segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Entregar ou enfrentar, eis a questão

O dilema ético-ludopédico em voga no Brasileirão 2010, já emergira em 2009: entregar ou enfrentar quando a vitória beneficiará diretamente um arquirrival. Todavia, a questão é ainda mais antiga, quiçá, oriunda do princípio dos tempos em que onze marmanjos da cada lado começaram a correr atrás de uma bola e desenvolveram a mais profunda das rivalidades, a futebolística, quase tão poderosa quanto a eterna luta de classes ou a guerra dos sexos.

O fato é que a questão, por mais caráter, ética e firmeza moral se empregue, não é lá tão pão, pão, queijo, queijo como se sugerem os bons moços. Afinal, se os rivais de um clássico derbi jogarem a vida em prol da conquista do outro, a própria rivalidade, matéria-prima motivacional das maravilhosas pelejas envolvendo os escretes rivais, deixa de existir.

O entreguismo, isto é, o jogar para perder, é extremamente deletério ao futebol, assim como a todos os esportes (aliás, lembram-se do vôlei masculino, que cedeu à Bulgária, e acabamos campeões?). Contudo, não consigo ver tamanha grandeza em gregos lutarem até a morte pela conquista dos troianos, ou vice-versa, como se a eterna rivalidade nada significasse à história de ambos e ao próprio esporte.

Em suma, não sou favorável ao entreguismo, mas penso que é um baita trololó o discurso moralista em prol da honra, coisa e tal. A solução do problema não virá com a improvável crise de consciência que os “éticos” procuram incutir na cabeça dos decrépitos entreguistas. O discurso pode ser bonito, correto, sisudo, mas, no fundo, também é um tanto demagógico e alheio à própria lógica de atração dos amantes da bola. Há que se encontrar uma fórmula que incentive o melhor combate nas rodadas finais dos campeonatos em pontos corridos. Quem sabe, a fórmula já proposta anteriormente, de realização dos clássicos estaduais nas últimas rodadas.

JFQ

***
Abaixo, artigos de Juca Kfouri e PVC sobre o tema.



Pela honra no futebol
Juca Kfouri


Apoiada pela maioria dos torcedores, segundo apontam as pesquisas científicas e as sondagens não científicas, eis que a fórmula dos pontos corridos está na berlinda por supostamente favorecer a malandragem nas derradeiras rodadas, quando rivais tradicionais não se interessam pelas vitórias para não ajudar o outro.

O comportamento, de fato, é lamentável sob todos os aspectos.

E difícil de ser evitado num país de pouca cultura futebolística, de nenhum respeito pela liturgia do jogo e no qual a única regra que parece existir é a de levar vantagem em tudo.

Isto é o Brasil. E por que seria diferente no futebol? Claro que o argumento dos que imaginam que só os pontos corridos favorecem malas brancas e corpos moles não se sustenta.

Porque a mala branca aparece também quando um clube precisa do resultado de um terceiro para ficar entre os classificados para os mata-matas. Porque é isso: falta respeito ao jogo de futebol no Brasil, algo que sobra no país de seus inventores, a Inglaterra, mas não só lá.

Inimaginável também na Espanha que um Barcelona amoleça para o Sevilla com a intenção de prejudicar o Real Madrid, coisa que faria a orgulhosa Catalunha corar.

Por aqui, enquanto não nos educamos, enquanto não possuirmos instrumentos realmente eficazes para combater a corrupção e a falta de compostura, quem sabe a marcação dos clássicos estaduais para as últimas rodadas do Brasileirão atenue a malandragem.

A RODADA

Expostos trechos do escrito no dia 3 de dezembro de 2009, tratemos rapidamente de chover no molhado em relação aos jogos deste domingo: que ganhem todos os times que se apresentarem melhor que seus adversários, mas que tais adversários entrem em campo com a mesma intenção, se não com a mesma motivação, de vitória.

Que o Fluminense saia legítimo campeão brasileiro de Barueri apenas porque foi, ao longo da temporada, o melhor dos 20 concorrentes. Que o Galo se livre do rebaixamento apesar da temeridade que cometeu até 13 rodadas atrás.

Mas que os alviverdes que os enfrentarão logo mais, e que se enfrentaram na última quarta-feira, honrem suas camisas como nem Corinthians nem São Paulo honraram as deles no ano e no domingo passados.


* Publicado na Folha de S.Paulo, em 28/11/2010.


***

A entrega estraga
Paulo Vinícius Coelho

Tite entrou no vestiário no intervalo da partida, cobrou empenho de seus jogadores e ficou surpreso ao ouvir deles: "Mas, professor! Nossos adversários já nos contaram que vão entregar o jogo. Precisam prejudicar o rival histórico deles". O técnico do Corinthians contou a história a Juca Kfouri, na ESPN, sem informar a partida em questão. Foi um Pelotas 0 x 3 Veranópolis, pela Copa RS, em 1996. A simples referência, sem a informação completa, fez muita gente viajar na memória.

"Os gremistas logo associaram ao São Paulo x Inter de 2008", diz o repórter José Alberto Andrade, da rádio Gaúcha, referindo-se à partida em que o São Paulo assumiu a liderança na campanha do tri brasileiro, à frente do Grêmio.

Eu mesmo viajei à última rodada da primeira fase de 2002, quando o Atlético-MG estava classificado, enfrentava o Grêmio e, vencendo, ajudaria o Cruzeiro. Perdeu por 1 a 0. "Mas nós fomos para cima, e me surpreendi porque o Grêmio não nos atacou", lembra o goleiro Velloso, do Atlético-MG.

A derrota atleticana em 2002 foi inocente, mas mostra que arranjos assim não são exclusividade dos pontos corridos. O que agrava esses casos não é a fórmula de disputa, mas a irresponsabilidade das declarações.

O diretor de futebol do Palmeiras, Wlademir Pescarmona, afirmou duas vezes que sua vontade era dar W.O. para o Fluminense, hoje à tarde. Elias, do Corinthians, parabenizou o Corinthians B pela vitória na Copa Sul-Americana, provocação pelo triunfo do Goiás sobre o Palmeiras. Elias esqueceu seu papel público e pôs mais gasolina na fogueira do entreguismo. Esqueceu-se também da violência de uma facção palmeirense, que agrediu Vagner Love há um ano numa agência bancária. E que irá a Barueri só para pressionar o Palmeiras pela derrota prejudicial ao Corinthians.

Não há provas do entreguismo, mas a sensação dele está nas ruas. Daí ser obrigatório procurar, na tabela de 2011, um jeito de expurgá-lo. Ou clássicos estaduais nas últimas rodadas -ainda que isso tire o caráter nacional da decisão- ou com jogos entre times do eixo RJ-SP-MG-RS contra GO-BA-SC- -PR, o que, em teoria, diminui o risco.

Os encontros estaduais esbarram no interesse da TV. Há cinco anos, uma tabela previa uma rodada só de clássicos no meio dos turnos. A TV vetou. Por causa das transmissões, jamais Palmeiras x Corinthians, São Paulo x Santos no mesmo dia.

Por causa do entreguismo, talvez seja preciso rever isso.


* Publicado na Folha de S.Paulo, em 28/11/2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário