terça-feira, 31 de agosto de 2010

Corinthians, 100 Anos


Minha esposa às vezes me chama para ir ao Bom Retiro comprar roupa. Para mim, aquilo é a visão do inferno. Horas e horas entrando em lojinhas lotadas de senhoras em busca de roupas boas e baratas, sendo atendido por lojistas nem sempre simpáticos, quase sempre refratários a trocas de roupas e a fornecimento de notas fiscais, com ou sem CPF. De qualquer forma, as roupas lá encontradas são idênticas àquelas que minha esposa me pede de presente nos shoppings, só que pela metade do preço. Ou seja, há suas vantagens em ir ao Bom Retiro.

Em uma dessas idas ao bairro, descobri que logo no começo da famosa Rua José Paulino, no cruzamento com a pequena Cônego Martins, cinco operários fundaram, sob a luz de lampiões, o Sport Clube Corinthians Paulista. Isso aconteceu em 1º de setembro de 1910, ou seja, há exatos 100 anos. Os pintores de parede Joaquim Ambrósio e Antônio Pereira, o sapateiro Rafael Perrone, o motorista Anselmo Correa e o trabalhador braçal João da Silva, entusiasmados com a passagem pelo país do time inglês Corinthian-Casuals Football Club, decidiram criar um clube com o mesmo nome. Ou quase.


Aos poucos o time foi se tornando popular no bairro e na várzea. A várzea, é bom que se entenda, era a região próxima ao centro de São Paulo, onde Charles Muller promovera as primeiras pelejas em terras brasileiras, em 1895. E onde eram disputadas as partidas não oficiais, já que o campeonato promovido pela Liga Paulista de Futebol era restrito a poucos clubes de elite. Sim, o futebol, hoje esporte de massas, introduziu-se como um esporte de elites, sendo mal-vistas as tentativas de inserção de escretes e torcedores populares. Eis um problema e tanto para o recém-criado Corinthians Paulista: nascido humilde, criado por gente humilde e popularizando-se cada vez mais, precisava fazer-se respeitar em um meio em que não era bem-vindo.

Porém, concomitantemente ao próprio futebol, o Corinthians ganhou terreno, entrou para os campeonatos oficiais e sagrou-se campeão paulista logo em 1914. Um jogador foi fundamental nessa empreitada: Neco, o primeiro grande ídolo corinthiano e um dos primeiros da seleção brasileira. Interessante são as datas relativas a Neco: nasceu em 1895, ano em que o futebol foi trazido ao Brasil por Charles Muller; fez parte do primeiro time do Corinthians, em 1910, onde jogou até encerrar a carreira, em 1930, ano da primeira Copa do Mundo; faleceu em 1977, ano em que o Timão encerrou jejum de 23 anos sem título. Neco foi uma espécie de precursor dos bad boys, briguento e brilhante em campo, sagrando-se campeão paulista em 1914, 16, 22, 23, 24, 28, 29 e 30, sempre pelo Corinthians, além de ter sido campeão sul-americano pela seleção brasileira – na época, um torneio equivalente em importância à Copa do Mundo hoje, em 1919 e 22 (ler “Neco – O Primeiro Ídolo”, de Antônio Roque Citadini, editora Geração Editorial, 2001).

O Corinthians construiu sua sede no Parque São Jorge, deslocando-se do Bom Retiro para o Tatuapé, preservando-se, contudo, em bairro popular. Prosseguiu sua história de glórias, bem como sua torcida, tornada nação de milhões e milhões de apaixonados, com a aura de time do povo, das massas e... do sofrimento. Eis uma sina do corinthiano: sofrer. Não que seja um masoquista, mas, digamos, alguém que recusa as facilidades. Perca ou ganhe, o “jeito corinthiano” de lidar com as batalhas dos gramados é sempre difícil, complicado, inusitado. Logo após as conquistas do brilhante escrete de Cláudio, Luizinho, Gilmar, Baltazar, Roberto Belangero, Dino Sani e tantos outros, o sofrimento foi a marca do jejum de 23 anos sem título, findo com o gol também sofrido de Basílio em 77. Sofrimento que também marcou a queda para a segundona em 2007 e que ainda marca a obsessão pela Libertadores, sucessora da obsessão já curada pelo primeiro Brasileirão, conquistado em 1990. É assim: se não há motivo, o corinthiano inventa um para sofrer com seu time, modo peculiar de demonstrar seu amor pelo alvi-negro mosqueteiro.

As conquistas também não foram poucas. Após o fim do jejum, vários outros paulistas vieram, assim como 4 campeonatos brasileiros, 3 Copas do Brasil e o maior de todos os títulos: o primeiro Mundial de Clubes da FIFA, em 2000. Nesse período, vários ídolos surgiram, como Sócrates, Casagrande, Biro-Biro, Vladimir, Neto, Marcelinho, Rincon, Vampeta, Gamarra, Tevez e Ronaldo. Mas, quem sabe, muitos corinthianos considerem como o maior ídolo de todos um jogador que passou pelo Parque São Jorge sem ganhar título: Rivellino.

Em alguns momentos o Timão revelou sua importância histórica, não apenas no cenário futebolístico, mas, até mesmo, no plano político. A democracia corinthiana do início dos anos 80 é para orgulhar a todos os torcedores e promover o respeito dos adversários, pelo menos naqueles afeitos à democracia como um valor e uma forma ideal de convívio entre verdadeiros cidadãos. Ainda sob a ditadura militar, os jogadores do Timão resolveram que tomariam em conjunto, democraticamente, as decisões relativas ao grupo. Foi uma verdadeira revolução no campo do trabalho e das relações políticas, e um sinal claro que trabalhadores não devem se deixar subjugar pelos interesses exclusivos dos patrões, bem como os cidadãos às determinações que um conjunto de supostos iluminados acreditam ser prerrogativas só deles. Não é à toa que Sócrates, vendido à Fiorentina em 1984, foi criticado pelo técnico daquele time italiano, Ferruccio Valcarregio, que dizia: “Precisamos de um jogador que corra e não que pense”. Mas Sócrates pensava mais do que corria, não deixando de ser inteligentíssimo em campo e estupendo como verdadeiro cidadão, conforme conceito de Augusto Boal: cidadão não é aquele que vive em sociedade, mas aquele que a transforma. E nada melhor do que ser um ídolo de um clube tão popular para influenciar o povo na tarefa de transformar democraticamente a sociedade brasileira.

Enfim, isso é o Corinthians, o campeão dos campeões. Hoje, dia 1º de setembro de 2010, faz 100 anos em que aqueles cinco humildes trabalhadores se juntaram para fundar uma nação. E não há mais como passar pelo Bom Retiro sem que me lembre, com orgulho e com sorriso, apesar do cansaço em acompanhar minha esposa à caça de roupas boas e baratas, daquela reunião ocorrida na esquina da José Paulino com a Cônego Martins.

Parabéns, Corinthians!

JFQ

***

MEU CORINTHIANS DE TODOS OS TEMPOS


Tenho 37 anos e me lembro de futebol a partir de 1979. Uma pena, já que não me recordo do fim do jejum em 77. Em compensação, lembro-me razoavelmente bem da conquista do paulistão de 79, também contra a Ponte Preta, quando Palhinha e Sócrates formaram uma dupla infernal.

Isto posto, indico, abaixo, minha lista do time de todos os tempos (o meu tempo), considerando o ano de 1979 como ponto de partida. (JFQ)



1 – Dida

Nome completo: Nelson de Jesus Silva
Posição: Goleiro
Principais títulos pelo Corinthians: campeão paulista de 1999, campeão brasileiro de 1999, campeão da Copa do Brasil de 2002, torneio Rio-São Paulo 2002 e Mundial da FIFA de 2000.

2 – Édson (Abobrão)

Nome completo: Édson Boaro
Posição: Lateral direito
Principais títulos pelo Corinthians: campeão paulista de 1988.

3 – Gamarra

Nome completo: Carlos Gamarra
Posição: Zagueiro
Principais títulos pelo Corinthians: campeão brasileiro de 1998 e campeão paulista de 1999.

4 – Chicão

Nome completo: Anderson Sebastião Cardoso
Posição: Zagueiro
Principais títulos pelo Corinthians: campeão brasileiro da série B de 2008, campeão paulista de 2009 e campeão da Copa do Brasil de 2009.

5 – Rincón

Nome completo: Freddy Eusébio Gustavo Rincón Valencia
Posição: Volante
Principais títulos pelo Corinthians: campeão brasileiro de 1998 e 1999, campeão paulista de 1999 e Mundial da FIFA em 2000.

6 – Wladimir

Nome completo: Wladimir Rodrigues dos Santos
Posição: Lateral esquerdo
Principais títulos pelo Corinthians: campeão paulista de 1977, 79, 82 e 83.

7 – Marcelinho Carioca

Nome completo: Marcelo Pereira Surcin
Posição: Meio-campo
Principais títulos pelo Corinthians: campeão brasileiro de 1998 e 99, campeão paulista de 1995, 97, 99 e 2001, campeão da Copa do Brasil de 1995 e Mundial da FIFA de 2000.

8 – Sócrates

Nome completo: Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira
Posição: Meia-atacante
Principais títulos pelo Corinthians: campeão paulista de 1979, 82 e 83.

9 – Ronaldo

Nome completo: Ronaldo Nazário de Lima
Posição: Atacante
Principais títulos pelo Corinthians: campeão paulista de 2009 e campeão da Copa do Brasil de 2009.

10 – Neto

Nome completo: José Ferreira Neto
Posição: Meio-campo
Principais títulos pelo Corinthians: campeão brasileiro de 1990 e campeão paulista de 1997.

11 – Tevez

Nome completo: Carlos Alberto Tévez
Posição: Atacante
Principais títulos pelo Corinthians: campeão brasileiro de 2005.

***

Meus reservas: Ronaldo Giovanelli, Giba, Willian, Amaral, André Santos, Biro-Biro, Vampeta, Ricardinho, Edilson, Zenon e Casagrande. Se fosse possível um terceiro time, colocaria Felipe, Alessandro, Célio Silva, Marcelo, Kleber, Roberto Carlos (apesar do pouco tempo e de já haver um lateral-esquerdo), Zé Elias, Elias, Palhinha, Nilmar e Luizão. Faltou lugar para Silvinho, Vaguinho, Douglas, Viola...

Observações:

1) Lembro-me de Zé Maria, o Super-Zé, mas já em final de carreira, sem o brilho de outras épocas. Lembro-me dele, aliás, como reserva de Alfinete, no time de 1982.

2) Considero Sócrates o melhor jogador que vi no Corinthians.

***

CENTENÁRIOS DE PAULISTAS FUNDAMENTAIS



Além do Corinthians, outra “instituição” completou 100 anos em 2010: Adoniran Barbosa. A propósito, um corinthiano da gema. Dá para imaginar a paulicéia desvairada sem Corinthians e sem Adoniran? Bendito seja o ano de 1910, meu!

***

FUTEBOL PARA LER

Abaixo, alguns bons livros sobre o Corinthians, dignos de fazerem parte da biblioteca de um corinthiano que se preze.



Corinthians: O Time da Fiel
Orlando Duarte e João Bosco Tureta
(Companhia Editora Nacional, 2008)




Neco – O primeiro ídolo
Antonio Roque Citadini.
(Geração Editorial, 2001)







Alambrado
Antonio Roque Citadini
(Editora Algol, 2010)










A Democracia Corinthiana:
Práticas de liberdade no futebol brasileiro
José Paulo Florenzano
(EDUC, 2009)








Democracia Corintiana: A utopia em jogo
Sócrates e Ricardo Gozzi
(Boitempo Editorial, 2002)




Meu Pequeno Corintiano
Serginho Groisman
(Editora Belas Letras, 2008)

Nenhum comentário:

Postar um comentário