terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Festival de erros

Antero Greco


A fritura é das situações mais desagradáveis que um profissional pode enfrentar na vida corporativa. Constrangedor um sujeito ir para o trabalho, sentir que a corda aperta-lhe o pescoço, perceber que querem vê-lo pelas costas, sem que possa espernear. Alguns mais pacientes esperam o bicho que vai dar, na tentativa de se garantir na saideira, com muito ou com pouco que seja. Na prática, difícil saber qual atitude correta tomar.

Imagino tenha sido esse dilema que Vanderlei Luxemburgo viveu nos últimos dias. O Flamengo ficou a frigi-lo em óleo bem quente, desde o final do Brasileiro. Mas até ontem à tarde nenhum figurão do clube tinha vindo a público para confirmar ou rebater as indiscrições que circularam mais à vontade que moça bonita na praia. Já nas férias, ou na retomada de atividades do elenco, a diretoria deveria ter decidido o futuro do técnico e pronunciar-se sem embromação.

Esqueça as restrições, justas ou não, que inevitavelmente surgem, quando o assunto é Luxemburgo. Não vêm ao caso nem polêmicas em que se envolveu, nem controvérsias em sua conduta, nem o currículo vencedor. É preciso ressaltar a maneira equivocada e lerda como uma agremiação tradicional tratou tema importante para determinar a programação para a temporada de 2012.

O silêncio em torno dos rumores de degola e as frases dúbias que os cartolas largaram aqui e ali não eram sinais de bom senso. A decisão não tardou porque se analisavam riscos da demissão de um treinador experiente (mas que precisa, com urgência, rever métodos, sob o risco de ser atropelado pelo tempo). A cúpula rubro-negra não gastou tempo a esmiuçar o projeto para este ano. A parte técnica ficou relegada a segundo plano.

A dispensa de Luxemburgo, a todo instante dada como certa e necessária na Gávea, foi protelada por causa de dinheiro. Como o contrato estipulava multa de R$ 4 milhões em caso de ruptura, se optou por imobilismo ou pela tal fritura. O Fla não estava satisfeito com o funcionário, mas não o liberava por não ter caixa para bancar a rescisão. E o técnico fingia que tudo ia bem, pois não tinha intenção de jogar a toalha e largar essa bolada para trás. Um prêmio de loteria.

Ficaram então num cabo de guerra nefasto, que só aumentou desgaste e suspeita recíprocos. E que também deixou os jogadores desconfiados e a torcida, impaciente. No entanto, revela como os clubes negociam acordos sem refletir. Quando Luxemburgo foi chamado, no final de 2010, o time fazia campanha ruim na Série A e corria risco de despencar para a B. O treinador estava disponível, pois havia sido dispensado pelo Atlético-MG, e despontava como a âncora para evitar o naufrágio.

Como desembarcou no sufoco, se viu filme de sempre, aquele em que dirigentes topam qualquer parada, prometem isso e aquilo, botam multas pesadas, como prova de confiança no taco do professor e de seriedade de propósitos. Nessas horas, acertam e aceitam qualquer coisa e lá na frente, com a relação abalada, voltam a conversar. E seja o que Deus quiser.

Justo que técnico se cerque de segurança ao ser convocado às pressas - assim, cuida para não ser tratado como descartável. Impróprio o empregador topar cifras salgadas. Uma vez colocadas as assinaturas e o contrato registrado, vira obrigação cumprir tudo à risca. Por impasses como esse se percebe que a profissionalização da cartolagem continua longe. E dá para se ter noção da origem da penúria dos clubes. Mais uma lambança, de várias que a diretoria tem cometido, para o Flamengo pagar

* Publicado em O Estado de S.Paulo, em 03/02/2012.

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