sexta-feira, 2 de março de 2012

Adeus futebol-arte

Wagner Vilaron


O futebol-arte brasileiro morreu. Morte morrida mesmo. Talvez esta conclusão até faça parte do inconsciente coletivo. Mesmo assim é difícil admiti-la, sobretudo para um povo que, durante anos, teve sua autoestima diante do mundo baseada exatamente na capacidade de transformar um tal jogo de 11 contra 11 em puro espetáculo, capaz de multiplicar admiradores e torná-lo conhecido em todo o planeta.

Mas, infelizmente, como diz o ditado, "contra fatos não há argumentos". E antes que alguém possa imaginar que esta coluna foi motivada pela - vamos abusar do eufemismo agora - "infeliz" atuação da seleção brasileira diante da Bósnia, esqueça. Trata-se de constatações feitas ao longo do tempo. Preparem suas cornetas e vamos a elas.

Há 30 anos utilizamos sempre o mesmo exemplo quando nos referimos à última seleção brasileira que apresentou o tal futebol-arte. Trata-se, claro, do time comandado por Telê Santana em 1982.

A Copa na Espanha foi a primeira que acompanhei de fato. E durante muito tempo achei que aquela derrota foi injusta simplesmente por ter causado a eliminação da melhor equipe. Hoje, porém, entendo que os efeitos daquela derrota por 3 a 2 para a, diga-se de passagem, boa seleção italiana, teve consequências muito maiores do que o corriqueiro adeus de um favorito.

Foi ali, em Barcelona, no estádio Sarriá, que não existe mais, que nosso futebol-arte começou a degringolar. Diante da pressão de 16 anos sem a conquista de um Mundial (período que se completaria em 1986 e que parecia uma eternidade para um País tricampeão do mundo), passou-se a questionar o custo-benefício de ter um time que joga bonito, mas não ganha. Conclusão, trocou-se o espetáculo pela eficiência. Afinal, ganhar também é bonito.

E o Brasil venceu em 1994 e 2002, além de ter chegado à final em 1998. Mesmo assim, o torcedor sente-se carente. Talvez seja difícil para qualquer outro povo entender tal sentimento, afinal, o que todos buscam é a vitória. Porém, aqui, o futebol não é uma simples questão de resultado, não é apenas um jogo. Aqui, este esporte ainda é uma forma de manifestação cultural que reflete o orgulho/pachequismo de muita gente. Por isso lembramos sempre de 1982.

Não sou daqueles românticos que acham isso lindo. Muito pelo contrário, meu ceticismo faz com que veja exageros em tais manifestações. Mas independentemente de concordamos ou não com elas, não podemos ignorar sua existência.

A esperança de que o futebol-arte brasileiro ainda poderia ressuscitar é sepultada de vez pelos clubes. Acometidos pela ameaça constante de demissão, os técnicos elaboram a mesma estratégia de jogo: marcação forte, retomada de bola e contra-ataques, com pequenas variações.

O primeiro objetivo, que era fazer gols, passou a ser não sofrê-los. Mas e o Santos de Neymar? É a exceção que justifica a regra. E qual é a regra? O Corinthians.


Publicado em O Estado de S.Paulo, em 01/03/2012.

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