No livro “Veneno-Remédio”, de José Miguel Wisnik (Companhia das Letras), o autor remete a uma classificação do cineasta e poeta Pier Paolo Pasolini acerca das padrões de jogo das escolas de futebol como se fossem discursos distintos. Algumas seleções jogariam em prosa – Alemanha e Inglaterra, em prosa realista; Itália, em prosa estetizante –, outras, com destaque para o Brasil, jogariam como poesia. Em suma, o jogo em prosa significa o movimento retilíneo, articulado em prol da eficácia, com um argumento estruturado em busca de uma conclusão: por exemplo, o gol. No caso da poesia, o jogo não é linear, supondo dribles, fintas, toques de efeito, que podem ser eficazes ou gratuitos. Pois bem, a Alemanha que jogou hoje contra a Austrália não deixou de apresentar sua melhor prosa de sempre, mas, também, um quê inusitado de poesia.
Nos primeiros minutos, a Austrália ameaçou incomodar os favoritos, mostrando certa ousadia no ataque. No entanto, tomadas as rédeas, a Alemanha impôs-se com soberania absoluta. Dominou o jogo desde a sua defesa, composta por uma linha de 4, com destaque para o capitão Lahn. A pelota era tocada à exaustão de um para outro, segundo o princípio do “não rifar a bola”, até que os espaços naturalmente fossem abertos. No meio, Khedira, Schweinsteiger e, principalmente, Özil faziam a bola chegar aos atacantes abertos, Müller pela direita e Podolsky pela esquerda, ou diretamente ao goleador Klose, centroavante legítimo. E como essa prosa funcionou!
Há que se ponderar a fragilidade do adversário. A Austrália abusou da linha burra – que fez jus ao nome –, dos cruzamentos para ninguém e dos carrinhos violentos. Em um deles, Cahil foi expulso, deixando o time australiano ainda mais vulnerável. Vale dizer que, no segundo tempo, os australianos melhoraram a marcação na frente, avançando o primeiro combate, causando um ligeiro obstáculo àquela troca de passes dos quatro defensores alemães na saída de bola. Nem por isso, contudo, a soberania alemã foi em algum momento colocada em risco.
Para além do posicionamento perfeito, da disciplina tática, da prosa perfeita, enfim, a Alemanha mostrou seu lado de inusitada poesia, em dois aspectos. O primeiro: a leveza gerada por novos talentos, que faz desta uma seleção muito mais rápida e envolvente que outras Alemanhas mais recentes. O segundo: um desses novos talentos, Özil, que surge como candidato a grande revelação desta Copa do Mundo. Já o coloco ao lado de Messi e Robinho, para mim, os principais postulantes a craque do mundial.
Observações finais: 1) Se não perder a vaga de titular para Cacau, beneficiado por essa equipe tão bem azeitada, Klose deve chegar e quem sabe superar Ronaldo como o maior artilheiro das Copas; 2) Ballack não fará falta nenhuma; 3) Até que enfim um dos grandes da Europa perceberá que o espaço dado a jogadores do próprio país nos seus principais clubes está diretamente relacionado com a renovação e o fortalecimento da seleção nacional (ex: todos os titulares jogam na Alemanha, a maioria no Bayern Munique); 4) Jovens jogadores fazem um time mais leve, não necessariamente mais frágil por ser inexperiente (viu, Dunga!): a média de idade da Alemanha é de menos de 25 anos.
É claro que só foi o primeiro jogo e que o adversário era a Austrália. Mas não apenas pela camisa, e sim, em campo, a Alemanha assume seu lugar entre as grandes favoritas à conquista da Copa do Mundo na África do Sul. Assim como a Argentina, e diferentemente da Inglaterra.
JFQ
Nada o que comentar. João, você disse tudo. Perfeito em cada aspecto analisado. Era apenas a Austrália, mas foi um sonoro 4 X O.
ResponderExcluirBela exibição de uma ótima geração alemã, com Müller e Özil (a cara do Milhouse, dos Simpsons), campeões europeus sub21. Ainda vão ser favoritos em muitas Copas pela frente.
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