José Geraldo Couto
Vi anteontem no "Jornal Nacional" uma dessas imagens que nos causam um impacto imediato e que parecem pedir uma interpretação mais ampla, como certas cenas vividas em sonho.
Era uma daquelas matérias "recreativas", que servem de respiro em meio às desgraças do mundo: operários empregados na reforma do Maracanã jogavam uma pelada no campo do estádio.
Era essa a imagem: craques por um dia, aqueles homens pobres e rudes, com "uniformes" desconexos e material esportivo improvisado, corriam atrás da bola entre os escombros das arquibancadas.
Como ler essa cena?
Uma interpretação humanista, sentimental, diria: se o tempo passa e arrasta consigo as criações humanas, subsiste a força lúdica do homem, seu desejo de brincar. Caetano Veloso foi mais preciso ao lembrar "da força da grana que ergue e destrói coisas belas".
No meu caso, a imagem reativou uma ideia que já defendi aqui: está na hora de nossos estádios voltarem a ser, de fato, do povo. Sei que a palavra "povo" é equívoca, mas o que quero designar com ela é a maioria pobre da população.
Hoje em dia, quem não tem dinheiro para comprar ingressos caros ou não pertence a nenhuma das torcidas "organizadas" (que conseguem privilégios e facilidades junto aos clubes e até à polícia) encontra dificuldade em ver seu time jogar.
As reformas dos estádios são feitas sempre contra os pobres. O próprio Maracanã, há cinco anos, extinguiu a geral, com a desculpa de que era desconfortável e insegura para o público, e instalou assentos caros no lugar.
O discurso era de apreço aos pobres torcedores que assistiam ao jogo em pé, com uma visão limitada do campo. Só que, depois da reforma, esses "pobres torcedores" ficaram sem lugar nenhum. Alguém perguntou a eles o que preferiam?
Nos últimos anos, as camadas mais baixas da população tiveram uma inegável ascensão, "invadindo" espaços antes exclusivos à classe média e à elite, como aeroportos e shoppings.
Redes de cinemas perceberam a tendência e abriram salas na periferia, de boa qualidade e com entradas a preços populares. Estão lucrando a rodo. Mas os donos do poder no futebol ainda pensam que é melhor vender mil ingressos a R$ 50 do que dez mil a R$ 5.
É hora de reverter isso e de proclamar, parafraseando Castro Alves, que o estádio é do povo como o céu é do condor.
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 25/12/2010.
Legal João. Por preço e horário compatíveis com o bolso e o tempo do apaixonado torcedor brasileiro!
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