quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Levante contra a FIFA

John Carlin


Oponho-me à ideia de que os americanos interfiram na política de outro país, o que sem dúvida tentarão fazer em meio aos levantes contra as tiranias da África do Norte e do Oriente Médio. Mas, no caso da tirania da Fifa, abro uma exceção.

Um jornalista anunciou ser candidato à presidência da Fifa. Jamais havia ouvido falar dele até a semana passada, mas Grant Wahl, repórter da "Sports Illustrated", pode contar com meu voto. Entre Sepp Blatter e Mohamed Bin Hammam, membro do Comitê Executivo da Fifa, fico com Wahl. Sua proposta essencial, como a de egípcios, tunisianos, líbios e iemenitas que estão se rebelando contra seus governos, é que a Fifa "precisa de mudança".

E certamente precisa. Não sei se as histórias sobre subornos, corrupção e abuso de poder na Fifa procedem, mas tendo recentemente ido ao Qatar (terra de Bin Hammam), suspeito que sejam ao menos parcialmente verdadeiras. Há algo de tão absurdo na decisão de dar a Copa-2022 ao Qatar que se torna obrigatório concluir que existe algo de podre. O conclave que dirige a Fifa se esquece de que, para milhões, o futebol é grande parte da diversão, emoção e consolo que a vida dá.

O Qatar é um lugar árido em todos os aspectos. Os Lamborghinis, Bentleys e Rolls-Royces que percorrem as ruas vazias não mitigam o tédio desértico da capital Doha. O primeiro problema é que as temperaturas em junho atingem 52º C. É possível que, com a fortuna do petróleo e do gás natural, o país crie estádios com ar-condicionado. Mas o que os torcedores farão nas horas sem futebol? Só buscar refúgio em seus hotéis refrigerados.

Quando se espalhar a notícia de que visitar o Qatar no verão é como tirar férias no inferno, é improvável que haja visitantes (ou, no mínimo, o número será pequeno). Quem verá os jogos? Havia preocupação com essa questão antes da Copa da África do Sul, um país de 50 milhões de pessoas, onde metade é louca por futebol. O Qatar, sem tradição esportiva (exceto na falcoaria), tem menos de um milhão de habitantes. A perspectiva para a Copa-22 é de estádios vazios, mas perfeitamente refrigerados. Fora, ruas vazias e igualmente sem vida.

A ideia toda é tola, insana: uma receita para destruir o que resta da magia da Copa. E foi a Fifa que aprovou o plano. Como diz o admirável Wahl e os manifestantes de Egito, Tunísia, Líbia etc. poderiam ter dito, chegou a hora de "curar a infecção”.

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JOHN CARLIN é colunista do diário espanhol "El País"
Tradução de PAULO MIGLIACCI
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 22/02/2011.

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