sexta-feira, 8 de junho de 2012

Mais um recomeço

Antero Greco


O senso comum diz que todos merecem segunda oportunidade, se falharem na primeira. Pois entendo que lhes podem ser concedidas terceira, quarta, quinta chances de recuperar-se - ou tantas quantas forem necessárias. Se, afinal, houver resgate, terá valido a pena perseverar. Se o fiasco for inevitável, pelo menos restará como consolo o fato de que se tentou. O ser humano não é um circuito fechado, e ruim é a intolerância.


O Atlético-MG concede a Ronaldinho Gaúcho a terceira ocasião de reviver o exuberante auge da carreira, alcançado nos tempos iniciais de Barcelona e que se esgotou lá por 2006, por coincidência e ironia depois da Copa da Alemanha, aquela em que deveria ter sido protagonista. O time mineiro aposta no talento incomum do ex-melhor do mundo, assim como antes o fizeram Milan e Fla.

O investimento de risco começa, em parte, na noite de hoje, na partida que o Galo faz com o Bahia, no Estádio Independência, na retomada do Campeonato Brasileiro. Ronaldinho não jogará, ao contrário do que pretendia o clube, porque a CBF não tornou oficial a inscrição dele. Mesmo assim, terá contato com o público local, com a gente com a qual vai conviver nos próximos seis meses. Apresentação discreta, bem diferente daquela que encontrou nas chegadas anteriores, desde a época em que desembarcou no Paris Saint-Germain no começo dos anos 2000 vindo de Porto Alegre.

A intenção de ter cerimônia singela é proposital, garantem dirigentes do Atlético. Essa a maneira encontrada para passar o recado de que Ronaldinho chega em Belo Horizonte com status de atleta comum, sem badalações, sem fogos, sem trios elétricos, sinfônicas, fanfarras, grupos de rock ou pagode. Não usará nem a camisa 10, mas a 49, que estava disponível e que servirá como homenagem ao ano de nascimento da mãe, que passa por momento de saúde delicado.

O Atlético não rebaixa Ronaldinho ao agir assim; caso contrário, não teria aceitado a proposta de ser-lhe a boia salva-vidas. Os números dos últimos anos mostram que o astro oferece ao público parte pequena de seu repertório outrora fabuloso. Ele ficou sovina, por razões pessoais, talvez por abrir o foco para interesses fora dos gramados. Daí o rebaixamento de status- se bem que Ronaldinho meia-boca ainda é melhor do que muitos de seus companheiros.

O Atlético foi a opção viável para Ronaldinho, quem lhe abriu portas. Não vai demérito ao tradicional alvinegro mineiro, longe de ser um Caixa Prego FC. Só que não se pode ignorar a perda de valor e de mercado de um craque antes disputado a tapas. Em sua terra natal, não havia possibilidade de reconciliação com o Grêmio e é inconcebível a ideia de atuar pelo Inter. Clubes do Rio e de São Paulo disseram-lhe vá em frente e boa sorte. Centros emergentes do Leste Europeu, China e arredores tampouco se manifestaram.

O caminho é o Atlético-MG. Se Ronaldinho levar a sério, o acordo será benéfico para todos. O time contará com um dos mais criativos boleiros das últimas décadas. O profissional reconstrói imagem vencedora, apaga um pouco a pecha de baladeiro e, quem sabe?, ganha fôlego para voos lucrativos no que lhe resta de carreira, que embicou para a reta de chegada.

A bola está com Ronaldinho. É direito dele mostrar que não acabou e que consegue arrancar aplausos. Por isso, ao escrever a crônica, me vieram em mente versos de Bastidores, uma das obras-primas do Chico. "Cantei, cantei, nem sei como cantava assim. Só sei que todo o cabaré me aplaudiu de pé, quando cheguei ao fim..."

Publicado em O Estado de S.Paulo, em 06/06/2012.

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