quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Por que torço pela seleção

Daniel Piza


Toda vez que no período mais intenso do Brasileirão tem jogo sem muita importância da seleção, mesmo que seja o embate de hoje à noite contra a mega-rival Argentina, é comum ouvir o lamento de que o torcedor não está nem aí para a canarinho, “só quer saber mesmo é do seu clube”. É difícil não partilhar certo desinteresse quando se tem em vista que no próximo fim de semana há uma rodada com confrontos, entre outros, de Vasco e Corinthians, primeiro e terceiro colocados, e de São Paulo e Flamengo, segundo e sexto. A expectativa enche o ar de frisson, quase como se fossem decisões, e põe em segundo plano um amistoso com pinta de caça-níqueis.

Diego Souza vai confirmar a grande fase e confirmar a sensação de que o Vasco está jogando o futebol mais convincente neste terço final do calendário? Seu terceiro gol contra o Cruzeiro não foi bonito apenas pelo chapéu no goleiro, mas também pela maneira como dominou de peito o passe de Juninho Pernambucano (que pode ser o maestro dessa marcha vascaína para o título), já lançando a bola à frente, longe do alcance do zagueiro, e também pela conclusão rápida de cabeça. Diego é de fases, mas, atuando como segundo atacante numa equipe com armadores experientes e alguns velocistas, essa fase pode se estender até dezembro. O Vasco é o time brasileiro menos dividido entre volantes que só desmarcam e meias que não marcam; e isso libera Diego para seu melhor.

Como venho dizendo desde agosto, Vasco e São Paulo têm os elencos mais completos, coesos, e por isso tendiam mesmo a desbancar Corinthians e Flamengo, antes se alternando na liderança. O Flamengo depende mais de Ronaldinho do que o Vasco de Diego, sobretudo depois que Thiago Neves caiu de produção, e aos poucos essa realidade ficou clara. O Corinthians ainda está na vice-liderança, mas até o fiel mais fanático sabe que o time tem poucas opções táticas, sobretudo na criação de jogadas, e que faltam jogadores que resolvam situações com um lance individual; mesmo Liédson, espertíssimo dentro da área, só trabalha com bola recebida ali.

O São Paulo demorou a acertar a defesa e ainda sofre com a falta de goleador, por mais que Dagoberto viesse em grande fase. No domingo, no empate emocionante com o Botafogo, muito se elogiou a mudança que o técnico Adílson Batista fez no intervalo, mas pouco se falou no erro da escalação inicial, com apenas um jogador de “vertical”, Lucas. Rivaldo é ótimo recurso para o segundo tempo, mas, com a volta de Dagoberto, a estréia de Luís Fabiano e a consolidação de um bom setor de meio-campo, em torno de Casemiro, há potencial para um estilo mais eficiente, de um padrão mais claro e afirmativo.

No entanto, embora não veja quase nenhuma relevância em jogos como o de hoje, não sou desse tipo que vê a seleção nacional como um estorvo no cronograma, uma imposição que atrapalha a paixão por nossos times de infância. Pode ver que, no fundo, essas críticas são de pessoas que são ainda mais nacionalistas do que aquelas que acham que torcer pela seleção é defender a pátria, a honra brasileira, pois repetem isso desde que a maioria de seu elenco passou a ser composta por jogadores que atuam no exterior e ganham fortunas. Não concordo com nenhuma das duas posturas.

Algum senso de pertencimento à parte (sou brasileiro e, como tal, fico feliz que minha nacionalidade seja associada a nomes como Pelé e seu “beautiful game”, não apenas a miséria, violência e vulgaridade), o que me interessa na seleção é que seja… um selecionado, uma combinação do que o futebol brasileiro tem de melhor. Se não fosse por ela, não teríamos visto Zico, Falcão e Sócrates do mesmo lado, ou Ronaldo, Ronaldinho e Rivaldo. Se não fosse por ela, não veríamos Neymar e Ronaldinho no mesmo time, apenas em times adversários. Ou seja, não veríamos o encontro de duas gerações de fantasistas, de jogadores que com sua plasticidade entortam os adversários, quer sejam eles argentinos quer japoneses. Enquanto essa possibilidade existir, vou estar diante da TV, torcendo pela seleção.

* Publicado em O Estado de S.Paulo, em 28/09/11 e no blog: http://busk.com/deck/por-que-torccedilo-pela-seleccedilatildeo?q=hoje 

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