segunda-feira, 18 de julho de 2011

Sobre vexames, zebras e lições



O final de semana foi de zebras e “quase zebras” no futebol. Para muitos, a palavra certa é vexame. Fico com a primeira opção.

As “quase zebras” ficam por conta das eliminações de Argentina e Brasil, em que pese o “quase” ser pouco para muitos brasileiros. Grande parte da população de nosso “país do futebol” não admite derrotas, nem empates, contra quem quer que seja. Da Holanda à Venezuela, da França ao Paraguai. O Brasil, dizem, sempre tem obrigação de ganhar. Então, tá.

O fato é que, considerando tão somente a camisa e a circunstância, esperava-se que Argentina, Brasil, Colômbia e Chile fizessem as semifinais da Copa América. Deu Uruguai, Paraguai, Peru e Venezuela. Eis o futebol, simples assim. Até mesmo no futebol feminino, as poderosas norte-americanas sucumbiram, também nos pênaltis, diante das japonesas. Por acaso, este foi o final de semana das prorrogações e dos pênaltis. Por falar nestes, também foi o final de semana dos goleiros.

***

São Muslera e Tevez, o herói que virou vilão



Na visão simplista do futebol, reduzido a chavões, mitos e maniqueísmos - em vez de ser entendido em sua complexidade shakespeariana, como diria Nelson Rodrigues, para não dizer em sua complexidade humana -, a sempre trágica Argentina jogava em casa, com a obrigação de ganhar a Copa América. Afinal, não fatura este e nenhum outro caneco desde a Copa América de 1993. Neste período, para piorar, tornou-se freguês do arquirrival Brasil em finais.

Os argentinos contavam com Messi, o melhor do mundo, cujas costas carregam o fardo pesadíssimo de super-heroi ingrato, capaz de voar com a camisa do Barcelona, mas impotente com a da seleção de seu país (¿seu país não é a Espanha?, perguntariam alguns), como se o glorioso uniforme branco e azul fosse untado de criptonita. Heroi ingrato e degenerado, pois não sofreu as mazelas sociais do mais europeu dos sul-americanos, e não conta o hino nacional, ao contrário do filho dileto, Carlitos Tevez, o menino de Forte Apache, periferia de Buenos Aires.

Quis o destino, porém, que justamente Carlitos perdesse o pênalti decisivo da eliminação argentina e que garantiu o Uruguai nas semifinais. Talvez a melhor perspectiva fosse a de que Muslera, um goleiraço nesta partida, pegou mais esta bola, posto que Tevez não bateu mal. Contudo, como nas tragédias a culpa é fator importante...

Afora as mitologias e simplismos, o fato é que nem Uruguai, nem Argentina, nem ninguém fez uma grande Copa América até aqui. Todos estão se preparando para 2014, alguns com mais base - consolidada em 2010 ou mesmo antes - e outros estão mais atrasados, como o Brasil. O Uruguai de Oscar Tavárez jogou muito bem contra a Argentina, ganhou nos pênaltis como também poderia ter perdido.

Apesar da eliminação, a Argentina teve a lição de que Messi precisa de um parceiro no meio e de atacantes que se movimentem na frente. Como está acostumado a jogar no Barça: não como um salvador da pátria, mas como o melhor em um conjunto excelente. Sergio Batista deve repetir a formação nascida no jogo contra a Costa Rica. Aos poucos, aparecerá uma Argentina muito forte.

Já o Uruguai, a cada dia vem mostrando que renasce como grande selecionado mundial. Ainda que não apresente um futebol brilhante, é bastante competitivo. O grande responsável por isso é Tavárez, que trabalhou não apenas no time principal, mas também nas seleções de base. Não é à toa que a celeste tenha chegado às semifinais da última Copa do Mundo, tenha eliminado o Brasil e feito a final do Mundial Sub-17, tenha se classificado para disputar as Olimpíadas de Londres e vá disputar na próxima quarta-feira, contra o Paraguai, as semifinais da Copa América. Tudo isso faz parte de um mesmo processo de renovação e mudança de paradigma - leia-se: sai o Uruguai brigador e catimbeiro, surge o Uruguai técnico e aguerrido, mas sem violência - cujo grande mentor é Oscar Tavarez.

***

Terminou como começou



Não tomo a eliminação do Brasil pelo viés do vexame. Prefiro o viés das lições. A principal: a seleção de Mano Menezes mostrou ao final nada muito diferente do que se vira no começo - um time em formação, sem padrão de jogo formado, com alguma, mas pouca, evolução. Entendo que a Argentina saiu melhor do que o Brasil. Os hermanos encontraram um caminho a ser desenvolvido; nós, nem isso.

Das quatro partidas feitas pelo Brasil, a última foi justamente a melhor. No entanto, após três empates e uma vitória, fica claro que temos muita dificuldade em marcar gols e pioramos no aspecto defensivo. Na frente, o Brasil até melhorou no quesito finalizações, mas não no colocar a bola para dentro... sequer estou me referindo aos quatro pênaltis perdidos.

No aspecto defensivo, jogadores de confiança vêm falhando: zagueiros, laterais e até o goleirão Júlio César. Nem mesmo Lucas Leiva e Ramires mostram-se como uma dupla confiável de volantes.

Não obstante, não há que se busca culpados. Não há propriamente culpados, mas, isto sim, “peças” a serem trocadas. André Santos e Ramires, em primeiríssimo lugar. E, principalmente, há um padrão de jogo a sair da teoria para se consolidar na prática. No papel, Mano tem muito clara a seleção ideal; não obstante, está fracassando em executá-la na prática. É certo que isso requer muita repetição, como também é certo que a insistência vale a pena quando se vislumbra que algo está se encaixando. Não é o caso. Ganso, no Santos - da mesma forma que Messi, no Barcelona - não é salvador da pátria. Joga com Elano e Arouca o auxiliando na armação e para se desvencilhar de marcadores. Não pode ser tomado como único articulador, “O” distribuidor de jogadas, “O” ditador do ritmo, “O” cadenciador. Nem Ramires, nem Lucas lhe servem como anteparo. Para que se continue a apostar em Ganso, é necessário que Mano ouse, colocando um único volante de contenção. O melhor jogo de Ganso foi quando Jadson esteve a seu lado, no primeiro tempo da primeira partida contra o Paraguai. Eis a evidência de um caminho a ser seguido.

O trio de ataque formado por Robinho, Pato e Neymar teve momentos bons e momentos de pouca ou nenhuma inspiração. Foi pior quando cada um se limitava a uma região do ataque – Neymar pela esquerda, Robinho pelo meio e Pato pelo meio –, e melhor quando os três se movimentavam por todos os cantos. Neymar precisa perder uma certa marra que ganhou ao ser destacado por todos, ao ser considerado como “o Messi brasileiro”. Precisa se lembrar de que está na seleção, não no Santos; com a amarelinha, pelo menos a princípio, todos são grandes jogadores, não apenas ele.

Na zaga, da mesma forma que Daniel Alves cedeu o lugar a Maicon, todos os demais precisam de uma sombra, não se sentirem intocáveis. Mesmo Lúcio e Júlio César, ainda que o resultado final seja a manutenção de todos. Como o mesmo Maicon revelou, algum tempo na reserva pode ser muito bom como provocação íntima. Em especial, André Santos precisa de uma sombra ou, na reserva, ser alçado à condição de sombra de Marcelo ou de Adriano.

***

Mano, o ousado medroso


Mano Menezes mostrou seu lado “professor Pardal”. Ou, quem sabe, tenha mostrado seu lado titubeante, pouco convicto. Tenho comigo que Mano passa por um dilema entre ousadia e conservadorismo. Ao combinar os dois, não dá certo. É preciso optar: ser ou não ser... “dunguista”.

Ao colocar Jadson ao lado de Ganso, inova. Ao não observar apenas um volante, é medroso. Ao colocar três atacantes que se movimentam e marcam a saída, opta uma característica positiva da “referência Barcelona”. Ao cair no clichê de que é preciso um atacante de área que sirva de referência, cai no conservadorismo. Ao perceber que Ganso tem qualidades para ser o articulador, aposta em uma potencialidade que existe certo. Ao definir Fred como o centroavante, como fora Romário e Ronaldo, aposta em uma potencialidade que não existe.

Há vários equilíbrios possíveis. Mas é preciso achar o ponto. Ser ousado. Ou não.

A definição de um padrão é fundamental. Até porque, dos principais candidatos ao título em 2014, o Brasil é o mais atrasado.

***

Pênaltis, goleiros e areia


Decisão por pênaltis não é loteria. Tampouco é pura técnica. Penso que seja o mais emocional de todos os momentos ludopédicos possíveis. Assim, em tantos casos, o “melhor” time ou aquele que joga em casa - como Brasil e Argentina, respectivamente - vão para a disputa muito mais pressionados e, portanto, muito mais passíveis de cometerem erros.

No caso do Brasil, o péssimo gramado, cheio de areia, não explica, por si só, as quatro cobranças erradas. Ou melhor, as cinco, já que o paraguaio Barreto também errou. Do mesmo modo, não se pode deixar passar em branco que o estado lamentável do gramado, indigno de figurar em um jogo tão importante de Copa América. Uma coisa que falta, aliás, ao futebol são critérios bem definidos do que seja um gramado passível de abrigar uma partida oficial.

De qualquer forma, apesar de estranho, não é tão surpreendente assim que os quatro brasileiros que cobraram tenham perdido (não considero que o Brasil perdeu quatro cobranças, já que o pênalti é um ato individual, em que pese o jogo ser coletivo). Assim como o tenham perdido Tevez, na partida da Argentina contra o Uruguai, e Falcão Garcia, no jogo Colômbia x Peru.

Mais do que repreender e estigmatizar os cobradores, talvez seja melhor louvar a competência dos goleiros. A propósito, o uruguaio Muslera e o paraguaio Justo Villar foram, sem dúvida, os melhores jogadores de seus times nesses jogos decisivos.

***

A surpresa do último bobo


Ninguém merece mais aplausos nesta Copa América do que a seleção da Venezuela. De suposto bobo, saco de pancadas dos adversários, a Venezuela classificou-se, pela primeira vez em sua história, para disputar uma semifinal.

Time muito bem montado, forte na marcação e perigoso nos contra-ataques, os venezuelanos provaram que não é um simples acaso seu sucesso no torneio. Que o digam o Brasil, com quem empataram por zero a zero, o Paraguai, contra quem buscaram um empate heróico por 3 a 3, e o Chile, sensação do certame, onde joga o badalado Alexis Sanchez, eliminado após perder por 2 a 1.

JFQ

Um comentário:

  1. Para comemorar o aniversário do Tetra, os jogadores do Brasil perderam 4 penaltis. Elano e André Santos ainda quiseram homenagear o Baggio chutando a bola para o céu.

    ResponderExcluir