é mesmo “burro, muito burro demais”.

O pior é ter de ler/ouvir a defesa da suspensão automática, sob o argumento de que, “se ela não existir, vira bagunça”. Tão ruim quanto essa “tese” é a de que condenar a suspensão automática é defender a impunidade. Condenar a suspensão automática é simplesmente condenar a impossibilidade de defesa, é condenar a condenação prévia, é condenar a pressuposição de culpa do atleta e a infalibilidade do árbitro. Só isso, nada mais do que isso.

O exemplo da suspensão automática é pretexto para um assunto “mais alto”: a capacidade de leitura, de interpretação (dos fatos, dos textos, do mundo). Quem entende, por exemplo, que a condenação da suspensão automática equivale à defesa da impunidade demonstra incapacidade de ler um texto e/ou fértil capacidade de tirar conclusões absurdas do que se diz/escreve. Paulo Freire dizia que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. O futebol e suas belezas e mazelas estão no mundo, portanto…

Outro raciocínio genial que ouvimos no futebol é este: “Se o juiz dá aquele pênalti, era um a zero pra nós”. Diz-se isso onde quer que haja uma partida de futebol e, muitas vezes, também no rádio ou na TV.

Santo Deus! Será que ninguém é capaz de pensar que a consecutividade dos fatos gera entre eles uma relação tal que impede que se afirme que, “se o juiz dá aquele pênalti…”? É simples: o árbitro não marcou o tal pênalti; se o tivesse marcado, nada do que aconteceu depois do lance teria acontecido, porque a sequência seria outra, de modo que é simplesmente impossível afirmar qual teria sido o placar do jogo. Há outra aberração na tal afirmação (”Se o juiz dá aquele pênalti…”): por acaso pênalti é sinônimo de gol?

Na semana passada, houve mais “lições”. Terminado o jogo em que o Once Caldas eliminou o Cruzeiro da Libertadores, foi um tal de ouvir esta ladainha: “O time de pior campanha da primeira fase eliminou o de melhor campanha”. Elaiá! Como se pode dizer que a campanha do Cruzeiro, que na fase anterior estava no grupo X e, por isso, só enfrentou os times do grupo X, é melhor do que a do Once Caldas, que estava no grupo Y e, por isso, só enfrentou os times do grupo Y? A campanha do Cruzeiro só foi melhor que a dos integrantes do seu grupo, caro leitor.

Não se pode absolutizar o que é relativo, do contrário tudo pode dar errado: projetam-se pontes e prédios que caem, matam-se pacientes porque não se levam em conta os efeitos colaterais que determinados medicamentos podem provocar, tomam-se decisões que não seriam tomadas, arruínam-se relações que poderiam ter outro rumo. É isso.
 
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 12/05/2011.

Um comentário:

  1. Bacana o blog, tô seguindo. Aproveito e convido a seguir também o FuteB.R.O.N.C.A.!

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    Saudações!!!

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