terça-feira, 16 de agosto de 2011

Gente humilde

José Roberto Torero


Abastada leitora, abestado leitor, alguns dias atrás resolvi fazer um programa de rico.

Não, não fui passar o fim de semana em Paris, nem passear de iate entre as ilhas de Angra.

É que, como estava em Curitiba, resolvi assistir ao jogo entre Atlético-PR e Corinthians e, para meu azar, só havia o mais caro dos ingressos, que custava a bagatela de R$ 150.

Então, já que teria que quebrar meu porquinho, resolvi fazer a festa completa. Fui e voltei de táxi, almocei na excelente churrascaria que fica dentro do estádio e comprei uma camisa na loja oficial. No total gastei mais de R$ 400. Quatrocentos!

Ainda não conhecia a Arena da Baixada e fiquei surpreso. É realmente o melhor estádio do Brasil.

Acomodações confortáveis, boa visão de campo e uma infraestrutura excelente.

Quantos aos torcedores endinheirados de meu camarote, devo dizer em sua defesa que vibram a contento. Aquela ideia de que só os fiéis de baixa renda têm amor real pela sua equipe é um preconceito tolo. Rico também tem coração. E de vez em quando o usa.

Pois bem, pensando em números, vi que minha cadeira estofada custava o mesmo preço de uns cinco assentos nas arquibancadas. Ou seja, o clube ganhava com a minha presença, o mesmo que com cinco torcedores normais. Mas tinha um gasto cinco vezes menor.

Quando comecei a frequentar estádios, ainda existia a geral, que hoje custaria algo como R$ 10. Você ficava de pé e a visão era muito ruim, mas qualquer pé-rapado podia ver o jogo. Porém, atualmente, não existem mais gerais. A elitização do torcedor de futebol é um fato. E nada indica que vá diminuir. Pelo contrário, a classe média invadiu os estádios. E a alta está chegando.

Por conta disso, creio que, se Chico e Vinícius escrevessem hoje os versos alexandrinos de "Gente Humilde", talvez eles fossem assim:

"Tem certos dias em que eu penso em minha gente/ E sinto assim todo o meu peito se apertar/ Porque me lembro num susto, bem de repente,/ Que eles não têm um camarote pra sentar./ Penso nisso quando eu passo no subúrbio,/ Eu muito bem, vindo de táxi ou avião/ E aí me dá como uma pena dessa gente/ Que vê o jogo narrado pelo Galvão./ São casas simples com cadeiras na calçada,/ E na estante uma TV sem pay-per-view/ Pela varanda flores tristes e baldias/ Como o torcedor que mais um jogo não viu./ E aí me dá uma tristeza no meu peito/ Feito um despeito de eu não ter como lutar/ O futebol abandonou a minha gente/ É gente humilde que nem pode mais gritar."

* Publicado na Folha de S.Paulo, em 13/08/2011.

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