segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"Placar" crucificada

Xico Sá
 
 
 
 
Amigo torcedor, amigo secador, uma ótima ideia a da "Placar", digna dos tempos gloriosos da publicação, foi, mesmo antes de a revista chegar às bancas e ser lida, rebaixada à condição de polêmica santa, cega e sem juízo.
As redes sociais da Internet, tais como algumas pracinhas moralistas e fofoqueiras do interior, pegaram uma capa antológica para Cristo. Nela aparece o genial e genioso Neymar, do Santos FC mais uma vez campeão deste ano, crucificado como Jesus.
Os editores da revista usaram a crucificação como castigo público, talvez a imagem simbólica mais velha e popular do mundo, para discutir as acusações contra o atacante do Peixe e da seleção canarinha.
A capa explica o motivo de pregar o jogador na cruz: "Chamado de 'cai-cai', o craque brasileiro vira bode expiatório em um esporte onde todos jogam sujo". Você pode discordar ou não do pensamento, mas daí a fazer disso uma guerra pentecostal contra a sacada da "Placar", pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Para muitos, a revista estava comparando Neymar com o homem de Nazaré. Isso seria um pecado mortal. Os editores foram condenados ao inferno em segundos. Fico espantado com a treva, com a incapacidade de se fazer uma leitura menos religiosa e mais sensata.
Não duvido que alguns exemplares sejam queimados nos templos evangélicos e católicos. Se bem que, como discordam do uso e culto às imagens, algumas igrejas pentecostais não podem condenar por uma simbologia em que não acreditam.
Você pode até acusar a revista de apelativa, sensacionalista e outros adjetivos colados ao exercício do jornalismo desde Gutenberg. Não consigo ver nem mesmo este aspecto. Acho, no máximo, um recurso engraçado para ilustrar a reportagem. No tempo em que nossa imprensa era mais criativa e bem-humorada, tínhamos capas e mais capas, páginas e mais páginas desse naipe.
É certo que não existiam as redes sociais, e apenas umas raras cartinhas, lavrando o protesto moralista, chegavam às redações. Assim como é certeiro que jornalista é um bicho orgulhoso que não gosta muito de ser contestado, tem dificuldade para lidar com as críticas do ombudsman e não gosta de assinar o "B.O." da seção "Erramos".
Bom que o barulho do Facebook e do Twitter, em muitas ocasiões, seja capaz de desconstruir manchetes vendidas como bombásticas e arrasadoras etc. Tudo isso é muito positivo. A confusão com a metáfora da "Placar", porém, não faz sentido. Modestíssima opinião para tentar colaborar com o debate.
Usamos diariamente, até sem perceber, a imagem da crucificação. Fulano pegou alguém para Cristo etc. Sinceramente é muito barulho por nada, minhas caras irmãs Cajazeiras da pracinha do interior chamada Internet.
Publicado na Folha de S.Paulo, em 28/09/2012.

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