segunda-feira, 5 de abril de 2010

O Poder do Esporte

Volto à frase de Nelson Rodrigues: “o pior cego é o que só vê a bola”. Pois sim. O futebol envolve muito mais coisas do que apenas vinte e dois marmanjos correndo atrás da pelota, como gostam de dizer seus críticos. Não apenas o futebol, mas todos os esportes têm essa extrema capacidade de apaixonar e mobilizar pessoas. Poder, quiçá, comparável ao da política e da religião. E não venham aqueles críticos – ou, em termos rodrigueanos, os “piores cegos” – dizer que esse poder se traduz em alienação. Eta, crítica démodé!


O esporte em geral e o futebol em particular geram paixões e ações, individuais e coletivas, para o bem e para o mal. Estimulam fanatismos, mas também trazem disciplina, concepção ética, senso de cooperação, orgulho de pertencer a um grupo. Tudo depende de quem o manipula e da consciência ou ignorância dos que estão à mercê das emoções esportivas.


Limito-me aqui aos bons exemplos. Primeiro: o Brasil nas Copas. Não há melhor momento de identidade e orgulho nacionais do que os mundiais. Mas há quem diga que isso é ruim, alienação... deixa pra lá.


Segundo exemplo do poder positivo do esporte: em 1969, o Santos e Pelé fizeram, literalmente, com que cessasse uma guerra civil no antigo Congo Belga para que sua população assistisse à partida. Terceiro: em 1998, na Copa da França, o direita francesa, utilizando-se de um discurso racista, tentou desacreditar sua própria seleção, composta por africanos, árabes, bascos e guadalupenses – filhos de imigrantes ou oriundos das ex-colônias –, dizendo que esse ajuntamento de estrangeiros não representava o país. Se deu mal: a França, sob o comando de Zidane, foi campeã e uniu o país.


O esporte, enfim, é uma poderosa arma de paz – com perdão do paradoxo perverso dessa imagem –, que pode ser utilizado para unir ou para pacificar, mesmo que temporariamente, povos até então desunidos ou em conflito. Com licença aos casos citados, o exemplo que gostaria de destacar – além de indicar um filme, ora em cartaz, e que retrata o ocorrido – diz respeito à superação do famigerado regime de segregação racial (apartheid) pela África do Sul, país da próxima Copa do Mundo de Futebol. Nelson Mandela, ser humano único, mostrou-se um verdadeiro craque político, utilizando-se de um evento esportivo para unir seu povo.



Com apenas um ano à frente da presidência do seu país, Mandela – ou Madiba, como é carinhosamente chamado pelos seus – promoveu um enorme esforço para que os negros torcessem pela seleção sul-africana de rúgbi, também conhecida como Springboks. Sim, os negros torciam contra a seleção de rúgbi de seu próprio país, associada aos brancos. A predileção dos negros sul-africanos é o futebol. Daí a rixa, muito bem representada pela frase preconceituosa repetida por brancos sul-africanos: “O rúgbi é um esporte de bárbaros jogado por cavalheiros, enquanto o futebol é um esporte de cavalheiros jogado por bárbaros”.


Mandela, contrariando os próprios negros, externou seu apoio e sua torcida pela seleção “de brancos”, que, mesmo desacreditada antes do torneio, acabou sagrando-se campeã. Não precisa dizer que, com o resultado, brancos e negros comemoraram o título mundial, sendo um enorme passo simbólico em prol da unificação nacional.


Essa história é contada em um bom filme, “Invictus” – mesmo recheado de clichês – do diretor Clint Eastwood, estrelado por Morgan Freeman, no papel de Mandela, e por Matt Damon, como François Pienaar, capitão da seleção sul-africana de rúgbi.


Neste ano em que Nelson Mandela – e todas as pessoas que almejam um mundo democrático, justo e pacífico – comemora 20 anos de liberdade, após 27 anos de prisão, nada melhor do que a sua pátria, a África do Sul, sediar uma nova Copa do Mundo, agora de futebol. A Copa FIFA de 2010 não deve repetir o resultado da Copa de Rúgbi de 1995, o que seria uma zebra do tamanho de um elefante. Mas deve, uma vez mais, unificar brancos e negros por um esporte. Desta vez, o esporte favorito destes.


É lógico que torcerei – e muito – pelo Brasil na próxima Copa. Ao contrário de outros países, a seleção brasileira nos mundiais é um inconteste fator de unificação nacional. Talvez, o maior que temos. No entanto, caso não sejamos campeões, seria maravilhoso, apesar muitíssimo improvável, ver novamente uma zebra sul-africana. Seria uma linda homenagem da história a esse homem bárbaro, no melhor dos sentidos, chamado Nelson Mandela. Além de um novo impulso à sua eterna bandeira de construção de um país em que todos, brancos e negros, vivam igual, fraternal e livremente.

E já sabemos: independentemente do esporte, esse Madiba bate um bolão!

O trailer do filme “Invictus” pode ser visto a partir do link: http://www.youtube.com/watch?v=ZIj2xov2W0A

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Em tempo: José Geraldo Couto escreveu um ótimo artigo comparando o caso francês de 1998 ao sul-africano de 1995: “A bola e o arco-íris”, publicado na Folha de São Paulo de 06/02/2010.

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Por falar em esporte e cinema, vale muito a pena assistir ao filme do diretor argentino Juan José Campanella, “O Segredo dos Seus Olhos”, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Não, não é um filme sobre o futebol ou outro esporte, mas uma excelente trama policial com doses de drama, romance, suspense e comédia. Mas já valeria o ingresso pela sequência antológica de perseguição em um estádio de futebol durante uma partida do Racing contra o Huracán. A câmera agilíssima acompanha os mocinhos na sua busca frenética pelo suspeito de um crime, em ação iniciada com uma tomada aérea sobre o estádio, passando pela arquibancada e que só acaba em pleno gramado. Coisa de craque!

O trailer do filme pode ser visto no link: http://www.youtube.com/watch?v=T-8w1HrHQYU

JFQ

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