sábado, 30 de junho de 2012

Futebol boa roupa

Ruy Castro


Uma novidade da Eurocopa é a exposição pela TV dos uniformes dos jogadores, antes do jogo, no vestiário, como que arrumadinhos por uma mãe zelosa para garotinhos a caminho da primeira comunhão. Posso ver os roupeiros se esmerando para que cada camisinha fique simétrica ao calçãozinho, enquanto os craques, de cueca, esperam que os câmeras se aviem e se mandem.

Como as camisas trazem os nomes dos jogadores, significa que os treinadores divulgaram as escalações com antecedência. O que é normal. Mas, e se um treinador tiver uma arma secreta --um jogador inesperado--, que ele só pretendia revelar a um minuto do jogo, para não dar tempo ao adversário de se precaver? Em nome da TV, isso não será mais possível.

Quando meu amigo Hans Henningsen, o "Marinheiro Sueco", me disse há 20 anos que, para a Fifa, o futuro do futebol estaria na transmissão pela TV e que o jogo no estádio seria um detalhe, não acreditei. Afinal, o que podia superar assistir a uma partida na arquibancada ou na geral, com o calor da massa ao redor? Pois esse futuro chegou.

Hoje, tanto faz que o público do jogo seja de 5.000 ou de 50 mil pes- soas. Para os clubes, a cota da TV, das placas de publicidade e de outras arrecadações laterais são as mesmas. E qual é o problema com os estádios vazios? Afinal, por ordens da Fifa, estádios que comportavam 90 mil ou 120 mil pessoas não têm sido reduzidos à metade, como foi o Maracanã?

Para ela, o ideal seria que esses torcedores privilegiados fossem uma fina classe média, com carro próprio (e haja vagas de estacionamento ao redor) e boa roupa para passear pelos camarotes, sob a mira das câmeras, como coadjuvantes dos convidados e celebridades. Os pobres, os malvestidos e os desdentados, que faziam a massa da torcida, que fiquem em casa, assistindo pela televisão.


Publicado na Folha de S.Paulo, em 30/06/2012.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sim, nós podemos!




É comum ouvir que ser corinthiano é ser sofredor, apaixonado, louco, coisas do tipo. O torcedor mosqueteiro, pelo menos o típico, é fanático, chato até. Há, entretanto, uma característica do corinthiano não tão comentada: ser corinthiano é também ser odiado. Com a mesma força com que sentimos nosso coração bater mais forte pelo Timão, notamos a bílis escorrer pela boca de são-paulinos, palmeirenses e santistas quando o escudo do alvinegro de Parque São Jorge lhes é apresentado.


Sei que hoje e na próxima quarta, dia 4/7, os corinthianos estaremos vidrados, torcendo pelo fim (enfim!) da nossa obsessão pela conquista da América. Ao mesmo tempo em que os arquirrivais estarão vidrados na “secação”, rezando para que não se perca para sempre a piada da Libertadores mosqueteira só no playstation.

A forma mais comum de se odiar os corinthianos – e, por tabela, o Corinthians – é o menosprezo. Visto do pedestal pelos rivais, somos taxados de favelados, analfabetos, pobres, desdentados, negros, ladrões (sem preconceito, claro!), enfim, de formas pejorativamente associadas ao homem do povo. Ser popular, “do povão”, contudo, é para nós motivo de orgulho, jamais de vergonha.

Outros “argumentos” nos são despejados nesse discurso elitista de quem come sardinha e arrota caviar. Eles, sim, têm casa, enquanto nós moramos na “Marginal sem número”. Eles, sim, têm glórias: campeões mil vezes, detentores das taças mais importantes, conquistadas por escretes mágicos, por academias, por gênios como Ademir, Raí e o maior de todos, o rei Pelé. Já nós, somos lembrados pelos times de “faz-me rir”, pelos tabus, jejuns, rebaixamentos e obsessões da vida. Para eles, de nada valem nossos Sócrates, Rivellinos e Marcelinhos, nossas democracias e invasões. Nossos gols são impedidos; nossos pênaltis, roubados; nosso Ronaldo é mais gordo. Até nosso Mundial, ao contrário dos deles, é fajuto.

Por mais fortes e obstinados que sejamos os corinthianos, é certo que tamanho menosprezo, somado aos sofrimentos de costume, levam a, no mínimo, um abalo na auto-estima. Diante desse quadro – todos contra o Corinthians! –, apesar de nos sentirmos realmente especiais, acabamos por vezes sucumbindo à cilada derrotista. Esquecendo das tantas taças e superações do passado – 1977, 1990, 2000, 2008, entre outras –, só nos vêm à mente as frustrações vividas: o gol do Vagner Love, a defesa do Marcos, os sofrimentos que não se tornaram vitórias na undécima hora, como, dizem, é do nosso gosto. Dessa forma, o corinthiano mais simples acaba por acreditar, embora com ressalvas, na máxima dos coirmãos travestidos de Caim: “Essa Libertadores não é mesmo para nós...”

Mas nada como uma vida centenária, nada como o jogo jogado por tanto tempo! Penso que, quando do rebaixamento, o Corinthians viveu seu “momento Scarlett O’Hara”: determinou a si mesmo que nunca mais passaria por tamanha mazela. De Mano Menezes a Tite – a fase gaúcha do Timão –, o time voltou à Série A, venceu Paulista, Copa do Brasil e Brasileirão. Como se não bastasse, está de malas prontas para a casa própria em Itaquera, sede da abertura da Copa do Mundo de 14. Coroando a nova era, reafirma-se altaneiro e chega à sua primeira final de Libertadores. E não se trata de uma Libertadores, mas DA Libertadores: passou pelo Vasco, vice-campeão brasileiro, pelo Santos, time de Neymar e atual campeão do torneio, culminando na final, até aqui invicto, para encarar o argentino Boca Juniors: bicho-papão da América, clube do semi-deus Maradona e onde joga o cracaço Riquelme. Épico, lendário, para dizer o mínimo!

Tite montou uma equipe aguerrida, muito bem entrosada, sabedora de suas funções e objetivos. A partir de um elenco apenas razoável, fez um conjunto invejável, duro de ser batido. Mas o grande mérito desse time não é técnico ou tático, e sim, psicológico: a partir de um time seguro, o torcedor trocou a obsessão de outrora por uma confiança que nem as pechas dos arquirrivais está sendo capaz de abalar.

Assim chegamos ao dia de hoje. Depois de tantas amarguras, a escalada ao topo do futebol fez com que nós, corinthianos, eternos sofredores, tenhamos a convicção plena de cravar: “Sim, nós podemos!”. Qual Obamas brasileiros, negros outrora relegados a posições menores, gente a quem não cabia sonhar, passamos a duvidar e a tornar nossos sonhos realidade.

Claro, respeitaremos o Boca e sua tradição, mas não nutriremos sentimento de medo. Caso nos venham com a história de seis taças levantadas, reforçada com a velha ladainha dos arquirrivais, responderemos com a simplicidade de um povo que sofre, mas supera os obstáculos, e com a potência de um povo em ascensão:

“(Her) Mano, aqui é Corinthians!”.

JFQ

Do chutão

Antonio Prata

Na última quarta, enquanto via o Corinthians passar heroicamente pelo Santos e chegar à sua primeira final de Libertadores, entendi a complexidade e a beleza sutil de uma jogada geralmente pouco valorizada pela crônica esportiva: o chutão.
Embora fracasso de crítica, poucos lances são mais aplaudidos pelo público, no estádio: a bola sobra próxima à área, o zagueiro vem em desabalada carreira e, com um botinaço sem dó nem rumo, a manda para a lateral, para a frente, para a linha de fundo, até, se for o caso: importante é isolá-la. O petardo é dado com uma convicção talvez só comparável à do maestro, no último movimento da batuta, ao final de uma sinfonia, à estocada mortal do toureiro, no cangote da besta arfante, à derradeira ondulação dos corpos no momento preciso do orgasmo. E, enquanto a bola segue sua trajetória rumo ao alambrado, à arquibancada, à rua, à lua e além, a torcida aplaude, vigorosamente.
O que, exatamente, aplaude a torcida? A eficácia da jogada? Não. Se assim fosse, maiores seriam as palmas quando o zagueiro domina a bola e a toca pro lateral, quando a lança para um centroavante e dá início a um ataque: afinal, é mais seguro para o time que se defende manter a bola nos pés que mandá-la para fora e a fazer voltar ao campo nas mãos do adversário.
Acontece que o futebol, embora bretão, não é 100% razão: o chutão, creio, é aplaudido menos por seu efeito prático do que por sua eficácia simbólica. Não é uma solução, mas uma declaração de princípios: aqui estou eu, pondo meu coração na ponta da chuteira, tão empenhado em vencer que, em vez de fazer o que seria mais inteligente, mais prudente, dominar e passar a bola, a enviarei para a Conchinchina. A torcida aceita o paradoxo -um cuidado tão grande que descamba pro descuido- e vibra.
Há na cultura do chutão algo de profundamente brasileiro e essencialmente corintiano. Assisti, por esses dias, a um ou outro jogo da Eurocopa. Poucos são os chutões e, quando há, jamais vêm acompanhados por palmas. Séculos sob a influência de Descartes, Kant e Maquiavel fazem com que o torcedor aplauda lançamentos longos, inversões de jogo, a tática, enfim, as vitórias do intelecto sobre o instinto, do treinamento sobre o falível corpo humano. A vitória do europeu é a vitória da lógica. Já para o brasileiro e, mais ainda, o corintiano, trata-se do contrário. País de traficantes, cativos e degredados, time de maloqueiros e sofredores, a vitória para nós é a coroação da improbabilidade, da reversão de expectativa. Não vencemos "por causa", vencemos "apesar de".
O chutão é, portanto, um ato de fé. A bola que sobe aos céus é uma humilde oferenda aos deuses, levando consigo todo nosso empenho, nossa devoção, levando a crença de que, apesar de nossas falhas e fraquezas, se dermos tudo de nós, as divindades descerão de suas altas moradas e nos auxiliarão com aquele gol de canela, no rebote do escanteio, aquele gol de barriga, aos 47 do segundo tempo; aquele gol tão corintiano, capaz de, por instantes, redimir nossa sofrida humanidade.
Que os deuses estejam conosco, esta noite. Vai, Curintcha! E bola pro mato, que é jogo de campeonato!

Publicado na Folha de S.Paulo, em 27/06/2012.

Vai, Boca!

Lúcio Ribeiro



Alguém vai ter que dizer isso em público. Então lá vai: "Perde, Timão". Obviamente, não sou corintiano. Muito pelo contrário, hehe. Então me deixa torcer contra, urubuzar, corvar (Xico Sá), trollar (verbo muito usado pela nova geração internética).
Há tempos querem acabar com a graça do futebol. Não tem mais bandeira, não tem batuque, não tem cerveja. E tem a Globo falando que o "Corinthians é Brasil na Libertadores", por mais que a gente saiba que não é, eles insistem. O Corinthians é Corinthians na Libertadores.
O vizinho de coluna Juca Kfouri publicou em seu blog um "novo censo" do país. O povo brasileiro está formado por 30 milhões de corintianos e 120 milhões de "argentinos". Se vira, Timão. A glória vai ser toda sua. O fracasso, também.
Há 12 anos, quando o mesmo Boca fez a final da Libertadores com o Palmeiras, os 30 milhões de fiéis eram "argentinos". Até camisa meio a meio foi confeccionada aos montes.
Hoje é normal corintiano dizer, na pressão absurda do título inédito e com a diretamente proporcional secação que sofrem, para os adversários irem se preocupar com os seus times. Bobagem.
Viva a sacanagem no trabalho, na escola, no e-mail, no SMS, no Twitter. É ela que move o futebol. Sou de São Paulo, mais ainda da zona leste, bairro do Corinthians. Muitos dos meus bons amigos são corintianos. Muitos dos meus primos também. O meu pai é corintiano. Entende que eu não desejo a morte de nenhum deles? Mas não me peça para ficar a favor ou mesmo neutro num jogo como esse.
Até pelos meus queridos acima, não seria a pior coisa do mundo se o Timão acabasse logo com esse sofrimento de Libertadores. Eles ficariam felizes e eu, por tabela, acho, sei lá, um pouco. Isso apesar de meu amigo Eduardo guardar até hoje uma faixa de campeão de 1986 da Inter de Limeira, quando o time do interior ganhou do Palmeiras. O Eduardo FOI ao jogo secar. Maldito.
Mas, para o futebol, o Corinthians ganhar o título seria mais uma piada a acabar. Que chato!
Assim que o Timão passou pelo Santos e se credenciou às finais, um dos "trending topics" do Twitter foi "São Caetano". Não que o Azulão tenha feito algo naquela noite nervosa de Libertadores e Copa do Brasil. Eram os rivais parabenizando os corintianos sobre o feito histórico alvinegro (101 anos) de ter se igualado ao São Caetano (22 anos) e chegado a uma final sul-americana. Era o que restava aos "anticorintianos" naquele momento.
O negócio é que corintianos e os "anti" estão juntos nesse jogo de amanhã. Não do mesmo lado. Mas que graça teria se estivessem?

Publicado na Folha de S.Paulo, em 26/06/2012.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Templos: La Bombonera




Na próxima quarta-feira, dia 27/6, ocorre a primeira partida das finais da Copa Libertadores da América, entre Boca Juniors e Corinthians. O jogo, que promete um roteiro épico envolvendo o escudo argentino, maior vencedor recente do torneio, e o brasileiro, obcecado pelo título inédito, será realizado no legendário campo de La Bombonera.

Apesar de não ser o maior estádio de Buenos Aires – tem capacidade para aproximadamente 40 mil torcedores, bem inferior aos mais de 70 mil do Monumental de Nuñez, casa do River Plate –, La Bombonera é, certamente, o mais conhecido e respeitado templo do futebol portenho. Pelo menos para “nosotros”, brasileiros, acostumados a temer o sempre forte escrete azul e amarelo do bairro de La Boca.

Tive a oportunidade de visitar La Bombonera no final do ano passado. O bairro fica na fronteira de Buenos Aires com Avellaneda. Fica bem ao lado do Caminito, bastante visitado por turistas, e próximo ao bairro de San Telmo, onde ocorre uma das mais tradicionais feiras de pulgas local. La Boca é um bairro relativamente pobre, afastado, mas não tão distante da região central (Plaza de Mayo).

Na calçada em frente ao estádio, há uma constelação com nomes e, em alguns casos, pés dos principais craques que jogaram pelo Boca. Logo na entrada podem ser vistas estátuas de Maradona, Palermo e Riquelme.

O estádio conta ainda com um belo museu – Museo de La Pasion Boquense – e visitas diárias, guiadas ou não, dependendo do horário. Infelizmente, não pude fazer a visita guiada, com direito a passar pelos vestiários, pisar na beira do gramado e conhecer muito da história do clube por meio de um guia que acompanha os visitantes.


No museu há uma sala especial para Diego Armando Maradona. Também há várias camisas de diferentes épocas do clube, além de peças históricas, vídeos com jogos, fotos e o principal: as várias taças conquistadas pelo Boca Juniors.

Para os brasileiros, especialmente para os santistas, deve emocionar uma camisa do Peixe, utilizada por Pelé. Vale lembrar, foi em La Bombonera que o Santos conquistou sua segunda Libertadores, em 1963.

La Bombonera tem esse nome pela similaridade com uma caixa de bombons. Tem arquibancadas em formato de “U”, muito altas e próximas ao campo. Fechando o contorno, uma estrutura de camarotes, onde, inclusive, Maradona tem um espaço exclusivo, bem ao centro.

Abaixo, link para um vídeo que fiz dessa visita:

Quem for a Buenos Aires, vale muito a pena dar uma passada em La Bombonera. Para os apaixonados por futebol, é visita obrigatória.

JFQ

Repressão e fantasia

Tostão

As principais esperanças do futebol brasileiro, Neymar, Ganso, Lucas, Oscar e Leandro Damião, não estarão nas finais da Copa do Brasil e da Libertadores. Nas semifinais, predominou o jogo coletivo do Corinthians e do Coritiba.
Neymar, em campo, ainda não atingiu a simplicidade dos maiores craques. Messi é conciso e objetivo. O mesmo acontece em todas as atividades. Talento é tornar simples o que é complexo. Muitos confundem simplicidade com simplismo e ingenuidade.
Toninho Nascimento, editor do jornal "O Globo", disse, com exagero e com razão, no pro- grama Redação Sportv, que Ganso, contra o Corinthians, parecia um ex-craque em uma pelada de veteranos.
Escrevi que o Corinthians, por causa da rigidez tática e do futebol compacto, é o mais europeu dos times brasileiros. No Brasil, é comum associar disciplina tática com futebol feio e pragmático. Nem sempre. Todas as grandes equipes, com todos os estilos, como a seleção brasileira de 1970 e o atual Barcelona, são disciplinadas taticamente. Unem a disciplina com a fantasia e a improvisação.
A disciplina e os esquemas táticos são a forma, o suporte, para os craques brilharem. São também uma mensagem aos jogadores, que eles não podem ultrapassar certos limites, fazer tudo o que desejam, e que suas ambições não podem atropelar o conjunto.
Assim é também na vida. O esquema tático é o superego, a consciência dos atletas. Mas, se os treinadores e os Zé Regrinhas forem excessivamente rígidos, vão inibir a inventividade e a espontaneidade dos jogadores e dos cidadãos.
Uma das razões da queda de qualidade do futebol brasileiro é que os treinadores, desde os das categorias de base, entendem muito de disciplina, estratégia, esquema tático, e pouco de futebol.
As grandes equipes não ganham sempre, nem os vencedores são sempre grandes equipes. O Chelsea, campeão da Europa, e o Corinthians, se ganhar a Libertadores, não são grandes times. São organizados e eficientes. Falta mais talento. Em muitos momentos dos dois jogos contra o Santos, o Corinthians, que costuma marcar por pressão, atuou como o Chelsea, nos confrontos contra Barcelona e Bayern, com oito jogadores à frente da área.
Jogar dessa forma não é pecado nem proibido. Temos de respeitar, compreender as razões e as necessidades da equipe e reconhecer seus méritos. Mas a função do comentarista não é apenas exaltar os vencedores. É, principalmente, ser crítico e exigir melhores espetáculos.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 24/06/2012.

O mais importante

Juca Kfouri



Os embates mais importantes da centenária história corintiana não serão os contra o Boca Juniors nas duas próximas quartas-feiras pela decisão da Taça Libertadores da América.
Os 180 minutos que definirão o campeão, serão, no máximo, considerados o terceiro confronto mais importante da vida do Corinthians.
Porque o mais importante, acreditem ou não as novas gerações, foi mesmo o de 1977, pelo Campeonato Paulista, que, então, era considerado mais relevante que o Campeonato Brasileiro. (Prova disso foi que, em 1979, Corinthians, São Paulo e Santos abdicaram de disputar o torneio nacional para se dedicarem ao estadual).
O que estava em jogo naquela decisão contra a Ponte Preta era o fim de um trauma que já durava mais de duas décadas, um sofrimento sem fim, uma verdadeira humilhação, que precisava acabar para parir uma nova era. Que veio. Algo que quem não viveu não é capaz de imaginar.
O segundo jogo mais importante foi o da decisão do primeiro Mundial de Clubes da Fifa, em 2000, contra o Vasco, no Maracanã.
Aqui não se entrará na inútil polêmica em torno do título, porque a discussão em questão se limita aos corintianos, pouco importando, para eles, o que pensam os que não sejam.
Porque o fato é que os corintianos festejaram, e muito, seu primeiro título mundial.
Pensam agora no bicampeonato, contra o Chelsea, se passarem pelo Boca Juniors.
Contra quem farão, repita-se, seu terceiro jogo mais importante, para ocupar a vaga da disputa contra o São Paulo, em 1990, quando se conquistou o até então inédito título brasileiro, no Morumbi, estádio palco também do epopeia de 1977.
Tite não confessará, mas há de ter torcido pela Universidad de Chile, obstáculo menos difícil de ser vencido na final.
A alma corintiana sente diferente.
Quer o mais complicado, o mais épico, o hexacampeão Boca Juniors, que fulminou Cruzeiro, Palmeiras, Santos e Grêmio em quatro das nove decisões continentais de que já participou.
Se for para ganhar, que seja assim, depois de derrotar três grandes campeões da Taça.
Imagine a festa de uma gente que saiu na pré-Libertadores no ano passado se a vencer no seguinte.
Imagine, ainda, se a Libertadores vier sem derrota, campeão invicto depois de 14 jogos.
Só não será maior do que foi a de 1977.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 24/06/2012.

domingo, 24 de junho de 2012

Lorde Jorge

José Roberto Torero

Depois do empate entre Santos e Corinthians pela Libertadores, eu teria que me encontrar com Lorde Jorge, o balconista do Bar da Preta. Eu, santista. Ele, corintiano. Eu, eliminado. Ele, finalista.
Atravessei a rua pensando nas gozações que teria que escutar. Poderia ser algo como "Os Smurfs foram comidos pelos gaviões?", ou "O Neymar precisa descansar mais um pouco, dá férias para ele", ou ainda "O Ganso migrou para o Sul? Porque no jogo ele não apareceu".
Mas Lorde Jorge não precisava falar só do jogo. Havia outro tanto de vantagens que ele poderia arrotar: "Veja só, meu amigo, temos a maior torcida do Estado, somos campeões brasileiros, nossa casa está ficando pronta, ganhamos mais dinheiro do que qualquer outro clube brasileiro e agora estamos na final da Libertadores. Na arquibancada, no cofre ou no campo, somos os maiorais".
Pensava nessas frases e no quanto elas são verdadeiras. Realmente o Corinthians está por cima da carne seca. Pode ser o início de uma era alvinegra, assim como houve outra, de outro alvinegro, nos anos 60. Se o clube do Parque São Jorge tiver uma série de executivos razoavelmente competentes, o Corinthians pode vir a ser uma potência como nunca foi.
Caso isso aconteça, pobres dos ouvidos dos outros torcedores. É que os corintianos não gritam apenas pela alegria da vitória. Eles gritam pela alegria de gritar pela vitória. Eles não apenas amam o clube. Eles amam amar o clube. E, pior, trata-se de um amor exibicionista. Mais ou menos como aquele sujeito que não apenas dá flores à mulher, mas faz isso de joelhos e cantando um bolero.
Era algo desta natureza que eu esperava de Lorde Jorge. Um espezinhamento cruel e implacável. Porém, quando entrei no Bar da Preta, ele não falou uma palavra sobre o jogo. Perguntou o que eu queria, fez comentários sobre o clima, mas não tocou em assuntos futebolísticos.
A cada vez que ele passava pela minha frente no balcão, meus ouvidos esperavam a piada dolorosa, o chiste agudo, a chalaça maldosa. Mas Lorde Jorge mantinha-se impassível, como se nada tivesse acontecido. Foi então que eu, não aguentando mais a tortura da espera, levantei a bola:
--E aí, seu time vai ser campeão?
Ele parou, pensou um pouco e respondeu:
--Pode ser, porque passou pelo Santos, que é bem melhor que o Boca.
Ou seja, ao mesmo tempo em que assumiu apenas uma certa possibilidade de glória, fez um elogio ao meu time derrotado.
Um lorde esse Jorge.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 23/06/2012.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Coração na boca

Juca Kfouri



Que o jogo no Pacaembu, com 38 mil torcedores, esteve longe de ser um bom jogo de futebol nem é preciso dizer.
Quem viu, viu.
E houve quem visse sem ver.
E só aí é que o jogo não foi apenas bom, foi muito bom, extraordinariamente emocionante, embora as chances de gols possam ser contadas nos dedos de uma mão.
Mais que emocionante, na verdade, porque tenso, tenso até a medula.
O Corinthians fez quase tudo errado no primeiro tempo ao permitir que o Santos fizesse, no Pacaembu ensandecido, o que não fizera na Vila Belmiro.
Esperou demais o Santos em seu campo esquecido daquilo que Armando Nogueira ensinou: e o deus do estádio castigou quem o craque fustigou.
Neymar começou e acabou a jogada do gol santista, para sorte do Corinthians.
Porque exigiu que o Corinthians voltasse no segundo tempo para jogar ao seu estilo, coisa que se o gol tivesse acontecido mais para o fim do jogo teria sido impossível.
Por dessas ironias do futebol, Liedson entrou e sofreu a falta que levou ao empate no pé salvador e irritantemente tranquilo de Danilo.
Agora é ver na noite de hoje, em Santiago, se o Boca Juniors, em busca do heptacampeonato da Libertadores, com 2 a 0 na frente, ou a Universidad de Chile, o estilo mais perto de Barcelona que temos no continente americano.
O que se sabe é que a primeira final corintiana na Libertadores será disputada no Pacaembu, no dia 4 de julho, por coincidência, o Dia da Independência americana e, quem sabe, também o que torne a vida corintiana livre dessa obrigação de ganhar o único título que lhe falta.
Esse time alvinegro está longe de ser um time inesquecível, mas nunca esteve tão perto de se tornar um time inesquecível.
Coisas do futebol que é muito mais que um jogo disputado nas quatro linhas do gramado.
Outra vez ontem isso ficou provado, porque o que decidiu a vaga brasileira na final da Libertadores foram muito mais a alma e o coração, que pulsava na garganta e ameaçava sair pela boca, do que uma exibição digna de nota.
Tomara que contra os argentinos ou os chilenos possamos ver mais beleza do que vimos ontem.
E tomara que o coração suporte um embate que parece ser o de um time contra o mundo.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 21/06/2012.

Problemas que os cartolas não querem solucionar

Dois lances, em partidas decisivas realizadas nos últimos dias, foram alvo de muita discussão. Apesar do bafafá, estou convicto que se trata de dois pseudo-problemas. Ou melhor, de problemas cuja solução é fácil, óbvia até, mas que ninguém quer realmente implementar.


O primeiro lance é o gol não marcado da Ucrânia sobre a Inglaterra, pela Eurocopa. A TV mostrou inúmeras vezes, por diferentes ângulos, sem deixar dúvidas: o zagueiro inglês John Terry tirou a bola de dentro do gol. Não obstante, o bandeira não assinalou e o juiz não validou o que seria o tento de empate do time da casa. Caso assinalado, o gol poderia ter sido o primeiro passo para salvar a seleção ucraniana da eliminação. Poderia ter mudado a história do jogo, quiçá do torneio. Nos botecos e mesas redondas da vida ouvem-se vozes pedindo a cabeça da arbitragem. No entanto, pouco se diz sobre a solução definitiva do problema: o auxílio da tecnologia para dirimir dúvidas do tipo. Aliás, um auxílio já utilizado em outros esportes, como o tênis e o futebol americano.



O segundo lance foi o entrevero envolvendo o jogador Adriano, do Santos, com um gandula, na partida em que o Peixe terminou eliminado pelo Corinthians da Libertadores. Neste caso, nem arbitragem, muito menos gandula devem ser responsabilizados pela eliminação santista. Porém, há que se concordar com Cléber Machado, da TV Globo, que lamentou do quão chato é essa “praxe” de gandulas no Brasil, bastante “participativos” – ora retardando, ora acelerando as jogadas –, sempre em benefício do time da casa. Creio que o único fator extra-campo legítimo favorável ao time da casa é a torcida em número maior; no mais, só é aceitável a disputa de onze contra onze dentro das quatro linhas. Só fiquei frustrado com a falta de um comentário complementar do narrador da TV Globo: por que os gandulas são designados pelos clubes e não pela Federação ou pela CBF? Em outras palavras, por que não há gandulas profissionais e neutros, assim como – supostamente, pelo menos – o são os componentes da arbitragem?

Em suma, que me perdoem os revoltados de plantão, mas os verdadeiros culpados a quem deveriam voltar seu chororô não são nem bandeirinha, nem árbitro, nem gandula. São aqueles que têm o poder de mudar as regras e procedimentos do futebol – alguns bem simples, aliás – mas, por algum motivo, não o fazem.

JFQ

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O dia D, de dispensa

José Roberto Torero

Eles são mais ou menos 40. Talvez 50. Todos têm 16 anos. E já estão lá há um bom tempo. Dois, três, até quatro anos. A maioria vive longe de suas famílias. Só alguns conseguem pegar um ônibus para visitá-las no fim de semana.

Os quartos são pequenos, embaixo das arquibancadas. Eles dormem em beliches. Às vezes, treliches. Vieram de todos os cantos do Brasil. Uns são tímidos, outros, extrovertidos. Uns, bagunceiros, outros, organizados. Uns ainda têm espinhas. Outros já cultivam uma barba rala.

Estudaram nas escolas pagas pelo clube. Mas são escolas ruins, escolhidas para que eles passem sem muita dificuldade. É bom não perder muito tempo com coisas sem importância, coisas como português, matemática e ciências.

Hoje é o dia D. O dia das dispensas. O dia da volta dos que não foram escolhidos. O primeiro dia do resto de suas vidas. Eles vão para o ginásio. Sentam-se no chão. O diretor segura uma prancheta. Começa agradecendo pelo trabalho e disposição de todos, mas infelizmente o clube vai ter que cortar gastos. Depois diz que chegaram até ali porque têm algum valor, mas que o funil vai afinando e não há espaço para todos. E avisa que vai dizer os nomes dos dispensados.

Os garotos se ajeitam. Se fossem cães, as orelhas estariam em pé. O silêncio é total. Ninguém faz piadinhas. Eles sabem que talvez tenham que voltar para casa. Serão anos jogados fora. Deixaram de estudar sério para tentar a sorte no futebol. Mas deram azar. Voltarão como rejeitados. O diretor começa a dizer nomes: "Luiz Fernando, Alexandre Gomes, Maurício Arruda, Cláudio Gobbetti, Marco Aurélio, Paulo Santana, Marcelo Lira, Edgar Lemos e Dirceu da Silva. Espero que vocês não desistam. Boa sorte".

Os garotos tentam segurar o choro. Mas nem todos conseguem. Um não para de enxugar as lágrimas, outro chora de fazer barulho. Os que ficam dão tapinhas nas costas dos que irão. Estão tristes pela perda dos amigos e contentes por não terem sido escolhidos.

Luiz Fernando será vendedor de carros usados, Alexandre irá trabalhar de garçom, Maurício vai virar professor de educação física, Gobbeti será policial, Marco seguirá a carreira de pastor, Paulo será padeiro, Marcelo chegará a gerente de cinema, Edgar será borracheiro e Dirceu passará por times de seis Estados do Nordeste, abandonando a carreira aos 29 anos.

Uns serão tristes, e outros, felizes. Mas mesmo estes, de vez em quando, quando virem um jogo daquele time na TV, soltarão um suspiro e pensarão: eu podia estar ali.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 16/06/2012.

Jogo das 1.001 noites

Xico Sá

Amigo torcedor, amigo secador, coube a um dos maiores escritores do mundo, o espanhol Javier Marías, em crônica para o jornal "El País", exaltar, peça de brilhante defesa, a saudável função do futebol como ópio do povo -este velho tabu que nos persegue até hoje.

Marías tratou da necessidade dos esclarecidos europeus, não "nosotros" colonizados tapuias, aliviar a barra da realidade econômica com a Eurocopa. Em vez das obras de Marcel Proust ou de Sartre, a bola. Com a mesma função da literatura: suspender, por um momento que seja, o pesadelo da realidade. Nisso o futebol é melhor ainda do que o maior dos Kafkas ou Quixotes. Eu acredito.

Repare, amigo, nesse Santos x Corinthians, Corinthians x Santos, na Libertadores, começou quase um mês atrás e parece não terminar nunca, ainda mais agora, com o time mosqueteiro quase na final da obsessiva e secular peleja. Quase campeão, quase.

Tem jogo que não termina nunca mesmo, vara o calendário, move montanhas, moinhos e botecos, anota certezas bíblicas na súmula, fala a incompreensível língua dos sábios comentaristas, para tudo recomeçar, quase do zero, na noite da próxima quarta-feira.

Pobre de quem pensa que a partida são os 90 minutos no campo. Ignora a capacidade da imaginação de milhares de narradores que acordam, rezam, comem, dormem sonhando com a disputa. Como dizia meu amigo doutor Sócrates (Santos desde criancinha e corintiano enquanto jovem artista da bola), o futebol é mesmo um engradado de surpresas. Quem perder a aposta, meu jovem, devolve os cascos, os vasilhames, na esquina. Passa a régua.

Vale pela função narcótica. Pela história que cada jogo conta, qual uma linda e misteriosa Sherazade, para nos engambelar na vida. E temos escritor capaz de manter esse suspense? Não mesmo. Somente este interminável Corinthians x Santos nos mantém vivos até o próximo embate.

Repare quantas "verdades" discutiremos até lá e dias depois: Neymar não é de nada (livro dos Corintios), o alvinegro tem sob controle total qualquer jogo da Libertadores, o futebol-arte do Santos pode fazer um milagre etc. etc. Verdades absolutas até a próxima quarta.

E justiça seja feita à margem esquerda do Tietê. Antes mesmo do Javier Marías, a dupla MarkAntonyo e Franco 4 Dedos, editores de "O Ópyo do Povo", novíssimo periódico anarcorintiano de SP, havia cantado a bola. Só o futebol anestesia mais gostoso.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 15/06/2012.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Uma derrota de ouro

Juca Kfouri


No clima desta Eurocopa, que começou tão bem com quatro bons jogos em belíssimos gramados, a seleção olímpica do Brasil disputou brilhantemente um clássico do mesmo quilate contra o time principal da Argentina, sob o comando do melhor do mundo, o genial Lionel Messi, que quase "só" fez três gols em 90 minutos.

Mesmo sem o comando do já experiente zagueiro Thiago Silva, a meninada de Mano Menezes mostrou que o caminho para Londres está correto e que tem tudo para culminar com a medalha de ouro na Olimpíada.

Porque o time mostrou outra vez ter qualidades indiscutíveis e também porque Lionel Messi não estará no Reino Unido, assim como não estarão seus companheiros bicampeões olímpicos.

Nas inevitáveis comparações entre Pelé e Messi, vale lembrar que o Rei marcou três vezes no clássico entre as duas seleções, em 1963, numa vitória por 4 a 1, no Maracanã, pela Copa Roca, jogo que teve prorrogação para desempate e que terminou 5 a 2, mas entre os times principais.

Com um pouco mais de tranquilidade e com um pouco mais de boa vontade da arbitragem, a derrota por 4 a 3 seria, no mínimo, um empate, resultado justo para o que os dois times mostraram em Nova Jersey -e não será exagero dizer que, se uma seleção merecia a vitória, esta deveria sorrir para os meninos de Mano.

Claro, descontado o fato de que Lionel Messi joga de azul, e aí não tem justiça ou injustiça que dê jeito, porque ele é simplesmente fatal, diabólico, imparável, principalmente se quem tiver a missão estiver ainda meio que de fraldas, como os dois volantes e os dois zagueiros brasileiros.

Não é mentira dizer que o balanço dos quatro jogos foi positivo, apesar de duas derrotas.

Até mesmo porque a derrota de ontem foi muito mais digerível que a contra os mexicanos, o que revela que o time progrediu e que, com alguns ajustes, talvez Alexandre Pato no lugar de Leandro Damião, o rendimento possa ser ainda melhor, principalmente se Paulo Henrique Ganso voltar em forma para compor um meio de campo que não precisará abrir mão de Oscar.

A preocupação maior fica por conta de Marcelo, ótimo lateral, mas com a cabeça de Júnior Baiano, de Felipe Melo, de quem você aposta que mais cedo ou mais tarde aprontará e deixará o time na mão. Como ele já passou dos 23 anos, não há por que arriscar e talvez por isso José Mourinho prefira o português Fábio Coentrão.



Publicado na Folha de S.Paulo, em 10/06/2012.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Mais um recomeço

Antero Greco


O senso comum diz que todos merecem segunda oportunidade, se falharem na primeira. Pois entendo que lhes podem ser concedidas terceira, quarta, quinta chances de recuperar-se - ou tantas quantas forem necessárias. Se, afinal, houver resgate, terá valido a pena perseverar. Se o fiasco for inevitável, pelo menos restará como consolo o fato de que se tentou. O ser humano não é um circuito fechado, e ruim é a intolerância.


O Atlético-MG concede a Ronaldinho Gaúcho a terceira ocasião de reviver o exuberante auge da carreira, alcançado nos tempos iniciais de Barcelona e que se esgotou lá por 2006, por coincidência e ironia depois da Copa da Alemanha, aquela em que deveria ter sido protagonista. O time mineiro aposta no talento incomum do ex-melhor do mundo, assim como antes o fizeram Milan e Fla.

O investimento de risco começa, em parte, na noite de hoje, na partida que o Galo faz com o Bahia, no Estádio Independência, na retomada do Campeonato Brasileiro. Ronaldinho não jogará, ao contrário do que pretendia o clube, porque a CBF não tornou oficial a inscrição dele. Mesmo assim, terá contato com o público local, com a gente com a qual vai conviver nos próximos seis meses. Apresentação discreta, bem diferente daquela que encontrou nas chegadas anteriores, desde a época em que desembarcou no Paris Saint-Germain no começo dos anos 2000 vindo de Porto Alegre.

A intenção de ter cerimônia singela é proposital, garantem dirigentes do Atlético. Essa a maneira encontrada para passar o recado de que Ronaldinho chega em Belo Horizonte com status de atleta comum, sem badalações, sem fogos, sem trios elétricos, sinfônicas, fanfarras, grupos de rock ou pagode. Não usará nem a camisa 10, mas a 49, que estava disponível e que servirá como homenagem ao ano de nascimento da mãe, que passa por momento de saúde delicado.

O Atlético não rebaixa Ronaldinho ao agir assim; caso contrário, não teria aceitado a proposta de ser-lhe a boia salva-vidas. Os números dos últimos anos mostram que o astro oferece ao público parte pequena de seu repertório outrora fabuloso. Ele ficou sovina, por razões pessoais, talvez por abrir o foco para interesses fora dos gramados. Daí o rebaixamento de status- se bem que Ronaldinho meia-boca ainda é melhor do que muitos de seus companheiros.

O Atlético foi a opção viável para Ronaldinho, quem lhe abriu portas. Não vai demérito ao tradicional alvinegro mineiro, longe de ser um Caixa Prego FC. Só que não se pode ignorar a perda de valor e de mercado de um craque antes disputado a tapas. Em sua terra natal, não havia possibilidade de reconciliação com o Grêmio e é inconcebível a ideia de atuar pelo Inter. Clubes do Rio e de São Paulo disseram-lhe vá em frente e boa sorte. Centros emergentes do Leste Europeu, China e arredores tampouco se manifestaram.

O caminho é o Atlético-MG. Se Ronaldinho levar a sério, o acordo será benéfico para todos. O time contará com um dos mais criativos boleiros das últimas décadas. O profissional reconstrói imagem vencedora, apaga um pouco a pecha de baladeiro e, quem sabe?, ganha fôlego para voos lucrativos no que lhe resta de carreira, que embicou para a reta de chegada.

A bola está com Ronaldinho. É direito dele mostrar que não acabou e que consegue arrancar aplausos. Por isso, ao escrever a crônica, me vieram em mente versos de Bastidores, uma das obras-primas do Chico. "Cantei, cantei, nem sei como cantava assim. Só sei que todo o cabaré me aplaudiu de pé, quando cheguei ao fim..."

Publicado em O Estado de S.Paulo, em 06/06/2012.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Templos: New Meadowlands ou MetLife Stadium

Esta é a primeira postagem da série “Templos”, destinada a falar de estádios do Brasil e do mundo. São relatos de quem esteve no estádio, em dia de jogo ou não, mostrando como se chega, quais as características do local e algumas impressões pessoais. Quem visitou algum grande templo do futebol, sinta-se à vontade para enviar seu relato.
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Inauguro a série “Templos” falando do New Meadowlands (ou MetLife Stadium), em Nova Jersey, Estados Unidos. O local é utilizado comumente para jogos da NFL, o futebol americano. Às vezes, também é utilizado para o soccer, ou melhor, para o futebol de verdade... Aliás, trata-se da arena onde o Brasil enfrentará a Argentina no próximo sábado, dia 9/6/12. Também é o estádio onde Mano Menezes fez sua estreia na seleção brasileira, assim como Neymar, que também assinalou seu primeiro gol com a camisa canarinho.

Fui ao estádio em outubro de 2010 para ver uma partida da NFL, entre New York Giants e Detroit Lions. Logo de cara, chama atenção a facilidade de acesso. Partindo da estação Pennsylvania, em Nova York – mais conhecida como Penn Station, localizada embaixo do Madison Square Garden, e conectada à extensa malha do metrô –, o trem vai até uma estação em Nova Jersey, cidade vizinha. Faz-se a baldeação, tomando-se outro trem, cujo ponto final fica exatamente em frente à arena.

O New Meadowlands – arena multiuso construída em parceria entre duas franquias de futebol americano de Nova York, o Giants e o Jets – fica afastado da cidade, uma tendência das arenas atuais. Possui lojas de roupas e vários restaurantes. Tem até sanduíche de pernil, muito parecido com o vendido nas imediações dos estádios brasileiros. Cerveja é vendida sem problemas, com apresentação de documento de identificação; no meu caso, o passaporte. É frequente a movimentação das pessoas, no decorrer das partidas, para comprar os comes e bebes. Em suma, é intensa a comilança e a “bebelança” no estádio; dependendo da partida, mais intensa que a torcida pelas equipes em campo. Eis um ponto importante: convenci-me de que, apesar do inegável prazer em ver um joguinho enquanto se saboreia uma breja gelada, o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios brasileiros deve continuar proibido. A propósito, no trem de volta para NY, haviam dois garotos completamente bêbados; um deles, inclusive, quase não conseguiu sair, quando da baldeação, para vomitar.
Deixando de lado a parte escatológica, também chama atenção os assentos, todos numerados e relativamente confortáveis. São facilmente encontrados, em que pese os mais de 80 mil lugares disponíveis. Detalhe: em geral, o estádio fica lotado nas partidas da NFL. Nesse dia, inclusive. E grande parte do público só toma seus assentos a poucos minutos do início do jogo.
Filmei algumas passagens da experiência aqui relatada. Podem ser conferidas pelo link abaixo:
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Para terminar, uma pergunta: por que estão discutindo a possibilidade de fechamento do metrô Corinthians-Itaquera em dias de jogos? Além do New Meadowlands e outras arenas no exterior, aqui mesmo no Brasil, o Maracanã é um exemplo de estádio com metrô em frente. Claro que questões de segurança devem ser consideradas. No entanto, é perceptível – e irritante – a facilidade com que autoridades e especialistas encontram soluções em detrimento da rapidez, do conforto e da comodidade (por coincidência, o slogan do Metrô de São Paulo) dos torcedores, supostamente cidadãos. Não há outra saída para melhorar a segurança na saída dos jogos?
JFQ