segunda-feira, 18 de junho de 2012

O dia D, de dispensa

José Roberto Torero

Eles são mais ou menos 40. Talvez 50. Todos têm 16 anos. E já estão lá há um bom tempo. Dois, três, até quatro anos. A maioria vive longe de suas famílias. Só alguns conseguem pegar um ônibus para visitá-las no fim de semana.

Os quartos são pequenos, embaixo das arquibancadas. Eles dormem em beliches. Às vezes, treliches. Vieram de todos os cantos do Brasil. Uns são tímidos, outros, extrovertidos. Uns, bagunceiros, outros, organizados. Uns ainda têm espinhas. Outros já cultivam uma barba rala.

Estudaram nas escolas pagas pelo clube. Mas são escolas ruins, escolhidas para que eles passem sem muita dificuldade. É bom não perder muito tempo com coisas sem importância, coisas como português, matemática e ciências.

Hoje é o dia D. O dia das dispensas. O dia da volta dos que não foram escolhidos. O primeiro dia do resto de suas vidas. Eles vão para o ginásio. Sentam-se no chão. O diretor segura uma prancheta. Começa agradecendo pelo trabalho e disposição de todos, mas infelizmente o clube vai ter que cortar gastos. Depois diz que chegaram até ali porque têm algum valor, mas que o funil vai afinando e não há espaço para todos. E avisa que vai dizer os nomes dos dispensados.

Os garotos se ajeitam. Se fossem cães, as orelhas estariam em pé. O silêncio é total. Ninguém faz piadinhas. Eles sabem que talvez tenham que voltar para casa. Serão anos jogados fora. Deixaram de estudar sério para tentar a sorte no futebol. Mas deram azar. Voltarão como rejeitados. O diretor começa a dizer nomes: "Luiz Fernando, Alexandre Gomes, Maurício Arruda, Cláudio Gobbetti, Marco Aurélio, Paulo Santana, Marcelo Lira, Edgar Lemos e Dirceu da Silva. Espero que vocês não desistam. Boa sorte".

Os garotos tentam segurar o choro. Mas nem todos conseguem. Um não para de enxugar as lágrimas, outro chora de fazer barulho. Os que ficam dão tapinhas nas costas dos que irão. Estão tristes pela perda dos amigos e contentes por não terem sido escolhidos.

Luiz Fernando será vendedor de carros usados, Alexandre irá trabalhar de garçom, Maurício vai virar professor de educação física, Gobbeti será policial, Marco seguirá a carreira de pastor, Paulo será padeiro, Marcelo chegará a gerente de cinema, Edgar será borracheiro e Dirceu passará por times de seis Estados do Nordeste, abandonando a carreira aos 29 anos.

Uns serão tristes, e outros, felizes. Mas mesmo estes, de vez em quando, quando virem um jogo daquele time na TV, soltarão um suspiro e pensarão: eu podia estar ali.

Publicado na Folha de S.Paulo, em 16/06/2012.

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