terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Guardiola e a Semana de 22

José Roberto Torero



A CBF chutou a bola para fora. Teve a chance de fazer um gol de placa, mas mandou a gorduchinha para fora do estádio.

Guardiola até já havia dito extraoficialmente que aceitava o cargo. Mas a CBF desprezou o melhor técnico do mundo.

Neste século não houve time mais impressionante que o seu Barcelona. Foram muitos títulos, largas goleadas e estatísticas impressionantes. O time venceu mais de 70% de seus jogos e não raras vezes teve mais de 70% de posse de bola, mesmo enfrentado equipes razoáveis como Chelsea e Real Madrid.

Em seus quatro anos à frente do clube catalão, o técnico venceu três campeonatos espanhóis, duas Copas da Espanha, três Supercopas, duas Ligas dos Campeões e dois Mundiais de Clubes.

Mas esqueçamos os números e os títulos. Era só olhar o Barça em campo que você sabia que aquele era o melhor time do mundo. Desde a Laranja Mecânica não havia um time tão inovador. Os catalães reinventaram o futebol. E de uma maneira tão humilhante que as outras equipes sequer conseguem imitá-lo.

Claro que Felipão é um bom técnico (e não vou usar o argumento do rebaixamento do Palmeiras para a Série B, isso foi apenas um tropeço), mas Guardiola é melhor. E não um pouco melhor, mas muito. É um Steve Jobs do futebol.

Se ele é o melhor técnico e temos os melhores jogadores, nada mais natural do que unir ao outro. Só que nada é natural no mundo do futebol.

Os argumentos contra Guardiola são: ele é estrangeiro, ele nunca dirigiu uma seleção e ele não conhece os jogadores brasileiros.

O terceiro argumento não é verdade. Temos mais jogadores selecionáveis na Europa do que aqui. E seria apenas uma questão de tempo para conhecer os que jogam no Brasil.

Quanto a nunca ter dirigido uma seleção, argumento usado por José Maria Marin, é uma bobagem. Felipão também nunca havia dirigido uma seleção antes de vencer a Copa do Mundo de 2002.

Por fim, contra o argumento patriótico, uso a célebre frase do escritor Samuel Johnson: "O nacionalismo é o último refúgio dos canalhas".

O que o Brasil precisa é de uma Semana de 22 no futebol. Precisa de uma antropofagia futebolística. Nas últimas décadas temos sido apenas exportadores. Mas chega de arrogância. É a hora de aprender com os alienígenas. Por que não trazer técnicos de fora? Nos outros esportes já estamos fazendo isso. E tem dado muito certo.

Com o argentino Rubén Magnano, a seleção brasileira de basquete voltará a disputar uma Olimpíada depois de 16 anos. Com o técnico norte-americano Barry Larkin, o Brasil classificou-se pela primeira vez para o Mundial de beisebol. E com o ucraniano Oleg Ostapenko, as meninas da ginástica olímpica chegaram onde apenas haviam sonhado.

O argumento nacionalista é de uma hipocrisia imensa. Afinal, a empresa que controla a seleção até 2022 é a saudita ISE --a seleção, nos últimos três anos, jogou 42 partidas, mas apenas cinco no Brasil.

Ou seja, os torcedores podem ser estrangeiros, a empresa controladora pode ser estrangeira, mas o técnico não? Hipocrisia.

Era o momento da revolução --não como a que Marin apoiou em 1964, é claro. Mas perdemos o bonde da história. Ou o trem-bala, para atualizar a frase.

Com Guardiola teríamos mais chance de voltar ao alto do pódio do futebol mundial. A seleção poderia transformar os adversários em bobinhos, e eles ficariam apenas correndo atrás da bola no meio da roda.

Mas preferimos o passado.

A troca de Mano por Felipão foi mais ou menos como a troca de Ricardo Teixeira por José Maria Marin. Trocou-se alguma coisa para que tudo continue como está.


JOSÉ ROBERTO TORERO, 49, é jornalista, escritor e roteirista, autor de "O Chalaça" (Objetiva), de "Uma História de Futebol" (Objetiva) e de "Dicionário Santista" (Ediouro), entre outros

Publicado na Folha de S.Paulo, em 04/12/2012.

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