quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Rainha
Nelson Rodrigues, provocador contumaz e incorrigível, certa vez escreveu algo do tipo: Pelé é tão bom que até parece um jogado carioca. Aliás, o cronista tinha predileção por cutucar paulistas, sendo também dele a célebre frase: “a pior forma de solidão é a companhia de um paulista”. Deixe estar...
Fosse vivo, o “anjo pornográfico” talvez fizesse uma outra provocação, bem ao seu estilo “intencionalmente reacionário”, dizendo: Marta joga como um homem.
Machismos à parte, não estaria de todo errado. A depender do homem, no caso, algum dos craques que fizeram as glórias do chamado esporte bretão, estaria corretíssimo. Sem rodeios, estaria perfeito se dissesse: Marta joga como Pelé.
Após 4 prêmios de melhor jogadora da FIFA – a única a receber tal honraria – , já não há mais pudores para se afirmar que Marta, muito mais que a melhor jogadora atual, é a melhor jogadora de todos os tempos. Dona de habilidade e de visão de jogo ímpares, Marta faz em campo o que muito marmanjo gostaria de fazer, mas não tem a competência necessária. O gol feito por ela contra os EUA na semifinal da Copa do Mundo da China, em 2007, por exemplo, é simplesmente antológico: Marta aplica o chamado drible da vaca na zagueira, de costas e de calcanhar, cortando, em seguida, outra zagueira antes de chutar a bola no canto direito da goleira. Obra-prima que faz lembrar – mas é ainda melhor! – um golaço de Edmundo, no Vasco, contra o Manchester United no Mundial de Clubes da FIFA, em 2000. Para quem não viu essa pintura de Marta, eis um link: http://www.youtube.com/watch?v=tr5xsomBuss.
Falando em craques, o estilo de Marta me faz lembrar Zico. Especialmente pelo jeitão de correr, curvada para frente, aparentando esforço demasiado, uma espécie de sofreguidão, mas sempre chegando à frente dos oponentes e finalizando o lance com um gol.
Contudo, à “rainha” Marta falta algo que sobrou ao “rei” Pelé: os principais títulos. Muito embora tenha ganho campeonatos importantes como o sueco, a Libertadores – pelo Santos – e o Pan do Rio em 2007, Marta e suas companheiras de seleção brasileira ainda não superaram certo “medo de ser feliz”, uma instabilidade emocional tipicamente brasileira que explica a perda de títulos importantes, mesmo sendo superiores tecnicamente às adversárias. Provas disso: derrota para a Alemanha na final da Copa do Mundo de 2007 seguida por vitória nas semifinais das Olimpíadas de Pequim 2008; vitórias robustas contra os EUA – 5x0 na final do Pan do Rio 2007 e 4x0 nas semifinais da Copa 2007 – , seguidas por derrota de 1x0 na final das Olimpíadas 2008. Em suma: o Brasil não consegue manter a necessária estabilidade emocional em finais de Copa do Mundo e de Olimpíadas, em que pese termos sido ligeiramente “garfados” na final das Olimpíadas de Atenas, contra as mesmas americanas, em 2004.
Citando Nelson Rodrigues novamente, falta à rainha o que o rei tinha de sobra em 1970, já que “Pelé é tricampeão nato e hereditário”. Ao contrário dele, a Marta e suas companheiras de seleção falta superar o “complexo de vira-latas”.
Apesar disso, para nossa sorte, o que não falta a Marta é a expectativa de uma carreira longa e ainda mais brilhante, já que sequer completou 23 anos de idade. Sorte nossa, dos brasileiros e dos amantes do bom futebol.
E já que o esporte é bretão: salve a rainha!
JFQ
Foto: Marta foi a primeira jogadora a ter os pés gravados na calçada da fama do Maracanã, logo após conquistar a medalha de ouro no Pan 2007.
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