Tostão
Era o último dia do ano.
Tatá, que hoje seria chamado de Carlos Osório, chegou em casa sem saber o que ia fazer na vida. Ele, que tinha sido campeão do mundo, atuado em grandes equipes, no Brasil e no exterior, decidiu parar de jogar, com 35 anos.
Até dava para jogar mais algum tempo, mas nenhum clube da série A ou B do Campeonato Brasileiro queria contratá-lo. Seria triste, uma ferida em seu orgulho, atuar em equipes inferiores. Tinha escutado também que ele era um "ex-jogador em atividade".
Tatá sentiu uma pressão no peito, uma náusea, um enorme vazio. Será isso a profunda tristeza de que falam os poetas, pensou. Ele tinha ganhado um bom dinheiro, mas gastou a maior parte, além de perdê-lo em alguns negócios. Tinha alguns imóveis alugados que lhe davam uma pequena renda, mas, sem o salário que ganhava como jogador, teria de mudar totalmente de vida. Com o tempo, as economias acabariam. Adeus hotéis, restaurantes e carros de luxo.
Imaginou que isso não seria o maior problema. Ele, a esposa e o pequeno filho poderiam se adaptar. Difícil seria não ser mais aplaudido após fazer um belo gol, não ser reconhecido nas ruas, não dar autógrafos e ter ainda de mostrar a carteira de identidade para provar quem era. Em pouco tempo, não seria ninguém.
Tatá percebeu suas limitações. Ele não sabia fazer mais nada. Passou 20 anos treinando, jogando, viajando, conversando fiado e lendo revistas sobre celebridades.
Tinha consciência também de que não tinha condições de ser técnico, comentarista, dirigente de clube, ou qualquer outra atividade ligada ao futebol. Poderia ser auxiliar do treinador, porém, pensou que o grande Tatá não poderia ser apenas um ajudante. Era muito vaidoso.
Lembrou ainda que não tinha amigos dentro ou fora do futebol. Tinha muitos companheiros, que certamente iriam esquecê-lo. Seu agente não se interessaria mais por ele. Sua esposa tinha passado toda a vida cuidando dele e do filho. Não sabia das coisas, não conhecia o mundo.
Tatá conhecia alguns ex-jogadores famosos que estavam mal de vida. Pensou neles. Havia também os que se encontravam todos os dias em um bar para beber e contar histórias do passado, às vezes distorcidas ou inventadas. Não queria ser como eles.
Tatá se olhou no espelho e chorou, copiosamente. Chorou, bebeu bastante e dormiu. Amanhã começava um novo ano. A vida continuava.
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 02/01/2011.
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