segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Nem na várzea

Antero Greco




Brasil x Argentina, o maior duelo mundial de seleções, está escangalhado desde 2011, quando inventaram o Superclássico das Américas. A série de confrontos entre as duas escolas que mais astros revelaram para o futebol em todos os tempos não passa de deslavado caça-níquel para forrar os bolsos das respectivas confederações e seus parceiros comerciais. Por uns cobres, banalizaram rivalidade centenária e tentaram tapear torcedor e jogadores com a conversa de que tem taça em disputa. Até ai, nenhuma novidade; nos antigos festivais da várzea sempre havia um trofeuzinho como prêmio, e que era levado a sério.

Não é o que aconteceu com esses tira-teimas com os argentinos. Os responsáveis pelos confrontos deram tanta importância ao peso histórico da amarelinha e da celeste que decidiram mandá-las a campo numa cidade de fronteira. Quem conhece Resistencia garante tratar-se de lugar simpático, agradável e sossegado, de comida farta e de gente atenciosa. Acredito, e espero um dia desses ter o privilégio de visitá-la.

Mas, muito obrigado, por nada. Águas de Lindoia também é acolhedora, tem clima espetacular e paisagem repousante; vale a pena a viagem. Nem por isso, recebe jogos da seleção brasileira. Nem que tivesse um estádio moderninho como o Centenário, onde, se presumia, as equipes nacionais iriam encontrar-se na noite de anteontem para definir o campeão da versão 2012 do Superclássico. Não teve jogo por causa de black out, ou apagão mesmo, como usamos de uns tempos para cá, para ressaltar uma falta de luz que beira à esculhambação.

Não gosto de recorrer à expressão deuses do futebol, pois a considero batida e tremenda lorota. Mas que foi uma ironia do destino, não há dúvida. Parece que a natureza quis pregar uma peça na cartolagem ao desligar a torre central de iluminação. Recado para aprenderem a não brincar mais com tradição. Não respeitaram a majestade dessas seleções e entraram pelo cano. Tomaram prejuízo e ainda têm de indenizar o público. Se eu tivesse comprado ingresso, faria um barulho e tanto para ter o dinheiro de volta. No mínimo.

Falei em várzea, e peço desculpas aos varzeanos. Lá isso não aconteceria. Evidente que incidentes como esse podem ocorrer em qualquer cidade - na quarta-feira mesmo alguns estados no Brasil sofreram com queda de energia. A questão, maior, está no fato de que clássico de tamanha envergadura (mesmo que jogado só com atletas que atuem nos dois países) não pode ser marcado para cidade com estrutura modesta. Os nossos vizinhos têm Córdoba, Mendoza, Rosario, para citar alguns centros importantes, fora Buenos Aires. Seriam mais adequados e talvez contassem com mais recursos para os reparos. Porém, sabe-se lá por quais razões políticas, foram para Resistencia...

Deu pena das delegações. Os rapazes convocados treinaram, se concentraram, viajaram, chacoalharam em avião, alguns sonharam com a possibilidade de agradar aos técnicos e serem chamados mais vezes. Voltaram para casa frustrados. Como decepcionados também ficaram os fãs. Fora jornais, rádios.

O grotesco deu as caras até após o anúncio do cancelamento da partida. Um repórter levantou a dúvida a respeito do destino da taça - e ouviu do diretor de seleções da CBF que o certo seria considerar o Brasil "campeão", por ter vencido por 2 a 1 em Goiânia. Vixi! A situação era tão constrangedora que a questão do troféu não importava nada no momento. Tinha cabimento pensar nisso? Chato.


Publicado em O Estado de S.Paulo, em 05/10/2012.

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