A culpa, a culpa! Quem são os culpados? Eis o que se escuta das bocas e do íntimo de cada torcedor tão logo a seleção brasileira é eliminada de uma Copa do Mundo. Não compreendemos – apesar de já o termos aprendido e reaprendido ao infinito – que o futebol não é um esporte afeito a noções genéricas de justiça, em que vencedor é aquele que faz mais e toma menos gols. Simples assim. Ademais, nós, brasileiros, tendemos a “nos achar” no futebol mais do que argentinos para tudo na vida, o futebol incluído: no esporte bretão sempre somos os melhores, sempre somos os favoritos, ninguém pode conosco, vai encarar?! Eis a ideia plantada nos corações e mentes brasileiros em cada Mundial, mesmo que isso não seja verdade. Por isso também nunca nos perguntamos das razões da vitória quando não éramos assim tão bons. Em 82, por exemplo, a derrota foi realmente inexplicável, tamanha a beleza com que jogava o time de Telê, da mesma forma que a vitória em 94 com um time pesado, medíocre, contando com um solitário e baixinho gênio à frente. Isto é o futebol, muito prazer.
Quem não se fez por satisfeito, listemos alguns candidatos a Judas de 2010.
Há os culpados imediatos, diretamente envolvidos no jogo fatal: a jabulani – sempre ela –; as vuvuzelas que não deixaram Felipe Melo ouvir o “deixar pra mim” supostamente gritado por Júlio César no primeiro gol holandês (eis uma hipótese lançada por Galvão Bueno, que também não deve ter ouvido o “cala a boca, Galvão!” por causa das mesmas vuvuzelas); a camisa azul, qual a da França e da Itália; a maldição da Copa das Confederações (vencemo-la em 2005 e perdemos a Copa em 2006, nova conquista em 2009, nova eliminação em 2010); o pé frio do Mick Jagger, que depois de gorar os Estados Unidos e a Inglaterra, inventou de torcer pelo Brasil.
Há também motivos mais razoáveis: o despreparo psicológico dos jogadores para lidar com uma situação adversa, no caso, o empate e a virada da Holanda, após um primeiro tempo quase perfeito da nossa seleção; o despreparo psicológico de Felipe Melo, detentor de um temperamento reconhecidamente explosivo, passível de expulsões em qualquer partida, e que sequer teve a hombridade de assumir a estupidez do pisão dado em Robben, cuja imagem foi fartamente transmitida para todo o planeta; os erros dos jogadores no segundo tempo, especialmente do próprio Felipe Melo – que, tomara, jamais vestirá novamente o uniforme da seleção brasileira; a falta de ousadia de Dunga, que poderia ter deslocado Daniel Alves para a esquerda e colocado Gilberto no meio, quando este entrou no lugar de Michel Bastos, bem como não poderia ter tirado Luis Fabiano, o artilheiro do time, quando colocou Nilmar em campo. Há, ainda, o desfalque de Elano por conta da entrada criminosa de um marfinense na segunda partida. Também, a instabilidade da seleção brasileira, oscilando bons e maus jogos durante todo o mundial: uma verdadeira seleção ioiô, com altos e baixos seguidos. E, lógico, há o mérito do adversário: afinal, enfrentamos a Holanda de Sneidjer, Robben e companhia, invicta há 25 partidas, também ocupante do rol de favoritas ao título. À arbitragem, todavia, apesar de o juizão japonês Yuichi Nishimura marcar falta em tudo o que era tombo, não pode ser creditada qualquer culpa pela derrota brasileira.
Ah, há a clássica teoria da conspiração: o Brasil deixou essa Copa para outro porque já tem garantido para si o título da próxima, quando será o país-sede. Essa, aliás, já era uma aposta feita antes de começado o torneio. Não importa o momento da eliminação e contra qual adversário: está escrito – ou melhor, acordado em conluio – que o Brasil não pode vencer este Mundial. Assim como em 98, em prol de 2002... Êta mundinho mafioso! “Eu já sabia”, conclama o teórico da conspiração.
Também existem as culpas relacionadas à busca gananciosa por dinheiro a todo custo: os interesses financeiros dos empresários, responsáveis pelas convocações dos Afonsos e Hulks da vida, só para valorização e imediata venda para clubes maiores; os interesses financeiros da CBF e da imprensa, especialmente da Globo, que não se preocupa com o recato da concentração, exigindo entrevistas exclusivas ao arrepio do comandante; há os interesses financeiros dos patrocinadores, onipresentes na concentração, nos treinos, nos jogos. Enfim, há os interesses financeiros que sufocam de alguma forma o futebol.
E há a culpa de Dunga, como não. Não apenas de Dunga, mas de sua filosofia de jogo e de vida: o dunguismo. O dunguismo da coerência com um padrão de jogo limitado, que não admite opções aos contra-ataques, marcação cerrada e jogadas aéreas. O dunguismo do comprometimento com jogadores excelentes, jogadores razoáveis e jogadores medíocres, excluindo a oportunidade a jovens talentos por não “pertencerem ao grupo”. O dunguismo do espírito guerreiro, bélico, militar, que não permite entrevista, passeio, sexo ou sorvete, nada que lembre os tempos de Weggis. O dunguismo do apreço à autoajuda e do desprezo à autocrítica, quanto mais da crítica alheia. O dunguismo dos novos atletas de Cristo, reverentes ao Senhor Jesus, ao Senhor Dunga e ao Senhor Ricardo Teixeira, tão distantes da rebeldia dos bad boys e baladeiros de outrora. Enfim, o dunguismo que vê o futebol como trabalho árduo, sofrimento, obrigação e disciplina, jamais como brincadeira e prazer.
Talvez existam outras culpas e culpados a serem lembrados. Mas, por ora, basta os acima citados. Para mim, nada do que foi mencionado, isoladamente, explica a eliminação do Brasil. Assim como também não a explica se somarmos tudo isso. Volto ao começo: o maior culpado é o próprio futebol, sua lógica e sua dinâmica. O futebol é jogo que exige preparo, estratégia, visão de resultados. Exige também talento. Só que jamais deixará de ter o elemento do detalhe – lembrem-se de Parreira: o gol é um detalhe! De fato é! –, da caixinha de surpresas, do imponderável, do sobrenatural de Almeida. A seleção de 2010 não era ruim, também não era brilhante. Era, não se pode negar, pior do que poderia ter sido, dadas as escolhas do próprio Dunga. Poderia ter sido campeã? Sim, poderia.
Da mesma forma que a seleção de 2006 tinha a base da seleção campeã de 2002, mas os jogadores estavam velhos e um tanto descomprometidos. Poderia ter sido campeã? Sim, poderia. Também a seleção de 1982, que era brilhante, jogava maravilhosamente. Poderia ter sido campeã? Até hoje não entendemos como não foi. A seleção de 1994, por outro lado, era extremamente defensiva, lenta e dependente de Romário, só convocado por conta de muita pressão popular. Poderia não ter sido campeã? Sim, poderia. Inclusive, não se pode esquecer que venceu nos pênaltis!
Moral da história: eis o futebol. Quem não tem seus méritos, certamente não conquistará nada. Porém, há quem tenha méritos e também não consiga ser campeão. Até porque há adversários igualmente bons e merecedores de vencer.
Estou triste com a eliminação do Brasil pela Holanda, como qualquer brasileiro deve estar. Mas não fico melancólico, com o mesmo sentimento amargo de outras derrotas. Sou até capaz de concordar com Juca Kfouri: essa seleção tem mais saldo positivo que negativo. O que fica de mais positivo, na minha opinião, é a derrocada do paradigma dunguista do comprometimento e, quiçá, o ressurgimento do paradigma do talento, do futebol arte como fim em si mesmo e como meio para o resultado. Torço para que a Alemanha de Özil e Müller, o Ganso e o Neymar deles, seja campeã; ficará mais fácil argumentar que talento não pode ser desperdiçado e juventude não é ponto fraco.
Por ora, parabéns à Holanda porque mereceu a classificação. Nos aguardem em 2014.
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Fora o Brasil, torço pelo futebol: torço pela Alemanha
Tenho um defeito. Ou, quem sabe, seja uma qualidade. Depende de quem vê. Quando o Brasil ou o Corinthians, meu time do coração, não estão em campo, tendo a torcer por quem está jogando melhor. Entenda-se: jogando melhor não quer dizer vencendo, mas apresentando um futebol bem jogado. Torço instintivamente pelo futebol-arte, ainda que os protagonistas sejam arquirrivais. Podem me xingar, mas não conseguia admitir que a Argentina – sobretudo, Maradona – não fosse o campeão em 1986. Eu tinha 14 anos e dava risada com os dribles fenomenais daquele hermano parrudo, que vinha costurando a marcação adversária para fazer o gol ou dar uma assistência a um companheiro. Também não consegui torcer contra o São Paulo de Telê nas finais de Mundial em 92 e 93, para o Paulistão do Palmeiras de Luxemburgo em 96 e para o Santos atual. Rivalidades à parte, quem gosta de futebol, de fato, não toma os verdadeiros artistas da bola como inimigos mortais, mas como adversários dignos do maior respeito, no momento do confronto, de grande admiração, no momento da derrota, ou de orgulho e de glória, quando conseguimos vencê-los. Vale para os brasileiros em relação a Maradona, ontem, ou a Messi, hoje; vale para corinthianos perante Pelé, ontem, ou face a Ganso, hoje.
Isto posto, confesso minha torcida pela Alemanha, uma vez eliminada a seleção brasileira. Não me interessa que tenham 3 estrelas e podem conquistar o tetra, aproximando-se do Brasil. Também não torço para a Alemanha porque tiraram a Argentina, outra ótima equipe, com uma goleada histórica. Torço para a Alemanha porque é a seleção que mais me surpreendeu – especialmente por ser a Alemanha! – e que mais me fez sorrir com um futebol bem jogado. Joaquim Löw conseguiu montar uma equipe equilibradíssima, em que defesa e ataque funcionam muito bem, assim como os lados direito e esquerdo. Lahn está perfeito na nova função de lateral direito – era lateral esquerdo em 2006 –, Friedrich é seguro na zaga, Schwanesteiger e Khedira formam a melhor, mas técnica, dupla de volantes desta Copa, Klose caminha firme rumo ao posto de maior artilheiro dos Mundiais, e salve, salve os jovens talentosíssimos Özil e Müller. Notem que os alemães já perderam nesta Copa para a Sérvia, na primeira fase. E podem, sem que se considere o resultado zebra, perder para a Espanha ou para a Holanda mais adiante. Tudo bem. Isso não mudará a sensação que tenho: a Alemanha é a melhor seleção da Copa 2010. Minha utopia: o futebol brasileiro será redimido em 2014 pela referência da Alemanha campeã em 2010.
JFQ
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