José Roberto Torero
Depois do empate entre Santos e
Corinthians pela Libertadores, eu teria que me encontrar com Lorde Jorge, o
balconista do Bar da Preta. Eu, santista. Ele, corintiano. Eu, eliminado. Ele,
finalista.
Atravessei a rua pensando nas gozações que
teria que escutar. Poderia ser algo como "Os Smurfs foram comidos pelos
gaviões?", ou "O Neymar precisa descansar mais um pouco, dá férias
para ele", ou ainda "O Ganso migrou para o Sul? Porque no jogo ele
não apareceu".
Mas Lorde Jorge não precisava falar só do
jogo. Havia outro tanto de vantagens que ele poderia arrotar: "Veja só,
meu amigo, temos a maior torcida do Estado, somos campeões brasileiros, nossa
casa está ficando pronta, ganhamos mais dinheiro do que qualquer outro clube
brasileiro e agora estamos na final da Libertadores. Na arquibancada, no cofre
ou no campo, somos os maiorais".
Pensava nessas frases e no quanto elas são
verdadeiras. Realmente o Corinthians está por cima da carne seca. Pode ser o
início de uma era alvinegra, assim como houve outra, de outro alvinegro, nos
anos 60. Se o clube do Parque São Jorge tiver uma série de executivos
razoavelmente competentes, o Corinthians pode vir a ser uma potência como nunca
foi.
Caso isso aconteça, pobres dos ouvidos dos
outros torcedores. É que os corintianos não gritam apenas pela alegria da
vitória. Eles gritam pela alegria de gritar pela vitória. Eles não apenas amam
o clube. Eles amam amar o clube. E, pior, trata-se de um amor exibicionista.
Mais ou menos como aquele sujeito que não apenas dá flores à mulher, mas faz
isso de joelhos e cantando um bolero.
Era algo desta natureza que eu esperava de
Lorde Jorge. Um espezinhamento cruel e implacável. Porém, quando entrei no Bar
da Preta, ele não falou uma palavra sobre o jogo. Perguntou o que eu queria,
fez comentários sobre o clima, mas não tocou em assuntos futebolísticos.
A cada vez que ele passava pela minha
frente no balcão, meus ouvidos esperavam a piada dolorosa, o chiste agudo, a
chalaça maldosa. Mas Lorde Jorge mantinha-se impassível, como se nada tivesse
acontecido. Foi então que eu, não aguentando mais a tortura da espera, levantei
a bola:
--E aí, seu time vai ser campeão?
Ele parou, pensou um pouco e respondeu:
--Pode ser, porque passou pelo Santos, que
é bem melhor que o Boca.
Ou seja, ao mesmo tempo em que assumiu
apenas uma certa possibilidade de glória, fez um elogio ao meu time derrotado.
Um lorde esse Jorge.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 23/06/2012.
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