José Geraldo Couto
As duas imagens da semana, no futebol brasileiro, foram contrastantes: a festiva chegada de Ronaldinho ao Flamengo e a lacrimosa despedida de Washington do Fluminense (e do futebol).
A primeira foi o desfecho de uma novela que teve lances dramáticos, cômicos e sobretudo grotescos, como a concorrida entrevista coletiva que o jogador concedeu no hotel Copacabana Palace para dizer... nada.
A segunda imagem foi o final de uma narrativa bem mais longa e épica: a saga de um atleta que se sagrou artilheiro máximo do país em 2004 depois de passar por um grave problema cardíaco e quase pendurar as chuteiras antes da hora.
Ao contrário de Ronaldinho, Washington nunca foi um craque. Centroavante alto, forte e trombador, sempre fez seus gols muito mais na base do vigor físico e da garra do que da técnica ou da habilidade. O apelido Coração Valente lhe caiu bem, não apenas por conta das cirurgias cardíacas a que se submeteu.
Foi comovente assistir a Washington tropeçando nas palavras e na emoção na tentativa de explicar, na entrevista coletiva de despedida, que não estava deixando o futebol devido a problemas de saúde, mas simplesmente porque "chegou a hora".
Entrou em contradição várias vezes, ao admitir que gostaria de jogar mais um ano, ou que disputar a Libertadores seria um coroamento da carreira.
É curioso isso: mesmo sabendo que não vai mais precisar vender seu "pé de obra" no mercado, o atacante, aos 35 anos, ainda sente a necessidade de se defender do estigma de "bichado", o pior fantasma a assombrar a mente dos boleiros. Há uma ética dos futebolistas que nós, amadores e palpiteiros, entendemos apenas vagamente.
O momento de parar é sempre triste, em qualquer profissão, mas o do jogador de futebol é talvez o mais cruel.
Ou é aquele fim melancólico, em que o sujeito vai caindo para clubes cada vez mais obscuros, de tal modo que nem o Google sabe ao certo se ele já se aposentou ou não, ou então é essa catarse em praça pública, com entrevista coletiva, discursos de companheiros, filhas consolando o pai chorão etc..
Mas voltemos à outra imagem da semana.
Se houve lágrimas em profusão no adeus de Washington, não deu para ver se Ronaldinho chorou em sua apresentação na Gávea, pois seus olhos estavam como os de certos personagens de desenho animado, com cifrões em lugar das pupilas.
* Publicado na Folha de S.Paulo, em 15/01/2011.
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