Daniel Piza
A opinião no futebol, talvez mais que em outros assuntos, é presa demais às circunstâncias e impressões. Não é que as pessoas mudem de opinião sobre um jogo ou jogador em respeito aos fatos; é que trocam radicalmente de palpite com base em eventos pontuais, que tratam logo de explicar com generalizações fáceis, ou então o veem confirmado como se fosse uma profecia. Uma partida é uma narrativa cujo desfecho não pode ser atribuído a um só fator, mas todos – comentaristas e torcedores – insistem em lê-la assim. E, como em quase toda interpretação passional, o que se segue são as acusações, o falso moralismo dessa gente que aparece na TV com o dedo em riste.
A semana foi pródiga em exemplos. Veja o caso de Rivaldo, no São Paulo. Em sua estreia, deu chapéu e fez um belo gol ao driblar o zagueiro com um toque de coxa. Até então pouco destacada pela imprensa, em comparação com a de Ronaldinho no Flamengo, a estreia foi exaltada no dia seguinte. Como ele está magro e tem muita técnica, já foi tido como a solução para o São Paulo e, ainda, seu desempenho seria a redenção de um jogador que nunca teria recebido o merecido destaque porque é tímido e não marqueteiro. “Esse sim é um fenômeno”, soltaram. No jogo seguinte, ele não fez quase nada, o time perdeu e ele saiu vaiado. Esperavam que fizesse um golaço por jogo?
Com Ronaldinho, não foi muito diferente. Sua estreia, também contra um time fraco, foi apenas mediana, para quem – ao contrário de Rivaldo – vinha atuando com frequência num campeonato acirrado como o italiano. Mas ele deu alguns passes com aquele jeito vistoso e, na partida seguinte, marcou um gol, embora de pênalti. Bastou para que o oba-oba se reanimasse. Observadores mais distantes, no entanto, veem que apesar de ter apenas 30 anos Ronaldinho está muito longe do seu auge, talvez nem a 50% dele. Mesmo assim, os torcedores acham que em breve ele estará dando títulos e shows de novo; afinal, se aparece sempre sorridente, deve ser porque está “motivado”. Caso nada disso aconteça, pode anotar que a culpa será das baladas noturnas.
Ronaldo, que começou o ano mal, sem fazer gols, apanhou de todos os lados depois da derrota para o Tolima. Ninguém jogou bem, mas o “gordo” paga o preço porque é o maior nome e salário do time. Mais justo seria criticar primeiro a diretoria, que não achou ninguém para dividir com ele a responsabilidade dos gols – como agora Liédson, que chegou tarde – e ninguém à altura de Elias e William, que vinham sendo tão importantes. Quanto à aposentadoria, por que insistem tanto nela se já tem data marcada? Ronaldo tem todo o direito de ficar até o final do ano, tanto quanto qualquer outro jogador desse elenco, e sabe que tem de melhorar a mobilidade. Já a vitória sobre o Palmeiras foi tida como prova de um novo “brio” e “coração”, como se o rival não tivesse criado muito mais perigo.
Mas é assim que os brasileiros tratam os ídolos: ou eles jogam tudo ou não são nada. E não só os veteranos, como temos visto na seleção sub-20. Neymar já é tratado como astro: na vitória, parece que jogou sozinho; na derrota, é sempre o principal culpado. Ele é esquentado e tem muito a melhorar também na técnica, mas a geração não é das mais animadoras e, se existe alguém que pode vir a fazer história no futebol, esse alguém é ele. Deve, porém, ouvir os conselhos certos e não cair na gangorra emocional em que a mídia vive, endeusando às quartas e demonizando aos domingos.
Tudo isso lembra o “homem cordial” de Sergio Buarque de Holanda. Cordial quer dizer que vem do coração, da paixão, dos afetos, sem passar pelo filtro da razão, do método, dos motivos impessoais. Por isso o torcedor está sempre pronto ou à exaltação ou à agressão, quase nunca ao exame criterioso dos fatos. Os times brasileiros, por exemplo, nunca perdem para um adversário, seja ele o Tolima seja a Argentina; perdem apenas para si mesmos e a culpa é sempre do craque, a quem “faltou coração”… Eu queria que pelo menos a uma minoria não faltasse cabeça.
* Publicado no Estado de S.Paulo, em 09/02/2011.
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