quinta-feira, 24 de maio de 2012

Lindo Chelsea

Rodrigo Bueno



A fila estava maior do que as de alguns "filmes cabeça" e de uns "filmes B" que vi recentemente no cinema. Acho que só mesmo "Os Vingadores" agitaram mais as telonas nos últimos dias do que a decisão da Champions League, que empolgou o grande público só a partir do final do segundo tempo.

Pela primeira vez fui ver um jogo todo em 3D. E na verdade não vi, pois deu um pau no sistema do cinema, e a galera, revoltada, engoliu o bom e velho 2D. Dois homens de meia idade, bem arrumados, trajavam camisas do Bayern. E dezenas de garotos (alguns poucos engomadinhos) vestiam Chelsea, que em campo não animava muito, assim como o jogo.

Dava para ouvir os resmungos de um senhor na prorrogação temendo o título do Chelsea, o que seria, segundo ele, um "crime" contra o futebol. Enquanto isso, a garotada que abraçou os Blues sorria cada vez mais, tanto que uma moçadinha se levantou e foi conferir a disputa de pênaltis de pé, todo mundo colado na tela e fazendo guerra de almofada (o pessoal estava tão convicto no título quanto na curtição de adotar um time da Premier League).

De fato foi uma experiência bem "diferenciada" para este jornalista que tinha acompanhado in loco três das quatro finais anteriores da Champions. E valeu o ingresso (me devolveram os R$ 60 da entrada por causa da pane no 3D).

O Bayern é melhor sim, mas sucumbiu diante do time que já nem é tão da moda (o Manchester City é o novo Chelsea, afinal). Quando o destino e os deuses do futebol querem uma coisa, não tem jeito. Não tem pênalti (burro é quem deixou o amarelão Robben bater), não tem desfalques (Ramires, Terry, Ramires, Ivanovic, Ramires, Meireles, Ramires...), não tem dono da casa (Allianzaço), não tem posse de bola (tão sacaneada nesta temporada), não tem planejamento (o Chelsea tem seus "jogadores-senadores" como técnico), não tem nada. Não era para o Chelsea ganhar a Europa este ano, mas foi!

É chavão comentarista dizer em seu país que o título, seja de que time for e como for, é "merecido", mas o que mais tem é gente desmerecendo a conquista épica dos Blues.

Se fosse um Grêmio feio campeão, seria copeiro. Se fosse um Corinthians feio campeão, seria na raça. Se fosse um Flamengo feio campeão, seria por causa do manto. Se fosse uma seleção brasileira feia campeã, seria porque os brasileiros são os reis do futebol mesmo. Mas foi um Chelsea feio, que fica do outro lado do Atlântico, que ergueu a tão badalada taça. Foi lindo!



Publicado na Folha de S.Paulo, em 23/05/2012.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Quando os campeões são de fato os melhores

Ainda que não tivessem levantado canecos no último domingo, estou convicto de que Santos, Fluminense, Internacional, Atlético Mineiro, Coritiba e Bahia são, hoje, as melhores equipes de seus respectivos estados. Nem sempre o campeão (conquista objetiva) é o melhor (avaliação subjetiva). Na minha modesta opinião, 2012 deve ser lembrado como o ano em que as equipes mais bem montadas, com os melhores jogadores, mais competitivas e com o futebol mais vistoso – as melhores, enfim – foram as que comemoraram os títulos de campeãs estaduais.


Já virou lugar-comum elogiar o Santos da “era Neymar” comparando-o com o da “era Pelé”. Diferenças de conjunturas à parte, o que há em comum é o encantamento que o Peixe provoca nos amantes do bom futebol, independentemente de serem ou não santistas. É difícil admitir, mas até eu, corintiano, gosto de ver as diabruras de Neymar, Ganso e companhia. Além da competição, da rivalidade, da luta, do jogo em si – em que um ganha e outro perde –, o futebol também atrai as atenções pela beleza das jogadas, pela habilidade, inventividade, criatividade, plasticidade, etc., demonstradas em campo. Hoje, não apenas no Brasil como em todo o mundo, o Santos é um dos principais expoentes do futebol-arte. Ou seja, não dá para refutar que o tri paulista foi mais do que merecido.


Mérito que também teve o Fluminense, campeão carioca (ou campeão fluminense?). Quiçá, uma nova “máquina”, pelo menos se considerarmos a metade ofensiva da equipe. Do meio para a frente, o Flu conta com um elenco excepcional: Deco, Thiago Neves, Fred, Rafael Sóbis, Wellington Nem, Lanzini. O problema do Flu é atrás, com jogadores um tanto pesados na marcação – Edinho, Leandro Eusébio, Gum –, embora Diego Cavalieri tenha voltado a mostrar que é um grande goleiro.


O “novo baiano” Paulo Roberto Falcão adaptou-se bem à terra de todos os santos. Após a saída abrupta do Inter – onde, inclusive, foi campeão gaúcho –, Falcão conseguiu manter a equipe competitiva de 2011, quando o Bahia confirmou a permanência na Série A, algo digno de nota atualmente para as equipes do Nordeste.

O mesmo pode ser dito do Coritiba, sensação de 2011, quando conquistou o vice da Copa do Brasil e passou 28 jogos em perder. O Coritiba é o único representante paranaense no Brasileirão 2012 e, mantendo a base e o técnico Marcelo Oliveira, deve ser, de novo, um adversário duro de ser batido.

Por fim, o Atlético voltou a ser o melhor de Minas. Porém, apesar da conquista invicta e de contar com jogadores destacados em seu elenco, como André e Réver, o Galo continua longe do nível esperado para um clube com tamanha tradição. Aliás, o futebol mineiro passa por um nivelamento por baixo. Além da supremacia do Galo, o campeonato mineiro expôs a ascensão do América e a decadência do Cruzeiro, que não conseguiu se refazer completamente da derrota para o Estudiantes, na final da Libertadores em 2009, e do quase rebaixamento no Brasileirão de 2011.

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Dois turnos

Vários campeonatos estaduais são disputados no sistema de dois turnos, em que o campeão do primeiro turno faz a final contra o campeão do segundo. Os campeonatos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, por exemplo, são disputados assim; inclusive, cada turno é considerado um campeonato a parte, com taça própria. O campeonato paulista já foi disputado em dois turnos; há muito tempo deixou de sê-lo. A favor, a tradição da forma de disputa. Contra, o relaxamento do campeão do primeiro turno na disputa do returno; raramente ganha os dois.

Agora, inconcebível, no meu modesto entendimento, é o campeonato de dois turnos em que o time que ganha ambos não é considerado automaticamente o campeão estadual. Como, por exemplo, aconteceu em Santa Catarina. O Figueirense, campeão de turno e returno, acabou derrotado pelo Avaí. Eis um grande incentivo para que as equipes levem todo o certame “nas coxas”, concentrando-se apenas nas fases eliminatórias e nas finais.

A propósito, uma curiosa lembrança: A famosa Copa União, realizada em 1987, foi disputada no sistema de dois turnos. O Atlético Mineiro, na época treinado por Telê Santana, faturou os dois. No entanto, premiado tão-somente com a vantagem do empate nas semifinais, foi eliminado pelo Flamengo. Absurdo dos absurdos, o Galo, mesmo vencendo turno e returno, sequer chegou às finais da Copa União de 87! Um ingrediente a mais para quem passa horas e horas discutindo se o campeão brasileiro daquele ano foi o Flamengo ou o Sport.

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Anos 2000: a era dos times do interior no Paulistão

Muitos afirmam que os times do interior são relegados da disputa do título paulista. Talvez essa afirmação não seja totalmente correta. Ao menos se tomarmos como referência os campeonatos disputados nos anos 2000 e se considerarmos como “do interior” todos os que estão fora da capital. Assim, o Santos e o São Caetano, por exemplo, seriam considerados times do interior.

Desde 2000, o Peixe faturou 5 dos 13 títulos disputados (2006 – após 22 anos de jejum no estado –, 2007, 2010, 2011 e 2012) e foi vice em outras duas oportunidades (2000 e 2009).

Disputado somente por equipes interioranas, o Paulistão de 2002 foi conquistado pelo Ituano, em final contra o União São João de Araras. Em 2004, contando com a presença dos clubes da capital, o campeonato foi decidido entre São Caetano (campeão) e Paulista de Jundiaí (vice). O Azulão, aliás, quase ganhou também em 2007, quando deixou escapar a taça no final da partida contra o Santos. Em 2001, em 2008, em 2010 e em 2012 outras equipes interioranas foram vice-campeãs paulistas: respectivamente, Botafogo, Ponte Preta, Santo André e Guarani.

E ainda tem gente que diz que o interior não liga para o Paulistão.

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O melhor jogo do domingo e um dos melhores dos últimos tempos




Em que pesem as conquistas em solo brasileiro, o jogaço, aço, aço do último domingo se deu nas terras da Rainha Elizabeth. O Manchester City sagrou-se campeão após 44 anos e longuíssimos 90 minutos diante do Queens Park Rangers. A partida oscilou entre a euforia e o desespero – ao final, a torcida estava absolutamente angustiada, muitos chorando –, assim como toda a temporada caracterizou-se pela alteração entre o “já ganhou” (quando o City abriu 8 pontos), o “já perdeu” (quando o rival United abriu vantagem) e pelo “sim, nós podemos” (quando o City venceu o United e empatou com o arquirrival em pontos).

Sabendo que o Manchester United vencia seu confronto contra o Southampton, o Manchester City tinha a obrigaçao de vencer o QPR, jogando em casa. Abriu o placar logo no início da partida. O Rangers virou a partida e segurou o placar até os acréscimos da segunda etapa. Foi quando aconteceu o desfecho épico: com dois gols em dois minutos. O City, enfim, pode soltar o grito de campeão.

A reação da torcida, com direito a invasão de campo, foi uma verdadeira catarse coletiva, um momento histórico que emocionou a todos, inclusive a mim, que nada tenho de simpatia em relação àquela camisa azul. Pelo contrário, confesso que a dinheirama colocada pelo árabe Sheik Mansour causa-me certa aversão. Qual o quê! Diante do que se viu no domingo após o gol do argentino Aguero, tudo é secundário em relação a tamanha luta e a tamanha conquista. Eis a beleza do futebol, essa espetacular invenção inglesa, de complexidade shakespeariana.

JFQ

Como não amar?

Lúcio Ribeiro



Fiquei me perguntando domingo por que não consegui conter umas poucas lágrimas com o feito do Manchester City, sendo que nem é com eles que eu me simpatizo na Inglaterra. Nem é com eles que eu me simpatizo em Manchester!

Futebol anda me deixando uma pessoa mais sensível? Teria razão para isso? Vejamos:

1. Esse título do City. Após 44 anos. Virada histórica com dois gols em dois minutos, No tempo extra. Na última rodada. Em casa. Perdendo até os 47 do segundo tempo para um time com um homem a menos à beira do rebaixamento. Quando o título estava indo para o maior rival. "Unbluelievable", manchetou um jornal inglês. O City é azul.

2. Ver o Santos jogar. Ver Neymar jogar.

3. A Libertadores entrando nas quartas com confrontos espetaculares envolvendo Santos, Corinthians, Fluminense, a surpreendente La U chilena e, sempre, o Boca.

4. Copa do Brasil também em reta final, com o São Paulo atrás do primeiro título e o inacreditável Palmeiras entrando em crise profunda após se classificar ganhando dois jogos, incluindo os 4 a 0 diante da torcida.

5. A final da Champions League, em Munique, com o jogo passando em cinemas brasileiros. Em 3D.

6. O choro coletivo dos jogadores do Athletic Bilbao perdendo o título da Liga Europa na semana passada. O Bilbao, do País Basco, "país" dentro da Espanha, jamais caiu para a segunda divisão espanhola e tem orgulho de contar com jogadores só da região, que é menor que Sergipe.

7. Mais choro. Gattuso, Inzaghi, Nesta e Seedorf abrindo o berreiro no fim do jogo do Milan domingo, pelo Italiano, porque não vão mais jogar pelo clube. A torcida chorou. Um comentarista da TV chorou ao vivo.

8. A temporada de golaços. O de letra do Ganso, as bicicletas de Fred e Diego Souza, o de rosca maluca do Cissé, o do Messi dando chapéu no goleiro no chão, o terceiro do Neymar contra o São Paulo, o "gol de Josimar" do Maicon, pela Inter e contra o Milan.

9. As possibilidades da internet: O "futebol de Twitter", o escocês Glasgow Rangers me convidando por e-mail para sua transmissão online, o aplicativo Live Score me informando em tempo real como andavam, sábado passado, os resultados do campeonato tcheco, o de Montenegro, a série B russa, e que no País de Gales o Follows tinha marcado um gol no tempo extra na vitória do Llanelli sobre o Aberystwyth, em play off galês para ver quem disputa a Liga Europa 2013.

10. E porque, caro leitor, I love this game.


Publicado na Folha de S.Paulo, em 15/05/2012.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Elitizou geral

Xico Sá



Amigo torcedor, amigo secador, chama a atenção, tanto nas cenas vistas pela TV como no testemunho de corpo presente, como o público dos estádios é cada vez mais "playboy" e menos "mano", para usar a terminologia de classes adotada pelo rap. Com o alto preço dos bilhetes, especialmente na Libertadores, até a proletária massa corintiana deu lugar à sua torcida de classe média-média das regiões centrais de SP.

Nada contra os saudáveis jovenzinhos com óculos à Harry Potter, eles têm todo direito do mundo a embalar o seu time do peito, mas as arquibancadas estão perdendo o caráter democrático de unir todos os segmentos sociais, todas as cores e origens. A noite de anteontem no Pacaembu, quando o alvinegro da ZL triunfou sobre os equatorianos do Emelec, ficou evidente o processo de "mauricização"da torcida.

Era óbvio que isso ocorresse e talvez somente o Itaquerão, que prevê a volta da geral, devolva o direito do operariado tirar de novo a bunda do sofá e retorne ao campo. Você acredita?

O fenômeno não se restringe ao Corinthians. Repare no bolo de ingressos que boiou nas partidas das decisões dos Estaduais, incluindo Guarani x Santos no Morumbi, como mostrou esta Folha.

Nem a chamada nova classe C, toda prosa nas novelas e outras ficções extraoficiais, pode se dar ao luxo de brincar nos estádios.

Pesa no orçamento. Fora uma parte das torcidas organizadas, que toma porrada da imprensa e da polícia mas mantém certas regalias clubísticas, fica cada vez mais difícil a presença dos suburbanos corações nos jogos.

Não diria que estamos voltando para os tempos elitizados e brancos de Charles Miller, afinal de contas dentro de campo a miscigenação e a liberdade vingaram, desde o momento que times proletários como o Vasco, o Bangu etc quebraram tabus históricos.

Tampouco seria hiperbólico como o tio Nelson ao observar a "Passeata dos Cem Mil" contra a ditadura, em 1968: "Não havia, entre os manifestantes, um preto, um favelado, um torcedor do Flamengo e sequer um desdentado. Os cem mil tinham uma saúde dentária de artista de cinema".

Sociologia de terceira à parte, típica deste cronista de botequim, o corintiano fez a festa e segue rumo ao título. E para testemunhar um ambiente ainda bem misturado, só o amigo viajando para o Recife, onde Sport x Santa Cruz, no clássico das multidões, em plena Ilha de Lost, decidem o Pernambucano neste domingo.


@xicosa

Publicado na Folha de S.Paulo, em 11/05/2012.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Mano convoca a seleção para jogos na Alemanha e nos EUA

Mano Menezes anunciou a lista de convocados para os jogos que a seleção brasileira fará no final deste mês e começo do próximo, na Alemanha e nos Estados Unidos.

O Brasil jogará contra a Dinamarca no dia 26 de maio, em Hamburgo; contra os Estados Unidos, no dia 30 de maio, em Washington; contra o México, no dia 3 de junho, em Dallas; e contra a Argentina, no dia 9 de junho, em New Jersey.


GOLEIROS

Jefferson (Botafogo)
Rafael (Santos)
Neto (Fiorentina-ITA)

LATERAIS

Marcelo (Real Madrid-ESP)
Daniel Alves (Barcelona-ESP)
Danilo (Porto-POR)
Alex Sandro (Porto-POR)

ZAGUEIROS

Thiago Silva (Milan-ITA)
David Luiz (Chelsea-ING)
Bruno Uvini (Tottenham-ING)
Juan (Inter de Milão-ITA)

VOLANTES

Rômulo (Vasco)
Casemiro (São Paulo)
Sandro (Tottenham-ING)

MEIAS

Ganso (Santos)
Oscar (Internacional)
Lucas (São Paulo)
Giuliano (Dnipro-UCR)

ATACANTES

Neymar (Santos)
Leandro Damião (Internacional)
Wellington Nem (Fluminense)
Alexandre Pato (Milan-ITA)
Hulk (Porto-POR)

terça-feira, 8 de maio de 2012

Craque na Europa?


Luiz Zanin





Quanto mais Neymar brilha, mais “especialistas” torcem para que ele vá logo jogar na Europa. Como explicar esse enigma? Em lugar de se regozijarem por termos um jogador desse nível no Brasil, querem vê-lo pelas costas o quanto antes. Resolvi entender as motivações dessa turma. Ou pelo menos tentar. Há três tipos muito claros entre eles.


1) O tecnocrático. Ele desfila boas razões (técnicas, claro) para fundamentar a opinião. Neymar não teria mais adversários à altura. O jogador só progride quando encontra desafios crescentes. Esses desafios aqui seriam impossíveis pois, como se sabe, é na Europa que se concentram os talentos. Se ficar por aqui, o craque acabará por se repetir e não desenvolverá suas potencialidades como o faria se estivesse jogando em um dos gigantes do continente europeu. Há nomes respeitabilíssimos que defendem esse ponto de vista, entre eles Mano Menezes, até agora o técnico da seleção brasileira. Para eles, a saída de Neymar seria boa para o jogador e, sobretudo, para a seleção brasileira, que então teria um atleta já tarimbado pela excelência europeia na Copa de 2014.


2) O torcedor enrustido. Esse, para não dar muito na vista, saca do bolso argumentos racionais, como os expostos acima, mas não consegue disfarçar o ressentimento. No fundo sabem que jogadores fora de série desequilibram as disputas (sobretudo contra o seu time). Aspira ao nivelamento por baixo, à mediocridade geral que transformaria os campeonatos em emoção pura, “pelo equilíbrio” das equipes. Neymar destoa dessa pasmaceira travestida de competitividade. Assim como destoam Ganso, Lucas e poucos outros. O ideal seria que fossem todos para os quintos dos infernos, ao invés de ficarem perturbando por aqui com seu futebol de qualidade.


3) O eterno vira-latas. Sempre que alguma coisa começa a dar certo, ele ressurge, e com força redobrada. Ele tem um pressuposto: o Brasil é um país que não presta. Se algo positivo surge por aqui, deve ser logo desqualificado. Se isso não for possível, dada a sua qualidade inegável, deve-se recomendar que saia logo do País e vá brilhar em palco digno do seu talento. Se o tal cidadão fora de série for um cientista, por exemplo, recomenda que se mude para os Estados Unidos, país onde se faz pesquisa a sério. No caso do futebol, o destino é sempre a Europa. A expressão complexo de vira-latas, você sabe, foi inventada por Nelson Rodrigues para definir o aparentemente invencível sentimento de inferioridade do brasileiro. É pior ainda: esse personagem alimenta o desejo secreto de que nada dê certo, nada funcione ou prospere, para que assim possa exultar: “Viu? Eu tinha razão”. Sentir que sua opinião é a correta parece ser uma das maiores paixões do ser humano. Ainda mais quando essa opinião se confirma como negativa. Vá entender… Mas a alma humana comporta esses desvãos.


Por sorte há também os que ficam muito contentes com a presença do talento entre nós. Acham positivo o desafio que representam e entendem que qualidade chama qualidade. O desafio de superar o melhor é que faz seus pares crescerem. Quanto mais craques houver, melhor o nível da competição e maior a probabilidade de que outros craques surjam.



Publicado em O Estado de S.Paulo, 08/05/2012.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Naná Nike

José Roberto Torero

Naná Nike foi a primeira das chamadas marias-chuteiras. "Epa! Maria-chuteira, não. Caçadora de talentos ludopédicos-financeiros", explica a veterana senhora.

Hoje em dia, já de cabelos brancos (totalmente pintados de loiro, é claro), Naná Nike dá aulas para senhoritas que pretendem se casar, ou ter conta conjunta, com jogadores de futebol.
"O amadorismo ficou para trás. Acabou-se o tempo do chuteirismo-arte. Hoje a coisa tem que ser tratada como ciência. É o chuteirismo de resultados."

Seu curso inclui as cadeiras de Estratégias Futebolísticas Modernas ("É sempre útil para puxar conversa"), Contabilidade, Kama Sutra (básico, avançado e contorcionista), Direito Familiar (com enfoque em pensão alimentícia e herança), Maquiagem, Silicone (1, 2 e 3), e, quem quiser fazer pós-graduação, pode optar entre Sociologia das Churrascadas e Psicologia dos Centroavantes.
Aliás, Naná Nike ensina que a verdadeira chuteirista tem que escapar das festinhas dos jogadores, sempre repletas de atrizes pornôs, garotas de programa e demais senhoritas generosas.

Ela afirma que o melhor mesmo é se encontrar a sós com o futuro provedor. Tanto que suas meninas aprendem a se disfarçar de arrumadeiras de hotel, a fim de entrar nas concentrações, e de enfermeiras, para penetrar nos hospitais e pegar os atletas no frágil período de recuperação. Houve ainda uma que chegou a usar bigode para se passar por motorista particular de um famoso meia. O caso só não foi em frente porque o jogador preferia que o bigode fosse verdadeiro.

Entre as sabedorias distribuídas por Naná Nike está a de escolher o alvo certo: "Goleiros? Nunca. Ganham pouco e, se levarem um gol numa final, caem em desgraça. O melhor são os atacantes.
Mas os meias também são muito bons. Para longo prazo, volantes e zagueiros. Eles são o DI e o RF do futebol."

Outro ensinamento importante do chuteirismo é "Pegar os jovens. Nada de ir para cima de jogador que já teve vários casamentos. Fatiar o passe, tudo bem. A pensão, jamais!"

A sábia senhora avisa que é fundamental resistir à tentação de sair com os empresários dos jogadores. "Nem pensar! Esses são melhores que a gente. Acabam levando o do jogador e o nosso."

Naná Nike só dá o curso pelo prazer de passar sua vasta cultura acumulada, pois não precisa mais de dinheiro. "Cheguei ao ápice da profissão. Casei com um dirigente. O bom não é ser maria-chuteira, é ser maria-cartola."
Publicado na Folha de S.Paulo, em 05/05/2012.

A arte da guerra

Xico Sá

Amigo torcedor, amigo secador, ou o Corinthians acaba com esta história de espírito de Libertadores ou o espírito de Libertadores desencarna o Corinthians, mais uma vez, da competição continental.
O time mosqueteiro, de origem operária, já nasceu aguerrido. É uma característica natural. Mais que isso, vira fúria, avexamento e desequilíbrio, como na noite de anteontem em Guayaquil.

Sim, o juiz fez algumas trapaças de varejo que prejudicaram o alvinegro, mas não ao ponto de ter decidido o destino do jogo. Se for perder a razão cada vez que isso ocorrer fora de casa, em alguma cordilheira da América, melhor desistir da taça.

Há uma versão brasileira errada do que seria esse tal de espírito copeiro dos adversários latino-americanos. O que eles sempre usaram, principalmente os argentinos e uruguaios, donos do maior número de títulos, foi a catimba, que vem a ser o espírito de porco. Não o afobamento.
Eles têm a arte de minar a paciência dos brasileiros a cada lance. Nós caímos feito uns patinhos de tiro ao alvo de parque de diversões. A catimba é o avesso do repetido, ad nauseam, espírito de Libertadores.

Catimbar também não é recomendável, até porque esta patente não é verde-amarela, exige aprendizado e cátedra. O máximo que os times daqui conseguem é fazer cera -apenas um dos itens do pacote antijogo. Isso não quer dizer que os boleiros tupiniquins sejam inocentes. Na hora de bater, por exemplo, batem tanto quanto ou mais.

Voltemos ao mundo fantasma. Quantas vezes os brasucas triunfaram somente com o espírito de Libertadores? Sempre que esta pergunta incendeia o botequim, alguém lembra do bicampeão Grêmio, equipe que desperta em nosso imaginário a ideia de "guerras" e "batalhas".

É certo que o tricolor gaúcho contava com o espírito de cruzada medieval do Dinho em 1995, mas a gente esquece do quanto jogavam Arce e Carlos Miguel, sempre deixando Jardel pronto para dar boa noite Cinderela aos arqueiros inimigos. O título de 1983 nem se fala: De Leon, Renato, Tarcísio...
O São Paulo dos 90 tinha espírito de Libertadores? Batia era um bolão, isso sim, seu Telê que o diga. Os outros campeões idem. Galeria que tem, entre outros timaços, o Fla de Júnior e Zico e os Santos de Pelé, Neymar e uma maternidade inteira de meninos.

Sem essa de espírito de Libertadores.

Vale o mantra das antigas: o jogo é jogado, o lambari é pescado.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 04/05/2012.