terça-feira, 4 de dezembro de 2012

De Felipão a Getúlio

Eduardo Bueno



Então, Felipão bateu o barro das esporas, encilhou a cavalgadura e enveredou pela velha rota dos tropeiros, disposto a amarrar outra vez sua bela besta baia no velho obelisco.

Saiu de Passo Fundo, trotou pela Vacaria, e, entre aplausos e mugidos, chegou a Itararé --o velho sítio da "batalha que não houve". Ali, de novo, não encontrou resistência alguma. Passou pela avenida 23 de Maio sem alcançar o significado da data e, entre altivo e autista, cruzou o Tietê como se fosse o Rubicão.

Depois de galopar entre as carretas da Via Dutra, atingiu enfim o coração da antiga capital federal. Teve um déjà-vu ao prender as rédeas do rocinante na esguia coluna de pedra erguida ao final da Avenida Rio Branco. Alguns paisanos o saudaram. Outros, certos de que estavam diante de uma "alma semibárbara egressa do regime pastoril", torceram, quando não empinaram, seus narizes. Como bom sargento, Felipão ignorou-os todos.

São jocosas, mas não gratuitas, as comparações entre o retorno de Felipão ao comando da seleção brasileira e a marcha de Vargas rumo ao Catete em 1930.

E se há algum anacronismo aqui, ele reside no fato de que, embora não tenha voltado ao poder "nos braços do povo", nem sido precedido pelo "movimento queremista", a verdade é que, tal qual Getúlio em 1954, estamos diante da segunda vinda Luiz Felipe Scolari. O que já quase o alça ao posto de Messias...

Metáforas e piadas abundam, franqueando o emprego dos clichês --pena que os mais utilizáveis não se prestem aos detratores de Felipão. Afinal, se o velho chavão "povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la" for verdadeiro, então o hexa já está no papo.

Mais amargo ainda para a falange anti-felipônica é o dito: "A história sempre se repete, ora como farsa, ora como tragédia".

Felipão pode ter seus defeitos, mas nem seus inimigos mais empedernidos acham que ele seja uma farsa. E sua primeira passagem pela seleção só foi trágica para os amantes do dito "futebol-arte".

De qualquer forma, não deixa de ser uma ironia divertida e reveladora ver antigos barões do café de cepa quatrocentona, e velhos cortesões da finada Belle Époque carioca tendo, outra vez mais, que fazer um pacto federativo e recorrer à essa espécie de caudilhismo positivista de cunho artiguista tão exemplarmente representado pelo jeito gaúcho-platino de jogar futebol, sempre posto em prática pelos times de Felipão.

Engraçado assistir esse pessoal de fatiota abrindo mão de seus supostos ideais em nome do pragmatismo e do "bem maior": ganhar a Copa em casa --sem sucumbir num novo Maracanaço.... Se não para próprio Uruguai ou --Deus nos livre!-- para a Argentina, desta vez para a ex-metrópole de nossos vizinhos, a poderosa Espanha.

Tudo isso seria só hilário, ou curioso, não fosse patético e tão exemplar do atraso. Não o suposto "atraso" de Felipão, é claro, mas o da esclerosada e ditatorial CBF, bem como o do eterno país do futuro do pretérito, que a mantém e a explica.

De todo modo, se o Brasil ainda crê nos "pais do povo", porque não recorrer ao sujeito que, se não é o pai da pátria (de chuteiras), com certeza é o pai da família Scolari?

Sem falar no bônus das galhofas. Felipão já disse como julga ser o dia a dia dos barnabés de bancos estatais. Periga, daqui a alguns dias, falar dos R$ 31 milhões anuais que a agremiação de Rosemary Noronha (que já ganhou estádio de presente) receberá de outra instituição financeira do governo.

Dentro do campo, também pode funcionar. Afinal, a Copa não passa de um torneio mata-mata. Até porque, como futebol-bailarino, pontos corridos é coisa de fresco. Ala pucha, tchê!


EDUARDO BUENO, 54, é jornalista e escritor, autor de "Brasil: uma História" (Leya) de "A Viagem do Descobrimento" (Objetiva) e de "Grêmio: Nada Pode ser Maior" (Ediouro), entre outros

Publicado na Folha de S.Paulo, em 04/12/2012.

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