sexta-feira, 23 de julho de 2010

A merecida vitória da Espanha e o paradigma para 2014

Para fechar a Copa de uma vez – como é difícil nos desvencilharmos desse negócio! –, algumas observações derradeiras sobre a campeã Espanha. Como previsto na enquete, em que metade previu vitória espanhola, metade, vitória holandesa, o jogo foi pau a pau. As duas seleções criaram chances claras de gol – Robben perdeu dois gols feitos, Villa teve uma –, e lutaram bastante. No entanto, ficou clara a diferença de estilo: enquanto a Holanda marca firme e depende das bolas eventualmente metidas por Sneidjer para a velocidade dos atacantes, a Espanha tem jogadores de qualidade que marcam por pressão, e tocam com rapidez. A Espanha, aliás, é mais parecida com a antiga Laranja Mecânica do que a própria Holanda atual.

Há uma tese segundo a qual o campeão da Copa impulsiona uma tendência, um paradigma, a ser copiado pelas seleções e times mundo afora. A marcação dura, muitas vezes violenta, da Holanda, se contrapôs ao jogo de toque de bola da Espanha. Em suma, como esta venceu, fica o paradigma espanhol, e não o holandês. Aliás, até mesmo Cruyff, o maior de todos os jogadores holandeses, criticou a violência com que Van Bommel, De Jong e companhia resolviam as jogadas ofensivas do adversário.

Porém, no cálculo frio do resultado, pode-se esquecer que a Holanda – e seu paradigma – esteve por um fio de sair vencedor. No caso da Espanha, o título pode aumentar qualidades que não são lá tão verdadeiras. O paradigma espanhol, em suma, distingue-se do neo-padrão brasileiro, ou melhor, do padrão dunguista: 2 volantes brucutus e só opção de contra-ataque. Também distingue-se do padrão da moda europeu, o 4-2-3-1. A Espanha marca por pressão, toca a bola intensamente, procura manter a posse de bola com objetividade, verticalizando as jogadas. Para isso, mantem jogadores habilidosos em praticamente todas as posições: tem volantes que saem para jogar (Alonso e Busquets), laterais que marcam e apóiam (Sérgio Ramos e Capdevilla), meias e atacantes de ótima qualidade (Xavi, Iniesta, Villa, Fábregas, Torres). Parece até coisa de escolinha de futebol. A Espanha explora os lados do campo e as penetrações em tabela, com velocidade; até parece coisa de manual, de escolinha de futebol. Mas, para que essas lições sejam executadas a contento, é necessário que se tenha jogadores leves, via de regra, jovens. A Espanha não cadencia o jogo como a Holanda, mas não joga na mera correria, como asiáticos.

Mas a grande novidade – apesar de tudo isso não ser lá tão novo assim – é o meio campo da Espanha. Xavi é um volante que pela qualidade se fez meia armador. É um pouco como Hernanes, do São Paulo, ou Falcão, nos anos 80, para citarmos um craque legítimo. Algo parecido ocorre com a Alemanha, embora Schweinesteiger tenha feito o caminho inverso: um meia armador que recuou e virou volante. De qualquer forma, o modelo espanhol, assim como o alemão segue o princípio de que o meio precisa de jogadores de qualidade, tenham funções de armação ou de contenção. Muito diferente do Brasil de Dunga ou da Holanda.

A Espanha, mesmo se tomarmos o zagueiro Puyol – não tão habilidoso assim –, marca em cima, mas sem apelar para jogadas ríspidas, violentas. Um dos grandes méritos dos espanhóis foi justamente jogar limpo. Gostaria muito de ver Lúcio na função de líbero, como Puyol: uma sobra de qualidade atrás.

O paradigma espanhol, a prevalecer de fato, será bom para o futebol. O Brasil pode tirar lições dele. No entanto, mesmo que haja aqui um resquício nostálgico, não vejo na Espanha de Xavi e Iniesta um time brilhante, encantador. Por mais competentes e habilidosos que sejam.

Para 2014, o Brasil poderia buscar algumas referências da campeã de 2010. Com a vantagem de ter talentos que, quiçá, só existam aqui.

JFQ

***

Sobre o paradigma espanhol, vale a pena ler o artigo de José Geraldo Couto. A seguir:


A Herança Espanhola
José Geraldo Couto

(Folha, 17/07/2010 – p.D-5)


DO PONTO DE VISTA estritamente futebolístico (esquecendo portanto a festa, os negócios, a overdose midiática), o que ficou de herança da Copa do Mundo na África do Sul foi o que podemos chamar de "efeito Espanha".

Só se fala em copiar o modelo espanhol, posse de bola, troca de passes, blá-blá-blá. Ora, para começar, nada disso é novidade. Em seus melhores momentos, os times brasileiros, bem como a seleção nacional, praticaram muito bem esse tipo de jogo.

Além disso, sinto dizer, a Espanha não está com essa bola toda. Sei que soa antipático falar isso de uma seleção que se sagrou campeã mundial com todos os méritos, batendo em campo, de modo limpo e incontestável, oponentes fortes como a Alemanha e a Holanda.

Mas o fato é que, por alguma química insondável, a equipe de Vicente del Bosque não foi na África o time que brilhou dois anos antes, na Eurocopa.

O que faltou? Os pragmáticos dirão que não faltou nada, já que a Espanha foi campeã. Mas não estamos falando de futebol de resultados, e sim de futebol, simplesmente.

Portanto, o que faltou? Diz-se que a seleção espanhola é "o Barcelona sem Messi" e talvez aí esteja uma pista para entender o ponto em que os campeões do mundo deixam em muita gente uma sensação de frustração.

O que faltou à Espanha, a meu ver, foi aquilo que o craque argentino encarna como ninguém (além da imensa destreza técnica): o tesão do gol, a gana de vencer, a ousadia de "partir para cima".

A Espanha tem um belo toque de bola e jogadores do mais alto nível, como Xavi e Iniesta. Mas essa troca constante de passes, essas inversões de jogadas, esse "futebol envolvente", em suma, precisa de momentos agudos de quando em quando para não se tornar monótono.

Em outras palavras, faltou fúria à Fúria, time que fez escassos oito gols em sete jogos. A Alemanha, por contraste, marcou oito em apenas dois, contra dois ex-campeões mundiais (Inglaterra e Argentina) tidos como favoritos na África.

Mas a Espanha venceu não apenas a Alemanha mas também a Copa do Mundo. Isso abafa, de certo modo, a minha voz dissonante. O mundo é dos vencedores.

Encerro com uma fala de Eduardo Knapp, fotógrafo da Folha. "Ah, é futebol de resultados?", pergunta ele. "Então, no dia do jogo vou ao cinema. No dia seguinte, abro o jornal e vejo se meu time ganhou (que bom!) ou se perdeu (que pena!)."

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